Wednesday, 01 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Delírios da extrema-direita

MÍDIA PATRULHADA

Mário Augusto Jakobskind (*)

A extrema-direita, nos dias atuais, está cada vez mais delirante, como tentaremos demonstrar a seguir. O episódio a ser relatado começou com um artigo, publicado neste Observatório, "O papel da mídia, um papelão" [remissão abaixo], em que foi questionado o comportamento da imprensa na cobertura dos acontecimentos na Venezuela, em 14 de abril, que culminaram com o retorno do presidente constitucional Hugo Chávez ao poder. Em certo trecho, este autor assinalava uma reunião na República Dominicana que contou com a participação do empresário golpista Pedro Carmona, do sindicalista venezuelano Carlos Ortega, do ex-presidente venezuelano Carlos Andrés Pérez, de um integrante de um grupo cubano-americano de Miami e de um obscuro personagem da extrema-direita americana, chamado Lyndon LaRouche, que tem ramificações em várias partes do mundo, inclusive no Brasil.

Este senhor, que há mais de 30 anos se intitula pré-candidato à presidência e publica o boletim Executive Intelligence Review (EIR), de cunho racista e anti-semita, ao estilo antigo, colocando no mesmo saco da intolerância as críticas à atual política do premier israelense Ariel Sharon e o ódio aos judeus propriamente dito, respondeu à "calúnia" por intermédio de um porta-voz.

Para se ter uma idéia de quem é o personagem, aqui no Brasil representado pelo Movimento de Solidariedade Ibero-Americano, que tem como ídolo neste momento o coronel argentino Mohammed Ali Seineldín, basta dizer que em um dos boletins do bando extremista o delírio contra o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra chegou ao ponto de afirmar que o MST recebia financiamento do príncipe Charles. Só este fato bastaria para se ter idéia de quem é o EIR. Mas, além da adoração ao coronel Seineldín, no que são acompanhados por militares brasileiros da reserva notoriamente vinculados ao esquema mais linha-dura dos golpistas de 1964, os referidos extremistas de direita denunciam constantemente a existência de uma "conspiração judaico-maçônica", com sede em Londres, que tem por objetivo "dominar o mundo".

E onde entra a mídia nesta história tola? Estes senhores, utilizando uma linguagem supostamente nacionalista e às vezes até de cunho antiimperialista, contam com a desinformação de jornalistas e leitores para divulgar seus delírios. Em meio ao tiroteio e à confusão ideológica do país, conseguem até abrir espaço na mídia com esse tipo de linguagem. O tal Movimento de Solidariedade Ibero-Americana chegou mesmo a se reunir com a bancada de oposição no Congresso para denunciar "complôs internacionais". Parlamentares com tradição de luta contra o arbítrio deixaram-se enganar. Segundo os jornalistas Cícero Sandroni e Henrique Miranda, do Conselho Administrativo da Associação Brasileira de Imprensa, os representantes da EIR no Brasil azucrinaram o então presidente da ABI, Barbosa Lima Sobrinho, entregando material informativo de linguagem nacionalista. Não chega a ser surpresa o fato de algum grupo de extrema-direita se valer da retórica nacionalista. Adolf Hitler e Benito Mussolini também iludiram alemães e italianos dessa forma.

Qual deveria ser então o papel da mídia no caso? Em princípio, enquanto tal grupo não consegue muita audiência, deveria ser evitado ao máximo divulgar sua existência. Afinal, o que perderia a opinião pública com isso? Absolutamente nada, muito pelo contrário. Mas, se começam a circular em rodas políticas enganando meio mundo com seu proselitismo, seria a hora de a mídia entrar firme no circuito, como já fizeram algumas publicações em outros países. Até o conservador jornal Ambito Financiero, da Argentina, alertou seus leitores sobre as incursões desse grupo nazifascista chefiado por LaRouche e que adora o coronel Seineldin, mesmo tendo o militar servido como ponte entre a famigerada e assassina AAA ou Tríplice A (Aliança Anticomunista Argentina) e a área castrense, além de ter defendido o fuzilamento público de opositores da ditadura argentina.

