Monday, 14 de October de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1309

Daniel Lewis

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MEM?RIA


TAD SZULC (1927-2001)

"Morre Tad Szulc, correspondente da aventura", copyright O Estado de S. Paulo / The New York Times, 27/05/01

"Tad Szulc (Tadeuz Witold Szulc), ex-correspondente do New York Times no exterior, cujas reportagens sobre a iminência de um ataque a Cuba por anticastristas, em 1961, converteram-se em realidade com a desastrosa invasão da Baía dos Porcos, morreu de câncer no pulmão no dia 21, em sua residência, em Washington, aos 74 anos.

Em despachos enviados do Rio de Janeiro, Espanha, Portugal e Europa Oriental, Szulc (pronuncia-se Shultz) cobriu revoluções e intrigas da guerra fria para The New York Times e escreveu inúmeros livros, incluindo biografias de João Paulo II e Fidel Castro.

Seus antecedentes (ele nasceu na Polônia e estudou na Suíça e no Brasil) refletiam-se no grande fascínio que sentia pela política internacional. Como correspondente do NYT de 1953 a 1972, ele tinha o mundo inteiro para seguir esses interesses – e um jeito encantador de estar no lugar certo no momento em que a trama se adensava.

Escrevendo reportagens a partir da Venezuela, sobre a deposição do ditador Marco Pérez Jiménez, em 1959, ele conseguiu iludir os censores em dois dos seis idiomas que dominava e tornou-se o primeiro jornalista a enviar a notícia do golpe para fora do país.

?Segredos militares? – Em Praga, ele assistiu à repressão do movimento de liberalização comunista checo, em 20-21 de agosto de 1968. ?A Checoslováquia foi ocupada, hoje de manhã, por tropas da União Soviética e quatro de seus aliados do Pacto de Varsóvia, por meio de uma série de movimentos rápidos, aéreos e terrestres?, escreveu Szulc, na época.

Quatro meses depois, ele foi expulso daquele país sob acusações vagas, entre as quais se incluiu a de ?ter interesse por assuntos secretos militares?.

Foi um acontecimento típico da vida de Szulc fazer escala em Miami, entre uma tarefa e outra e logo seguir em uma direção que resultaria em reportagens sobre um tema que prenderia a atenção mundial e teria conseqüências sísmicas e duradouras para a política externa dos Estados Unidos.

Cubanos anticastristas que haviam recebido treinamento na Flórida e Guatemala planejavam invadir Cuba em meados de abril de 1961, com direção e financiamento da CIA. Em uma decisão que seria muito debatida depois, o NYT omitiu trechos de um dos artigos mais importantes de Szulc sobre os preparativos, por preocupação com a segurança nacional. O artigo foi publicado na primeira página, em 7 de abril de 1961, mas a informação de que o ataque a Cuba era realmente iminente e as referências à CIA foram omitidas.

Os artigos subseqüentes de Szulc sobre a invasão e seu livro The Cuban Invasion: The Chronicle of a Disaster (A Invasão Cubana: A Crônica de um Desastre), escrita em colaboração com Karl E. Meyer, não foram muito bem-recebidos pela CIA. Entretanto, muito antes disso, de acordo com arquivos da CIA, Szulc já era considerado ?contra a Agência? e ?sob suspeita de ser um agente estrangeiro hostil.?

Documentos secretos da CIA que foram examinados por The New York Times em 1997, após sua liberação, mostraram que membros do serviço secreto admitiam não haver nenhuma acusação contra Szulc. Entretanto, a cultura da agência parece indicar que as inferências sobre seu contato com líderes comunistas e com funcionários de alto escalão do governo americano ecoaram pelos escritórios da CIA durante todos os anos em que ele trabalhou para o NYT, e até quase o fim de sua carreira como escritor e comentarista de política externa.

Capa e cigarros – Os adjetivos ?agressivo? e ?persistente? talvez sejam fracos demais para descrever Szulc. Imbuído de coragem e levando consigo a obrigatória capa impermeável (do tipo usado por soldados) e um suprimento de cigarros, Szulc viajava muito, realizando uma façanha após outra.

Explodindo de energia, ele às vezes dava seqüência a uma série de importantes artigos de jornal escrevendo um relato mais pessoal para o Times Talk, publicação interna, contando algo sobre as complicações e atos de bravura só para seus colegas.

Houve um dia, em setembro de 1955, em que o longamente esperado golpe antiperonista na Argentina apanhou o jovem repórter no lado errado de uma fronteira fechada, participando de uma conferência sobre pesca no Chile.

?Mas ficou provado que a pesca tem boas perspectivas,? escreveu ele.

Enquanto a ação do correspondente regular do NYT em Buenos Aires era cerceada pela censura, Szulc descobriu que ele podia ouvir as transmissões de rádio dos rebeles confortavelmente sentado em seu hotel de Santiago, e enviar artigos para Nova York. E, no terceiro dia, ?com censura total em Buenos Aires, a nossa sucursal ad hoc e ad lib enviou a reportagem principal para o jornal?, concluiu.

