Tuesday, 15 de October de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1309

Elvira Lobato

PROJETO PIMENTA

"Projeto do governo favorece poder da Globo", copyright Folha de S. Paulo, 8/07/01

"O anteprojeto da nova lei de radiodifusão proposto pelo ministro das Comunicações, Pimenta da Veiga, representa um retrocesso político, afirma o professor Venício Artur de Lima, 56, um dos maiores estudiosos dos meios de comunicação no Brasil.

Na avaliação dele, o projeto estimula a concentração dos meios de comunicação em poder dos grupos que já dominam o setor e aumenta a influência política do ministério. O professor diz que a radiodifusão no Brasil, até agora, passou incólume pela revolução havida nas telecomunicações, mas afirma que a tecnologia tornará inevitável a convergência desses dois setores.

Na avaliação dele, a comunicação no Brasil vive um grande paradoxo: a Rede Globo, que concentra 50% da audiência e 70% do faturamento publicitário na TV aberta, é uma mistura combinada do arcaico e do moderno.

Venício Lima é professor aposentado da UnB (Universidade de Brasília), onde fundou, em 1997, o Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política. Foi assessor da Subcomissão de Ciência e Tecnologia e da Comissão da Família, Educação, Cultura, Esportes, Ciência e Tecnologia e da Comunicação na Assembléia Nacional Constituinte, em 1988.

Atualmente, é professor da Universidade de Caxias do Sul (RS). Publicou dois livros -?Comunicação e Cultura: As Idéias de Paulo Freire? e ?Comunicación y Politica en America Latina: El caso Brasileño?- e está com seu terceiro livro, ?Mídia: Teoria e Política?, em fase de conclusão.

A seguir, as principais trechos da entrevista concedida, por telefone, na noite de quinta-feira:

Folha – O anteprojeto da lei de radiodifusão do ministro Pimenta da Veiga, se aprovado, vai agravar a concentração dos meios de comunicação? Que cenário o senhor divisa para o futuro?

Venício Artur de Lima – Não tenho nenhuma dúvida de que o projeto estimula a concentração. Com as convergências das tecnologias, vai ser muito difícil estabelecer a diferença entre as telecomunicações e a radiodifusão. Não consigo entender como o ministério não vê isso quando propõe uma lei só para a radiodifusão.

Folha – O sr. avalia que essa convergência é benéfica?

Artur de Lima – Não sei se é benéfica, mas sei que é inevitável do ponto de vista tecnológico. Você liga o computador e tem televisão, telefone, rádio. Isso torna muito mais necessário o controle da propriedade cruzada, porque a mesma empresa terá várias alternativas tecnológicas.

Folha – Se a tecnologia será convergente, como impedir que um empresa explore na mesma cidade, TV a cabo, TV aberta, telefonia e internet? Como impedir a concentração nas mãos de poucos grupos?

Artur de Lima – Há várias formas de se fazer isso. Uma delas é o limite percentual de participação no mercado. Os EUA estabeleceram o teto de 35% por grupo empresarial. É possível criar limites para formação de rede. O anteprojeto do Pimenta da Veiga não cria nenhum controle na relação entre as redes de televisão e suas afiliadas, deixando que todos os conflitos sejam acertados entre as partes. Aí, manda o mais forte.

Folha – O projeto deixado pelo ministro Sérgio Motta impedia um mesmo grupo de ter TV aberta, TV a cabo e telefonia fixa na mesma localidade. Além disso, propunha o limite de 30% de participação no mercado de radiodifusão por grupo empresarial. Essas propostas foram excluídas do projeto de Pimenta da Veiga. O que o senhor acha disso?

Artur de Lima – Acho que é uma concessão do governo à estrutura existente. Favorece quem já é dominante no setor.

Folha – Por falar em concentração, a TV Globo tem 50% da audiência e 70% da receita publicitária na TV aberta. É uma situação de quase monopólio.

Artur de Lima – Com certeza.

Folha – Como o senhor vê o poder da TV Globo? É possível reverter essa concentração?

Artur de Lima – Apesar da queda de audiência de alguns programas, o domínio da Globo é ímpar. É um poder muito grande, que, no entanto, abriga a possibilidade de ramificações regionais e locais com as elites, com o coronelismo político. Combina o arcaico e o moderno, numa estrutura que consegue se manter no tempo, apesar do terceiro milênio. Esse é o grande paradoxo da comunicação no Brasil.

Folha – O projeto de Pimenta da Veiga aumenta a influência política nas concessões?

