Sunday, 28 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Distorções sem o menor pudor

ÉPOCA

Célia Colen (*)

Antes de mais nada, quero cumprimentar a todos os profissionais envolvidos na iniciativa fundamental deste Observatório em servir como um espelho crítico da imprensa brasileira.

Segue abaixo uma carta de retificação enviada pelo professor Fábio Wanderley Reis à revista Época. Como todas as outras retificações, essa carta teve o destino discreto do "Erramos", colocada com outras cartas dos leitores.


Belo Horizonte, 17 de setembro de 2002

Ao Sr. Paulo Moreira Leite

Diretor de Redação

Revista Época

Sr. Diretor,

Tendo em vista minhas responsabilidades como cidadão e analista, venho solicitar que os leitores de Época sejam informados de que as rombudas declarações a mim atribuídas na página 21 do n? 226 da revista, de 16 de setembro, em que aparentemente fui escolhido para figurar como "crítico" de um eventual governo Lula para atender às conveniências do formato dado à matéria sobre os candidatos à Presidência da República, falseiam inteiramente o teor geral das idéias que procurei transmitir em longa conversa telefônica com seu repórter. Solicito ainda que esta retificação seja publicada com o devido destaque. Com meus agradecimentos, Fábio Wanderley Reis


A questão é:

1. A revista colocou em destaque a declaração fraudada do pesquisador na edição 226. Por que a retificação não aparece no centro da revista na edição 227, que também trata das eleições?

2. Os problemas periféricos de entendimento entre as fontes e os jornalistas podem até ser comuns, no entanto dar destaque a uma declaração distorcendo fundamentalmente o seu conteúdo é um problema de vários níveis:

a. Um desrespeito em relação ao entrevistado que tem sua matéria-prima, as idéias, distorcidas sem pudor.

b. É uma postura que acaba com a ética jornalística: aproveita-se do princípio de autoridade que um pesquisador oferece; coloca-se em destaque uma opinião falsificada com claro objetivo de convencer o leitor; e, por último, não têm a dignidade de retificar o "erro" no centro da revista.

c. Compromete, de gota em gota, a atividade jornalística: toda vez que um jornalista procura um pesquisador para uma entrevista a ameaça de haver uma distorção e até mesmo a fraude das opiniões dificulta cada vez mais o exercício profissional.

d. Uma ameaça à democracia e à livre expressão das opiniões. Num momento crucial da disputa eleitoral, esses "mal-entendidos" podem levar alguns leitores a se convencer de determinadas posições através do falseamento.

3. O Observatório tem tido um papel fundamental na elucidação de outros "probleminhas" como este, vide a questão do direito de resposta dado a Soninha em relação à mesma revista Época.

Até quando esses "modernos" meios de comunicação continuarão a usar o discurso da "ética", da "importância da denúncia", do "quarto poder que a todos vigia", enquanto assumem postura irresponsável e desonesta para fazer propaganda das suas linhas editoriais? Talvez antes das eleições ainda seja possível tratar dessas relações entre os intelectuais, a política e a imprensa.

Este Observatório faria um grande serviço à sociedade brasileira tratando do tema.

(A entrevista dada por Fábio Wanderley Reis ao site de Lula, cujo conteúdo não deixa dúvidas em relação às suas posições, pode ser lida em <http://www.lula.org.br/noticias/not_int.asp?not_cod=197&sis_cod=38>).

(*) Jornalista e cientista política