Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Da acomodação à truculência

RORIZ vs. CORREIO BRAZILIENSE

Mauro Porto (*)

A relação entre governantes e meios de comunicação é condicionada por uma série de fatores. Freqüentemente, essa relação é caracterizada por uma acomodação de interesses e uma aparente harmonia, estabelecendo-se uma certa simbiose que nem sempre é percebida pelo público. A fonte oficial se beneficia porque seu ponto de vista predomina no noticiário, e o jornalista, porque cultiva uma fonte acessível e confiável que facilita seu trabalho de produção de notícias.

A subordinação da mídia a governantes é garantida também por meios bem menos sutis e indiretos. Ela é freqüentemente estabelecida através da intimidação aberta, da coerção e da ameaça. No caso brasileiro, as oligarquias estaduais passaram a dominar a política local não só através do controle da propriedade da terra, como nos velhos tempos do coronelismo, mas também através do controle dos principais meios de comunicação locais, estabelecendo a nova fase do "coronelismo eletrônico". Esses chefes políticos se acostumaram a atuar sem a presença de uma mídia independente e investigativa.

Esse tipo de mandonismo político tende a se enfraquecer quando a democracia avança e a sociedade se torna mais organizada. Quando isso ocorre, a reação dos governantes a esse papel mais independente da mídia é freqüentemente truculenta. Não se admite uma imprensa que não seja dócil aos interesses dos que estão no poder.

Ameaça ao espaço democrático

O conflito entre o governador Joaquim Roriz e o jornal Correio Braziliense entrou em nova fase, com as acusações feitas pela coligação do governador, candidato à reeleição, no horário eleitoral gratuito. Os governantes têm o direito legítimo de reclamar da atuação da mídia. Afinal, a mídia nem sempre segue certos princípios e normas profissionais, incluindo o princípio da imparcialidade. As razões da insatisfação do governador vão além de eventuais falhas da cobertura do Correio.

A truculência do governador, que já chegou a defender o fechamento do jornal, é preocupante porque revela uma indisposição para conviver com uma imprensa independente, uma pré-condição da democracia. A truculência de Roriz o aproxima assim do oligarca que não tolera a diversidade de opiniões e ameaça não só um jornal, mas todos os espaços democráticos de discussão política do Distrito Federal.

(*) Professor da Faculdade de Comunicação da UnB e coordenador do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (Nemp) do Ceam/UnB