Artur de Lima – Com toda a certeza. É um projeto curioso, com inúmeros artigos que remetem a decisões futuras do ministério.

Folha -Ele aumenta o poder do ministro?

Artur de Lima – Dá um poder muito grande a ele, na medida em que mantém a radiodifusão vinculada ao Ministério das Comunicações. O projeto do ministro Motta era esvaziar o ministério.

Folha – A radiodifusão tem tratamento legal diferente das telecomunicações. A primeira só pode ser explorada por brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos, enquanto a segunda está totalmente aberta ao capital estrangeiro. Parece-me que existe um conflito de interesses entre essas duas partes e, talvez, uma luta pela sobrevivência da radiodifusão.

Artur de Lima – Os grupos poderosos da radiodifusão estão fazendo alianças com grupos internacionais. A Globo se associou à Microsoft na Globocabo e à Telecom Itália na GloboCom.

Folha – O anteprojeto acaba com o limite de propriedade de concessões de TV por acionista (duas por Estado e dez no país) criado em 1967, mas não cria outro para substituí-lo.

Artur de Lima – Acho impressionante que aconteça dessa forma, pois a Constituição proíbe a oligopolização do setor. O artigo 220, parágrafo 5?, diz que os meios de comunicação não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou de oligopólio.

Folha – Então, a Constituição já é desrespeitada.

Artur de Lima – Esse dispositivo, como boa parte do capítulo de comunicação social, nunca foi regulamentado. Mas a norma.

Folha – O decreto 236/67, que fixou os limites de propriedade de rádios e TVs, é inócuo, porque os tetos foram estabelecidos por acionista. Os donos das emissoras passaram a registrar as concessões em nome de parentes.

Artur de Lima – Esse decreto tem de ser entendido sob a perspectiva de um Estado autoritário, que queria manter o controle sobre a radiodifusão para reduzir competidores importantes na formação da opinião pública.

Folha – O objetivo não era impedir a formação de oligopólios?

Artur de Lima – Também. Era uma combinação da ideologia de segurança nacional com a preocupação de evitar a formação de oligopólios. É importante analisar a estrutura do sistema de comunicação no Brasil. A revolução tecnológica, que está acontecendo em vários países, tem repercussões muito particulares aqui. À exceção da privatização das telecomunicações, na primeira gestão de FHC, a estrutura histórica do setor se manteve. Até os personagens são os mesmos, como fantasmas que ressurgem.

Folha – O sr. está se referindo à presença dos políticos na radiodifusão?

Artur de Lima – Exatamente. O sistema de comunicação no Brasil sempre foi controlado por grupos familiares e por elites políticas regionais e locais. Esse esquemão continua forte e ditando as regras do jogo.

Folha – O senhor quer dizer que a radiodifusão passou incólume por todas as transformações havidas nas telecomunicações?

Artur de Lima – Estruturalmente, sim. A única exceção é a consolidação de algumas igrejas nessa estrutura, sobretudo da Igreja Católica, com a Rede Vida, e a Igreja Universal do Reino de Deus, que comprou a Record e a Rede Mulher.

Folha – Isso é um avanço ou um retrocesso? As igrejas estão usando artifícios, como o arrendamento, para assumir o controle de emissoras de rádios em todo o país. Elas não aparecem como proprietárias, mas controlam as emissoras. Em consequência, nem o governo sabe, realmente, quem é dono da radiodifusão no Brasil.

Artur de Lima – Não existe um mapa real dos donos da radiodifusão no país porque não há vontade política, refletida na legislação da área, que conduza à identificação clara dos proprietários. Isso revelaria uma estrutura de poder. É possível comprar uma concessão e repassá-la a terceiros por contrato de gaveta.

Folha – Os deputados reclamam dos leilões de venda de concessões. Dizem que o poder econômico substituiu o poder político.

Artur de Lima – Tem gente querendo que os processos de outorga das concessões deixem de ser submetidos ao Congresso. A aprovação pelo Congresso foi a conquista mais importante da Constituinte nessa área.

Folha – Por falar nisso, a Constituinte foi um grande balcão de negócios. Dezenas de deputados receberam concessões de rádio e TV na ocasião.

Artur de Lima – A grande barganha aconteceu por causa do aumento do mandato do ex-presidente José Sarney (passou de quatro para cinco anos) e da votação do presidencialismo. O envolvimento de parlamentares com o setor é um problema histórico no Brasil e não há legislação que cuide disso."

