Sunday, 28 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Difusão da insegurança

 

Vera Silva (*)

Que o telefone é um meio de se fazer sexo auditivo (ou será acústico?) todos nós já sabemos. Afinal, a TV nos indica este caminho todas as noites em vários canais e em cores. Mas que fosse instrumento de venda do macho como senhor da espécie humana, é novidade.

Você não entendeu nada? Vou explicar já, já.

Há uma empresa aí (dizem que é multinacional) que, para vender impulsos telefônicos, botou três atrizes – modelos universais de mulher que todo homem gostaria de ter na cama – para, com seus lindos peitinhos, venderem o 23.

Um homem bobo – pelo menos parece, com a boca aberta de quem vê aparição de santa ou de fantasma – acompanhado de uma mulher boba – pelo menos parece, com tanto medo de perder o homem de boca aberta – é abordado pelos três exemplares de mulheres-sonho-de-homem para que ele (deve ser o dono do telefone) escolha o nome da empresa ainda anônima.

Ele (coitadinho) fica todo enrolado, com medo da mulher e com o cérebro quente por ver três anjos-de-tesão na frente dele, e não consegue escolher qual dos três nomes ele quer (vai ver que ele se perdeu na fantasia de escolher as três e não os três) e a pobre da empresa vai, por certo, continuar anônima.

Eu já escolhi, fico no 21; por falta de opção e porque acho a Ana Paula Arósio muito mais charmosa.

Mas disse que ia explicar, e vou. A empresa anônima escancarou um problema crônico da mídia – a mídia é machista e não abre. Ela vende comida e penduricalhos para as crianças. Vende penduricalhos, artigos de limpeza e de ginástica para as mulheres. Mas, para homens, vende o poder das telecomunicações.

Este é o poder do futuro, estão aí o Bill Gates e a revista Exame que não me deixam mentir. Nas telecomunicações as mulheres ajudam os homens a ganhar dinheiro: as mulheres são as executivas de ponta, os homens os acionistas majoritários das empresas.

As empresas de telecomunicações sabem disto, por isso vendem os seus números aos machos. A do 21, a do 23 e as outras vendem a idéia que os donos do dinheiro são os homens: eles dão nome às empresas, mandam nelas, determinam as estratégias e precisam que os homens, donos do dinheiro que paga as ligações, gostem do nome da empresa deles.

Mas a anônima do 23 exagerou, ou será que ela pensa que alguma mulher vai discar 23 quando lembrar dos três aviões que querem tomar seu aeroporto de assalto?

Como mulher, estou cansada de ver a mídia usar a mulher como um objeto idiota que corre pela casa arrebanhando roupas sujas para lavar bem lavadas com o sabão preferido de todas, porque tira as manchas mais difíceis. Será que a mídia acha que todos os problemas das mulheres se reduzem a descobrir como tirar manchas das roupas, já que as manchas da vida ninguém pode tirar?

Como mulher, estou cansada de ver a mídia nos dizendo que, depois dos 40, você só é mulher se conseguir parecer que tem 30 anos. Será que a mídia pensa que mulher gosta de ser comparada a sofá, que quando está velho a gente manda estofar, para parecer novo, porque não tem dinheiro para comprar um novo?

Como mulher, estou cansada de ver a mídia nos dizer que o nosso lugar é dentro de casa cuidando dos filhos. Pilotando fogão, como se dizia antes e como se diz naquele comercial do fogão que sorteia automóvel. Toda a vez que vejo aquele comercial não consigo deixar de pensar que enquanto pilotamos o fogão eles querem que a gente se sinta o Rubens Barrichello de saias.

Em resumo: está na hora de a mídia perceber que, no Brasil, um número enorme de famílias é gerida pelas mulheres. São elas que trabalham, sustentam a casa, os filhos e os netos. Os homens foram embora para outro lugar, porque sustentar filho, hoje, é tarefa de mulher. Além de parir, um enorme contingente de mulheres também cria sozinha os filhos. Quando pode, vai à justiça tentar uma esmola do pai, para ajudar nas despesas.

As mulheres estão cansadas de ser tratadas como idiotas que acreditam naquelas propagandas idiotas que a mídia cria para elas. Quem compra supérfluo em supermercado são os homens; as mulheres, segundo várias pesquisas que já li, compram aquilo que querem comprar, assim como escolhem o homem que querem escolher, mesmo aquele bobão de boca aberta que parece que nunca viu uma mulher bonita na vida.

Não adianta me chamar de ressentida: lembre-se de que a atenção, pré-requisito para uma situação de escolha, é uma função perceptiva. Esta função é treinada nas mulheres em oposição à função lógica desde que o machismo existe. Assim, compramos o Omo (o comercial é de graça) porque ele é um bom sabão, que serve para todos os usos de limpeza da casa, e não porque a propaganda diz que ele é o melhor. Aquela outra marca vai ter que rebolar para nos fazer trocar: a atual funciona muito bem, ou a mídia acha que mulher troca de marca (ou seria de homem?) como homem troca de mulher?

(*) Psicóloga