Entretanto, era necessário voltar à Argentina. E deixar de lado alguns detalhes do plano – de curta duração – de apoderar-se de uma locomotiva para chegar à Argentina, em um ponto alto dos Andes, e de lá ?seguir caminho até o quartel-general dos rebeldes, em Mendoza, de esqui, a pé, de caminhão ou fosse o que fosse. Ele acabou entrando na Argentina em companhia de outros três correspondentes, em um avião bimotor chileno. ?O pequeno avião mal conseguiu atravessar os Andes, cujo topo estava coberto de gelo. Tínhamos pouco oxigênio, meu isqueiro não funcionava, o que me privou da tranqüilidade de poder fumar acendendo um cigarro após outro.?

Szulc não era conhecido como vítima de bloqueio de escritor. Nas duas décadas que passou no NYT, ele escreveu dez livros, a maioria deles, como Twilight Tyrants, publicado em 1959, tendo alguma coisa a ver com países e acontecimentos que ele cobrira. Depois de deixar o jornal, ele escreveu mais dez livros, incluindo um no qual denunciou as políticas de Henry A.

Kissinger, The Illusion of Peace: Foreign Policy in the Nixon Years, (A Ilusão de Paz: Política Externa Durante os Anos de Nixon), em 1978; e, em 1986, Fidel: A Critical Portrait (Fidel: Um Retrato Crítico), que apresenta o líder cubano como um caudilho latino ?envolto em um manto de conveniência marxista-leninista.?

Seus dois últimos livros relacionam-se com suas raízes polonesas. O livro Pope John Paul II: The Biography (Papa João Paulo II: A Biografia,) publicado em 1995, trata do papel desempenhado pela vida intelectual e ativismo político da Polônia no desenvolvimento do papa.

Chopin in Paris: The Life and Times of the Romantic Composer (Chopin em Paris: A Vida e os Tempos do Compositor Romântico) foi lançado em 1998.

Trata-se de ?uma crônica indiscreta, com grande poder de apelo?, segundo The New York Times Review of Books.

Szulc, que passou a trabalhar como free lancer escrevendo livros e artigos de jornais após sair do NYT, em 1972, deixou esposa, Marianne; uma filha, Nicole Szulc Ginn, que mora na Grã-Bretanha; um filho, Anthony, que reside em Washington, e um neto."

"Carreira jornalística começou no Brasil", copyright O Estado de S. Paulo, 27/05/01

"Era poliglota, conhecedor do mundo, bom gastrônomo, trabalhador compulsivo, excelente escritor com o indispensável olfato para saber onde estava a notícia antes de qualquer outro.

Muitos de seus artigos foram publicados no Estado. Nascido em Varsóvia, em 25 de julho de 1926, Szulc estudou na Suíça e emigrou para o Brasil em 1941 com sua família, que se radicou no Rio de Janeiro.

Durante sua vida agitada, deslocou-se pelos quatro cantos do mundo, mas nunca deixou de ter um apego especial pelo Brasil, onde começou sua carreira. Nas conversas que manteve durante seus últimos dias de vida com sua filha e alguns amigos, sentia-se mais à vontade falando português.

Tad foi meu colega desde 1948, primeiro na United Press e depois em The New York Times, e nos entretínhamos lembrando episódios singulares de nossas carreiras paralelas. Uma delas foi quando cobrimos uma conferência de chanceleres da Organização dos Estados Americanos (OEA) em Santiago do Chile, em 1959.

Ali chegaram um jovem chamado Raúl Castro, que vinha de Havana para defender a ?honra? da revolução cubana ante as críticas de alguns colegas, entre eles Juan de Onis, que também trabalhava para o NYT, e Ruy Mesquita, o atual diretor-responsável do Estado, que na época escrevia uma coluna geralmente crítica sobre a política do então presidente do Brasil, Juscelino Kubitschek, e de sua equipe encarregada da política exterior.

?Quando éramos crianças na Europa, a quem teria ocorrido que em Santiago do Chile íamos encontrar um restaurante chinês com o nome de Danúbio Azul?, lembrava Szulc sorridente e meneando a cabeça como sempre fazia quando descobria outra maravilha na mágica América Latina.

Szulc havia ido a Santiago para a reunião de chanceleres procedente do Rio de Janeiro, para onde havia voltado em 1953 para se encarregar da cobertura jornalística da América Latina para The New York Times e onde permaneceu até 1960, chegando a Washington pouco antes da eleição do presidente John F.

Kennedy, com quem chegou a ter um relacionamento pessoal muito bom.

Tinha as virtudes essenciais de um jornalista: curiosidade, perseverança e capacidade de compreensão. As três foram necessárias quando, por casualidade, deparou com a informação exclusiva mais importante de sua carreira. Estava em Miami, de férias, em 1961, e ficou sabendo que entre os exilados cubanos circulavam rumores sobre uma próxima invasão da ilha.

Seguiu a pista, descobriu que a Agência Central de Inteligência (CIA) estava por trás do plano e em 7 de abril daquele ano publicou a notícia na primeira página do Times. Mas a direção do jornal havia suprimido do texto tanto o envolvimento da CIA quanto a iminência da invasão, que ocorreu dez dias depois. Foi o fiasco da Baía dos Porcos.

