DOMINGO ILEGAL
Afonso Caramano (*)
Episódios como o do Domingo Legal e o de seu desdobramento em censura prévia suscitam muitas reflexões ? como se pôde constatar na última edição do Observatório da Imprensa. E o que poderia servir para uma ampla discussão sobre a qualidade da televisão brasileira acabou em mais um exemplo de intransigência e verticalidade do Judiciário.
Não se contesta aqui a necessidade da aplicação das penas cabíveis (à emissora, ao apresentador do programa, aos infelizes protagonistas), mas a interpretação que levou à decisão de censura pura e simples. Se há exemplos de sentenças acertadas (como no caso do editor nazista Ellwanger, lembrado por Dines), há outros (e muitos) de veredictos menos felizes, e pior: repetem-se.
Muito se tem questionado a formação do profissional de jornalismo, que mais cedo ou mais tarde deve enfrentar muitos percalços para firmar-se na carreira escolhida ? inclusive, adequando-se ao perfil que a empresa empregadora exija. Afloram questões éticas com as quais o jornalista terá de lidar (e conviver), fazendo suas escolhas ? dessas dependerão seu futuro, sem contar que também serão resultantes de sua formação ética (a que lhe propiciaram a família e a faculdade).
Talvez seja o momento apropriado de também se questionar a formação do profissional de direito, principalmente quanto às exigências para aqueles que optam pela carreira pública. Não é raro encontrar (mesmo entre estudantes) pontos de vista arraigados, rígidos (talvez pela própria rigidez dos códigos), muitas vezes impregnados de preconceitos e idéias obsoletas, ou mesmo limitadores ? como único recurso e caminho imposto pela verticalidade de decisões. Dir-se-ia comum o conceito embasado quase que exclusivamente numa leitura formal dos códigos. Falta, talvez, uma compreensão mais aprofundada das relações sociais permeadas por visão mais humanista ? não que esse seja um defeito exclusivo dessa área, sente-se a mesma carência entre os profissionais da saúde, entre servidores públicos e em muitos outros setores ? vale dizer que os profissionais de comunicação não estão isentos.
Julgamento errôneo
Poder-se-ia questionar também a relação entre a mídia e o Poder Judiciário ? que deve agir com autonomia, independência e imparcialidade, sendo respeitado por suas decisões, mas também inquirido quando necessário, pois é de sua natureza mediar conflitos, servindo à sociedade, e se esta se sente prejudicada por alguma decisão cabe o questionamento. Por esta razão, a relação entre mídia (eletrônica ou impressa) e Poder Judiciário deveria se estabelecer de maneira clara, com respeito e equivalência, sem subserviência ou vicissitudes, a fim de se evitarem deformidades ? nem a mídia servir de juiz (acusando ou condenando arbitrariamente) nem o Judiciário pautar a imprensa (decidindo, previamente, o que pode ser publicado ou exibido).
A relação justa entre os diversos segmentos da sociedade só pode contribuir para a melhoria dos serviços e a garantia dos direitos de cada cidadão ? direito de obter as informações corretas, de atendimento adequado (dos serviços públicos) e de ter uma mídia responsável, com qualidade, principalmente a televisiva (que é uma concessão pública). Cada cidadão deve assumir seu papel: aprendendo a cobrar das autoridades e daqueles que fazem televisão.
Parece errôneo o julgamento daqueles que consideram o povo incapaz de querer uma programação decente, bem como incapaz de uma consideração crítica (apesar do déficit de criticidade e deficiência educacional), necessitando da sempre onisciente intervenção togada. Estas questões merecem especial atenção da sociedade e deveriam servir de oportunidade para reflexões mais aprofundadas e ampla discussão crítica.
(*) Funcionário público e poeta, Jaú, SP
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