Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Denúncias na corda bamba

LEITURAS DO NYT

Claudio Julio Tognolli (*)

No domingo (18/8), The New York Times saiu com uma alegada bomba jornalística. "Oficiais americanos dizem que EUA ajudaram o Iraque na guerra, apesar do uso de gás." Pela reportagem, oficiais de primeira linha e veteranos da ativa garantiam ao jornal que a administração Ronald Reagan empenhou-se em fornecer planos de ataque para o Iraque na guerra contra o Irã, nos anos 80.

Referia a "bomba" do matutino que a assistência fora dada quando as agências de inteligência dos EUA já sabiam que o Iraque empregava, à época, armas químicas ? e pretendia tocar à frente a empreitada. A notícia do NYT caiu mal neste momento em que George W. Bush demoniza Sadam Hussein, sobretudo pelo alegado uso de armas químicas e biológicas. 

Mas a história do Times é velha, repassada. E incompleta, senão censurada . É o que sustenta o veterano repórter norte-americano William Blum. Ele é autor de Killing Hope: U.S. Military and CIA Interventions Since World War II" e de Rogue State: A Guide to the World’s Only Superpower.

"Correndo o risco de parecer que estou trombeteando na minha própria corneta, eu escrevi e publiquei essa história em inúmeras revistas alternativas, distribuídas amplamente pela internet, e que até ganharam o prêmio Project Censored, em 1999. Até onde sei, a grande mídia jamais cobriu essa história, e se o artigo do Times serve de guia, a censura vai continuar", escreveu Blum. Isso porque, diz, "estranhamente a matéria do NYT deixa de fora a parte mais significativa da história: o fornecimento, dos EUA ao Iraque, de material químico e biológico que agora potencializaram o Iraque em sua capacidade de produzir CBW (chemical and biological weapons, armas químicas e biológicas)". 

Eis o principal da história de Blum, publicada em 1998:


"Em recente pronunciamento público, o presidente Clinton, no contexto do Iraque, falou em como devemos ?nos confrontar com os novos perigos das armas químicas e biológicas, com os estados ilegais, com terroristas e com criminosos organizados que procuram adquirr esse material?. Ele acusou Saddam Hussein de ?desenvolver armas nucleares, químicas e biológicas? e pediu pelo endurecimento da Convenção de Armas Químicas. Quem entre os ouvintes, entre os que reportam na mídia, sabia que os EUA foram os fornecedores da maior parte do material biológico que os cientistas de Saddam necessitam para tocar o programa de guerra química?

De acordo com o Relatório do Comitê do Senado [U.S. Chemical and Biological Warfare-Related Dual Use Exports to Iraq and their Possible Impact on the Health Consequences of the Persian Gulf War, Senate Committee on Banking, Housing and Urban Affairs with Respect to Export Administration, reports of May 25, 1994 and October 7, 1994] a partir de 1985, senão antes, até 1989, um autêntico caldeirão de bruxas de material biológico foi exportado ao Iraque por fabricantes norte-americanos, sob licença do Departamento do Comércio dos EUA. Entre esses materiais, estavam:

Bacillus Anthracis, do Anthrax.

Clostridium Botulinum, uma fonte de toxina do botulinum.

Histoplasma Capsulatam, causador de doenças que atacam os pulmões, cérebro, corda espinal e coração.

Brucella Melitensis, a bacteria que causa danos à maioria dos órgãos.

Clotsridium Perfringens, uma bacteria altamente tóxica que causa doenças sistemáticas.

Clostridium tetani, altamente tóxico.

E também: Escherichia Coli (E.Coli); material genético; e DNA humano e de bactérias.

Dúzias de outros agentes biológicos patogênicos foram embarcados ao Iraque nos anos 80. O Relatório do Senado: "Esses materiais biológicos não foram atenuados ou despotencializados, e são capazes de ser reproduzidos" [Ibid., May 25 report, pp. 36-47].

"Soubemos depois", revelou o comitê, que "esses microorganismos exportados pelos EUA eram idênticos aos que os inspetores das Nações Unidas encontraram e removeram do programa biológico de guerra do Iraque" [Ibid., October 7 report, p. 3].

Tais exportações continuaram pelo menos até 28 de novembro de 1989, apesar do fato de o Iraque ter sido apontado como engajado na guerra química e possivelmente biológica, contra iranianos, curdos e shhitas desde o começo dos anos 80".


Blum garante: o todo-poderoso New York Times requentou material e não deu a seus leitores uma história completa. Algo, caso verdadeiro, para ser acrescentado à história do The New York Times contada por Gay Talese em O Reino e o Poder, lançada em português há dois anos [trad. Pedro Maia Soares, Companhia das Letras, São Paulo, 2000], e que tanto sucesso faz nas faculdades de comunicação do Brasil.

(*) Repórter especial da Rádio Jovem Pan, professor das Unifiam (SP) e da ECA-USP, consultor de jornalismo investigativo da Unesco no Brasil

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