Kennedy, que se havia enfurecido quando Szulc revelou seus planos, comentou depois para o diretor de The New York Times que, se tivessem publicado mais dados, teriam evitado que ele cometesse aquele ?erro monumental?.

Durante seus últimos dias, Tad contou-me outra pequena história sobre seu relacionamento com Kennedy. Poucos meses depois da desastrosa tentativa de invadir Cuba em abril de 1961, Kennedy chamou Tad à Casa Branca. Ali, revelou-lhe os planos da CIA para assassinar Fidel Castro.

?Eu lhe disse que me parecia uma idéia horrível?, lembrou Szulc, na semana retrasada, numa conversa mantida a partir de seu leito. Kennedy lhe respondeu: ?Fico contente por você me dizer isso, pois estou sob pressão para aprovar essa operação, mas sou da mesma opinião.?"

"Meu adeus a Tad", copyright Último Segundo (www.ultimosegundo.com.br), 27/05/01

"Tad Szulc foi um grande repórter, daqueles que fazem história, e um ótimo caráter. Lembro bem da amizade que fizemos quando ele trabalhava no desaparecido ?Brasil Herald?e eu em ?O Globo?. Szulc falava inúmeras línguas. Era um garotão culto, alto, tipo polonês, um judeu polonês refugiado.

Ele não falava muito de seu passado. Tinha a aparência e um comportamento de aristocrata europeu. Garoto de 18 anos ou menos, sabia escolher seus vinhos. Era perseguido pelas meninas mais bonitas da época, mas não era do grupo de conquistadores. Tinha outras preocupações, mas nunca se abria muito.

O português que Szulc falava era perfeito, mas com um forte sotaque. Lembro que ele tentou trabalhar em jornais brasileiros. Eram dias incríveis aqueles. Um Rio de Janeiro de 800 mil habitantes tinha 34 jornais diários. Era o fim da 2? Guerra. Entrava-se para o jornalismo com apresentação ou muita insistência. Não havia diploma obrigatório.

Lembro de grandes repórteres analfabetos que eram geniais no uso do telefone. Havia o ?já era cadáver?, que permanecia dia e noite no pronto-socorro e, assim, conseguia suas informações. Depois, mandava um ?boneco? do morto – a foto dele quando vivo.

Eram os dias do jornalismo como vocação e boemia. Trabalhava-se para receber uns vales semanais que mal cobriam a alimentação. Mas praticamente se vivia na Redação, tal a paixão pela profissão pela qual se arriscava a vida com absoluta indiferença.

Tad não foi aceito por nenhum veículo brasileiro. Nunca explicou. Judeu europeu daqueles dias tinha a marca da sobrevivência: uma determinação inabalável de viver, ao máximo, a melhor vida possível.

Tad se destacou no Herald e foi trabalhar em uma agência. Pelo que me recordo, foi para a Associated Press, onde um brasileiro cujo nome me escapa era o chefe. Szulc era solidário. Ganhava um bom salário e tentava ajudar ao maior número de ?frilas?.

Szulc se destacava pelo talento, estilo e aparência. Fomos para Nova York quase que na mesma época. Ele tinha motivos pessoais e profissionais. Fui pelo ?O Globo?, quase que como uma bolsa de Roberto Marinho.

O colega que chegava mais cedo – 3 ou 4 horas da manhã – saía mais tarde. Sentávamos todos na mesma Redação e ele fazia a limpeza de textos. Às vezes, escrevia. Cheguei em Nova York e fui reencontrar Tad trabalhando na mesa latino-americana da AP (se não me engano).

Vivíamos vidas apertadas. Os dólares de ?O Globo? não bastavam. Nem os dele. Tentei de tudo: dublar filmes como ?O Máscara de Ferro?, foca no PM (jornal desaparecido, que acreditava poder sobreviver sem anúncios e faliu), no New York Post, no New York Daily News…

Tad se firmou na agência. Ele dizia que queria voltar ao Brasil, onde tinha sua familia. Um tio editava uma revista em inglês dedicada a promover as relações entre norte-americanos e brasileiros. Mas não lhe deram chance.

Szulc aceitou convite para trabalhar no New York Times ganhando menos. ?O que você acha, Nahum??. Claro que ele perguntou por perguntar. Tad tinha o que era raro entre os americanos: as seis ou sete línguas que dominava. Daí, veio a merecida ascensão, um casamento com uma magnífica companheira americana e filhos.

Voltei ao Brasil. Nos reencontramos pelo mundo inúmeras vezes. A fama não o afetou. Transformou-se em um dos maiores e mais respeitados repórteres americanos: primeira página sempre.

Algo aconteceu em sua passagem pelos escritórios do jornal em Washington. Tad já havia sofrido a injusta censura de seu ?furo? sobre a provável invasão de Cuba, em 1961, a pedido e por pressão do presidente John F. Kennedy aos controladores do jornal. Logo, soube optar por viver como ?free lancer? e escrendo livros. Vida de grande senhor, de lorde: com cavalo, espaço e luxo. Grande perda para o jornalismo."

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