"Façamos do mau projeto uma boa lei", copyright
O Estado de S. Paulo, 7/07/01

"O anteprojeto de lei de radiodifusão, que está em consulta pública até o próximo dia 22 no site do Ministério das Comunicações, precisa passar por profundas mudanças. Só assim teremos uma lei capaz de democratizar as comunicações. Considero muito oportuno que o leitor participe dessa consulta pública (www.mc.gov.br). Depois de ler este artigo, dê suas sugestões e reflita um pouco mais no que há por trás deste anteprojeto.

A primeira mudança essencial consiste em ampliar o escopo do anteprojeto, para que ele possa transformar-se na futura Lei da Comunicação Eletrônica de Massa, tendo como ponto de partida a última minuta deixada pelo ministro Sérgio Motta. É claro que o texto preliminar de Motta não está completo nem acabado, mas contém grandes linhas que precisam ser seguidas. Mas a partir do aperfeiçoamento dessa minuta, o Brasil estará começando a produzir uma lei realmente moderna, democrática e abrangente, ao englobar todas as formas de comunicação eletrônica de massa. Hoje em dia, não há mais sentido em se legislar separadamente sobre cada segmento, porque as próprias tecnologias convergem. É o caso da confluência das telecomunicações, informática e multimídia.

A segunda mudança essencial consiste em estabelecer no novo texto que ?compete à União, por intermédio da Agência Nacional das Telecomunicações (Anatel), orientar e organizar a exploração e o desenvolvimento de todas as formas de Comunicação Eletrônica de Massa, entre as quas a radiodifusão (rádio e televisão)? etc.

É preciso concentrar todas as funções reguladoras na Anatel para dar-lhe coerência, já que as grandes tecnologias setoriais convergem, na fusão de telecomunicações, informática e multimídia. Esta é, aliás, a grande tendência no mundo moderno. E era o modelo de reestruturação geral do setor idealizado pelo ex-ministro Sérgio Motta. Previa-se até a extinção do Ministério das Comunicações, que seria substituído por um único órgão regulador, a Anatel, não apenas para regulamentar, mas para fiscalizar e outorgar licenças, em nome do governo federal.

Quando completada a reestruturação do setor, a Anatel poderia mudar de nome, passando a chamar-se Agência Nacional de Comunicações (Anacom). É importante lembrar que não se trata de uma questão de nomenclatura, mas de estrutura e de significado. Só um organismo independente do Poder Executivo, sem nenhuma influência político-partidária, pode exercer da forma mais democrática e adequada as funções de agência reguladora das comunicações de massa.

Não é isso que pensa nem quer Pimenta da Veiga, cujo anteprojeto volta a fortalecer o Ministério das Comunicações. Esse retrocesso traz ao País o grave risco de transformar outra vez as concessões em moeda de troca ou de ações entre amigos.

Desde que tomou posse como ministro em 1999, o ministro Pimenta da Veiga vem tentando restaurar o antigo poder político e regulatório do Ministério das Comunicações, provocando até algumas trombadas com as funções da Anatel.

O curioso é que o atual ministro das Comunicações encaminha para consulta pública um anteprojeto que coincide exatamente com as principais reivindicações da Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) e de deputados radiodifusores. Que aspirações são essas? A primeira delas é impedir que a Anatel venha a se tornar o órgão regulamentador das comunicações de massa, em especial da radiodifusão. O presidente da entidade, Paulo Machado de Carvalho Filho, falando no congresso de radiodifusão realizado em junho em São Paulo, deixou claro que os radiodifusores querem continuar nos braços do Ministério das Comunicações e rejeitam a Anatel, entidade que, a seu ver, ?não tem competência jurídica, não entende de radiodifusão e não tem sensibilidade política, especialmente por ser dirigida por engenheiros.?

Para completar a nova estrutura e o processo de democratização setorial, o País precisa contar com o Conselho Nacional de Comunicações (CNC), órgão já criado pelo Congresso Nacional, há anos, mas não instalado. Há interesses de grupos da comunicação eletrônica de massa, que defendem com unhas e dentes o status quo, ou seja, o quadro atual, regido pelo capítulo em vigor do velho Código Brasileiro de Telecomunicações, ou seja, a Lei 4.117, de 1962.

É claro que as funções do CNC precisam ser atualizadas e revistas em alguns pontos básicos para adequá-lo aos objetivos específicos desta lei, dando-lhe, entre outras, a atribuição de opinar sobre a conveniência ou não das novas outorgas e/ou renovação de licenças das emissoras rádio e TV."

    
    
              

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