Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Comunicação e Extensão: sinônimos?

CONGRESSO DE EXTENSÃO II

Victor Gentilli

[Texto da conferência pronunciada na Sessão do Grupo Temático Comunicação do VI Congresso Ibero-americano de Extensão]

A tradição extensionista brasileira é uma tradição comunicacional. Foi com a difusão de novos conhecimentos agrícolas, levando o progresso ao campo brasileiro, que o extensionismo tornou-se conhecido e reconhecido.

O que se fazia? Comunicação!

Comunicar é, simplificando, levar algum conhecimento a alguém.

A extensão universitária é o mecanismo pelo qual as Instituições de Ensino Superior levam o conhecimento científico às populações necessitadas.

Assim, por conseqüência, "comunicar" e "estender" em boa medida são sinônimos no Brasil.

E são como sinônimos, no que tem de comum e semelhante é que iremos encontrar o mais interessante e o mais estimulante em termos de experiências inovadoras de extensão e comunicação.

Esta aproximação alcança também o aspecto acadêmico na obra de Paulo Freire, entre outros. Conhecido como um grande pedagogo, sua produção ainda hoje é lida e estudada com entusiasmo pelos pesquisadores de Comunicação, a ponto do próprio autor constar de vários estudos nacionais e internacionais como um estudioso dos fenômenos da Comunicação. Sua obra Comunicação ou Extensão é exemplar já no nome. Publicada no Brasil em 1968, questionava a extensão que se praticava então e defendia a prática da comunicação. Paulo Freire distinguia um termo do outro, pois via na extensão apenas um mecanismo de reprodução de um saber constituído, enquanto a comunicação implicava um diálogo e um aprendizado mútuo. Para o que nos interessa agora, o debate iniciado por Paulo Freire é fundamental, embora o conceito de extensão que hoje trabalhamos não deva e não pode ser confundido com aquele velho conceito de extensão que o grande pedagogo criticava décadas passadas.

Para nós, cabe efetivamente refletir sobre o conceito universitário de extensão, não apenas aquele restrito à divulgação de conhecimentos do campo.

Refletir sobre o sentido contemporâneo do velho tripé ensino-pesquisa-extensão implica em observar que a Universidade só irá encontrar-se na plenitude de sua vocação se cada um destes pilares estiver equilibrado em relação aos demais.

Da mesma forma e pelo mesmo motivo é preciso muita atenção para uma efetiva integração entre estas atividades. Infelizmente, as estruturas burocráticas das universidades hoje fazem com que a extensão busque sua identidade própria em si mesma. Eis um equívoco a superar. É na interação, na integração, entre ensino, pesquisa e extensão que as instituições encontrarão suas identidades. Quanto mais as fronteiras entre cada um destes se confundirem, tanto mais próximos estaremos de uma universidade que se aproxima de sua vocação.

Comunicar é produzir sentido.

As atividades de extensão em Comunicação, portanto, são muito mais amplas que aquelas estritas à pesquisa e ao ensino de comunicação.

Fazer extensão, assim, é levar à comunidade e à sociedade o sentido último da Universidade. Um desafio e tanto.

Prática humana que permitiu ao homem civilizar-se, a comunicação tornou-se campo de conhecimento e área de saber apenas neste século 20 da Era Cristã.

Mesmo como campo de conhecimento, carece de amadurecimento e de constituição de uma efetiva "massa crítica".

Uma das maiores lideranças na área, o prof. Wilson Gomes, da Universidade Federal da Bahia, representante de nossa área junto a Capes, em entrevista à Sonia Virginia Moreira, na Revista Brasileira de Pesquisa em Comunicação, aponta problemas graves exatamente na nossa incapacidade de acumular conhecimentos a partir de pesquisas que saibam incorporar os conhecimentos obtidos em pesquisas anteriores. No dizer de Gomes, cada pesquisador, ao trabalhar um determinado tema, coloca-se claramente como pioneiro, iniciador, desbravador. E ficamos reiteradamente iniciando e desbravando.

Esse, o nosso quadro no campo da pesquisa. Lamentavelmente, no campo da extensão, o quadro parece mais grave. Os seminários, congressos e eventos da área jamais oferecem espaço para a divulgação das atividades de extensão em comunicação. As publicações igualmente ignoram os relatos de experiências de extensão.

No entanto, paradoxalmente, eis uma área rica, produtiva. O problema situa-se na incapacidade de sistematizar nossas experiências, mesmo porque a maioria delas sequer se apresenta publicamente como experiências de extensão.