E onde entra a Venezuela e o Observatório da Imprensa nesta história? Este autor, que não tem o hábito de escrever na primeira pessoa, foi avisado de que ter sido duramente criticado por um porta-voz do eterno pré-candidato à Casa Branca. Segundo um informe da EIR, na matéria sobre a Venezuela, publicada neste Observatório e na Tribuna da Imprensa, este jornalista teria cometido "calúnia" indicando "que alguém trata de orquestrar mais banhos de sangue na Venezuela". Furioso, o porta-voz tentou convencer seus leitores de que LaRouche jamais participou de qualquer reunião secreta na República Dominicana, com Carlos Andrés Pérez ou quem quer que seja. Em estilo autoritário e delirante, o porta-voz indaga: "Por que aparecem estas mentiras agora?". E ele mesmo responde: "Essas invenções aparecem em meio de um processo de golpe e contragolpe na Venezuela que não terminou, e que pode muito bem levar rapidamente a outro contragolpe, e assim sucessivamente."Em seguida, já partindo para ameaças, o porta-voz observa que "as mentiras sobre LaRouche não podem ser vistas apenas como piadas, mas como obra de redes de inteligência", e "há que levá-las a sério, como uma ameaça à segurança não só da Venezuela, como de outras nações da região, como o Brasil, que poderia enfrentar um eco do mesmo perigo presente na Venezuela". E em tom ainda mais sem eira nem beira, o porta-voz informa que a "EIR abriu investigação sobre as redes de inteligência". Depois de afirmar que a fonte de "Jakobskind vem do jornalista Carlos Aznárez", como este próprio autor tinha assinalado na matéria, o porta-voz "revela" que se trata de "um basco-argentino que dirige uma publicação na internet, que publica mensagens das Farc colombianas, entre outros terroristas, e que tem vínculos com o EZLN (Exército Zapatista de Libertação Nacional) do México e as publicações cubanas Granma e Juventud Rebelde". O porta-voz deixa cair a máscara obscurantista de extrema-direita, confundindo informação não-comprometida e que dificilmente sai na mídia com outra coisa distinta.

O mundo de Le Pen

O delírio extremista de direita não termina aí. Insinua inclusive que a tal "rede de inteligência" tem como origem Cuba, país onde pela primeira vez teria sido publicada a informação sobre o encontro na República Dominicana.

Como se tudo isso não bastasse, o porta-voz da EIR deixa no ar a "denúncia" de que os jornalistas Jakobskind, Aznárez e a rede de inteligência cubana estariam associados. Ou seja, o mesmo gênero de "denúncia" de que o príncipe Charles financiaria o MST e da "conspiração judaico-maçônica" com matriz em Londres para dominar o mundo.

Em carta publicada na seção dos leitores da Tribuna da Imprensa, ao "desmentir" a informação segundo a qual LaRouche esteve reunido com golpistas venezuelanos na República Dominicana, o casal Carrasco (pelo nome não se perca), que responde pela EIR aqui no Brasil, "revelou" que o extremista americano não viaja por estar com problemas de saúde e devido a sua idade avançada. O desmentido, na verdade, não chegou a convencer e teve pernas curtas. Em um de seus boletins, o próprio EIR informa que LaRouche estava na Guatemala dando palestra. Mesmo se fosse verdade o que disse o casal Carrasco, tratando-se de quem se trata, uma ida clandestina à República Dominicana não seria absolutamente de estranhar.

Até elaborar este informe, este autor ficou em dúvida sobre publicá-lo. Afinal, extremistas do tipo dos integrantes da Executive Inteligence Review, como todos e quaisquer racistas, não merecem mais do que desprezo e silêncio. Mas, quando o delírio assume proporções tais que podem até confundir a opinião pública, aí vale tornar pública a informação.

E, para encerrar a questão, não seria o caso de a mídia ficar atenta a grupos que atuam em várias partes do mundo vomitando ódio contra pessoas ou defendendo militares que já professam a ideologia nazifascista e hoje querem aparecer como democratas desde criancinha? Num mundo em que Le Pen tem espaço, todo cuidado é pouco.

(*) Editor de Internacional da Tribuna da Imprensa, correspondente da Radio Centenario, de Montevidéu, e comentarista de política internacional da Rádio Rio 1440 AM

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