Wednesday, 01 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Denuncismo e apuração negligente

CASO EDUARDO JORGE

Rui Nogueira (*)

Chamados à objetividade por dever de profissão, impressiona como os jornalistas conseguem manipular o debate sobre o caso Eduardo Jorge e desviá-lo para um foco onde o centro da discussão nunca é o erro do jornalista e do jornal. Passamos sempre ao largo da gênese do problema. Esta é a profissão em que as fontes oferecem as informações, mesmo quando dão a cara ao tapa (on), e o jornalista fatura os louros sozinho. O Prêmio Esso é única e exclusivamente do jornalista, que dependura orgulhosamente o diploma na redação ou em casa. Os erros ? ah, os erros ? pertencem às circunstâncias salvadoras. Os erros são debitados, direta ou indiretamente, na conta de uma fonte que não se mostrou confiável, nos tropeços naturais (!) do exercício da profissão. Seja lá o que isso for.

É essa naturalidade que joga a discussão dos grandes e pequenos erros da imprensa na vala do corporativismo atroz. E estamos a braços com essa mesmice ao tratar do caso Eduardo Jorge.

Execrar primeiro e perguntar depois. Espírito de manada. O procurador Luiz Francisco de fonte primária da informação. Tudo isso é muito grave, mas depois de 24 anos nas redações (Jornal de Brasília, TV Nacional/Radiobrás, TV Globo, Correio Braziliense, Folha de S.Paulo e, agora, no site e revista Primeira Leitura) criei a firme convicção de que isso tudo é efeito de um mal maior. A saber: um relacionamento pusilânime com o leitor, fruto de uma competição predatória da indústria de notícias. Indústria e jornalistas estabeleceram como parâmetro de apuração e excelência informativa a competição pelo furo, a qualquer preço ? o mais caro de todos é o de publicar notícias, saiba o leitor, sem apuração. Vou repetir: sem apuração.

Além do mais, essa desmiolada competição só existe na cabeça dos jornalistas e no mundinho das redações, onde se lêem dois, três, quatro, cinco e até meia dúzia de jornais para estabelecer a rasa comparação de furos em quantidade. O leitor está-se nas tintas para isso. Lê um jornal, quando muito. Deseja, isso sim, que o jornal que ele lê chegue com a melhor informação e nada além da tinta da impressão lhe suje as mãos.

O caso Eduardo Jorge só será técnica e dignamente debatido pelos jornalistas se saltar fora dos meandros da embromação. O que eu vi em Brasília, como secretário de redação da Folha de S.Paulo, foi isso: nunca houve apuração de nada. Ninguém me contou, eu vi, eu sei. Aqui vão dois casos exemplares.

1. Eu vi, um dia, quando o caso EJ já estava no ventilador da mídia havia mais de mês, uma curiosa tabela do procurador Luiz Francisco na mão de um jornalista ? um "setorista" de Luiz Francisco. A tabela tinha quatro colunas: a primeira coluna dava título aos casos em que supostamente Eduardo Jorge estaria envolvido; na segunda coluna, uma pequena descrição do caso, coisa de não mais que uma ou duas linhas impressas; na terceira coluna, o nome do veículo de comunicação e do jornalista a quem o procurador entregou o caso ? para ajudar (!) na investigação; na quarta coluna, o que o jornalista havia conseguido investigar, pois supunha-se que a imprensa tinha mais agilidade e liberdade para buscar provas e documentos, e produzir depoimentos.

Lamento informar que a quarta e última coluna da tabela metódica da cruzada do procurador Luiz Francisco contra Eduardo Jorge estava vazia. E continua. Nenhum jornalista conseguira uma mísera informação. Mas todos os jornalistas publicaram, às vezes em matérias de página inteira, as suspeitas descritas em sinopses de pouco mais de duas linhas. E batizaram os casos, na mídia, com o mesmo nome proposto pelo procurador. Assim nasceram o Caso EJ/Casa em Boca Raton, o Caso EJ/Contrato Banco do Brasil, o Caso EJ/uma ou duas dezenas de casos. Os jornais sabiam da fragilidade de tudo, absolutamente tudo. Publicaram tudo sob o argumento de que se eles não dessem, outros dariam. Essa competição é mortal.

2. Nenhum jornalista esquece, também, naquele fatídico agosto de 2000, a famosa e digna manchete do Correio Braziliense, o maior jornal da capital. Ao ter um bombástico caso Eduardo Jorge desmentido de cabo a rabo, o jornal sentenciou: "O Correio errou". Tratava-se de um suposto megacontrato de EJ com o Banco do Brasil. Uma fonte teria soprado tudo ao ouvido do repórter, que não checou nada, mas publicou.

Essa é a versão para o tropeço dada à época, em reportagem sobre a anatomia do erro. Nada disso. Eu sei que ninguém soprou nada. A reportagem foi escrita a partir de uma carta anônima que chegou à redação do Correio ? e a todas as sucursais dos grandes jornais, em Brasília. Como não se tratava de mais um vazamento de um suposto caso a cargo de Luiz Francisco, o que não permitia travestir a reportagem com o chavão "o Ministério Público suspeita que…", todos os jornais se esforçaram para confirmar a carta, tentaram apurar. Nada batia com nada.

O azar do Correio é que um jovem repórter da área de Cultura,estreante na editoria de Política, farejou a impunidade que reinava nas redações. E deu tratamento jornalístico à carta anônima. Se não era verdade, estaria perto. Tudo se ajeitaria no dia seguinte com um pequeno recuo, uma correção aqui e ali… contanto que sobrasse algo de minimamente verossímil. Deu azar, nada batia com nada.

Essas são apenas duas histórias ligeiras de um caso em que Luiz Francisco é a parte menos culpada. Ele acredita, de forma quase doentia, no papel que desempenha. Outras histórias como essas duas, e mais o brutal massacre psicológico e profissional a que foi submetido Eduardo Jorge, que nunca foi minha fonte e com quem conversei pela primeira vez no dia 24 de julho de 2002, você poderá ler na edição de setembro da revista Primeira Leitura.

(*) Jornalista, diretor da sucursal de Brasília do site e da revista Primeira Leitura