Trata-se, na verdade, de um problema muito mais operacional do que acadêmico. Fazemos extensão. Aliás, fazemos extensão de boa qualidade.

Mas pela própria circunstância da Comunicação confundir-se com Extensão, toda a produção que não se caracteriza claramente como pesquisa é apresentada como projeto experimental ou atividade laboratorial.

Na semana passada, participei de um debate no X Congresso dos Jornalistas de São Paulo. Reencontrei o velho colega Celso Falaschi, que todos os anos encontro comandando o evento que mais atrai e reúne estudantes nos nossos Congressos Anuais. O Expocom ? o nome pode ser polêmico, mas trata-se de uma grande exposição do que se produz laboratorialmente em comunicação.

A grande maioria dos trabalhos, é claro, são projetos de ensino, laboratoriais, das mais diversas áreas. Mas cerca de 20% dos trabalhos são projetos típicos de extensão. Apenas não levam o nome.

Na verdade, estou aqui muito mais como representante do Observatório da Imprensa, onde colaboro desde as primeiras edições, praticamente desde o seu início, em 1997. Convidado por Alberto Dines para ocupar cargo de Editor da Área Acadêmica, desempenho esta função com enorme prazer e orgulho.

Mas também com uma ponta de frustração.

Já em 1998, lançamos a mais ousada proposta de integração do Observatório da Imprensa com as universidades brasileiras, a criação do que chamamos de Rede Nacional de Observatórios de Imprensa.

Permitam-me apresentar o chamamento que fizemos às escolas na edição de 5 de julho de 1998 e que reapresento agora [veja remissão abaixo; na exposição oral, o texto citado foi lido na íntegra].

Lançada em 1998, a proposta não vingou. Aqui ou ali um curso criou uma disciplina de crítica de mídia ou optou por desenvolver projetos nesta direção. Mas um trabalho organizado, sistemático e capaz de somar com o Observatório na prestação de um serviço público ao leitorado e à sociedade não se concretizou. Penso que agora, os tempos estão mais maduros para que alternativas de trabalho deste tipo dêem certo.

Para esquentar um pouco o debate, vou polemizar aqui com a coordenadora desta mesa, pró-rReitora Jane Voisin: nNo seu texto, ela apresenta as atividades de comunicação ligadas à outras áreas de conhecimento como um tipo de extensão em comunicação de segunda-classe. Ela não usa esta expressão, limita-se a distinguir o que chama de a comunicação-meio da comunicação-fim. Minha dúvida, na verdade, é se esta distinção ajuda ou não a esclarecer o nosso papel e as nossas funções sociais.

Porque as atividades de extensão em comunicação, no meu entender, crescem quando se incorporam a outros projetos.

Mas o problema, perdoem-me o termo, é epistemológico.

A Comunicação tem distinções marcantes em relação a todas as demais áreas acadêmicas, com influência direta e ainda não resolvidas nas questões concernentes ao ensino e à pesquisa.

Evidente que o debate necessita incorporar a extensão, mas para isso é preciso invertermos a lógica do raciocínio.

Na pós-graduação, a comunicação é campo de conhecimento, objeto de estudo e área de saber. Não há dilema epistemológico maior na pós-graduação em comunicação.

Infelizmente, é na graduação que o dilema epistemológico se manifesta. E resulta, na grande maioria dos casos, em cursos esquizofrênicos.

A Pesquisa, ou se contamina com as práticas correntes da pós-graduação, ou limita-se a pequenos e insignificantes estudos empíricos.

O Ensino recebe a marca forte da esquizofrenia: a teoria é de comunicação; a prática é de jornalismo, de publicidade, de relações públicas, de televisão.

A teoria é incapaz de explicar o fenômeno em sua concretude. As atividades técnicas ou laboratoriais reduzem-se a meras práticas, sem qualquer reflexão, debate ou explicação teórica do fenômeno. Reproduzem as práticas correntes sem crítica ou exercitam um experimentalismo estéril, inofensivo e inconseqüente.

Para encerrar, vou tratar de jornalismo, que é a profissão que escolhi para exercer e que é o centro das minhas preocupações. Sem nenhum demérito às demais profissões da área, às quais julgo sofrer dos mesmos dilemas, mas com uma reflexão acumulada talvez um pouco mais pobre.

Se é inconcebível pensar num ensino de Medicina sem um Hospital Escola, entendo igualmente inconcebível um ensino de Jornalismo sem Jornais-Escolas com periodicidade regular em todos os suportes e mídias.

Eis um esboço da esfinge que nos cabe desvendar. É no fazer, e no permanente refletir sobre este fazer que vamos dando conta destas questões.

Leia também