Tuesday, 15 de October de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1309

"Escândalo inspira novela, mas realidade supera ficção", copyright O Estado de S. Paulo, 6/05/01

ASPAS

CRISE DO PAINEL
Keila Jimenez

"Escândalo inspira novela, mas realidade supera ficção", copyright O Estado de S. Paulo, 6/05/01

"Uma feliz coincidência do tempo. É assim que Aguinaldo Silva, autor da novela das 8 da Globo, Porto dos Milagres, vê a entrada do personagem Vitório Viana (Lima Duarte) na trama, na mesma semana da acareação no Senado. Inspirado nos recentes escândalos políticos do País, o personagem de Duarte é um senador baiano que se vê encurralado ao ter uma conversa gravada por um adversário político, no caso, Félix Guerreiro (Antônio Fagundes).

Segundo o autor, a participação de Lima Duarte começou a ser escrita há dois meses. Ou na época em que veio à tona a gravação da conversa entre ACM e procuradores da República, que acabou levando à descoberta da violação do painel do Senado. O que Silva não imaginava é que a cena real tivesse o desfecho que está tendo, e muito menos, que a cena da ficção fosse ao ar no ápice da investigação em Brasília.

Ele faz questão de ressaltar que as comparações do personagem com o senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA) não partiram dele, mas admite que o tratamento dispensado ao político Vitório Viana na trama tem tudo a ver com a crise entre os senadores da vida real.

?Estamos muito adiantados na criação dos capítulos. Chegamos a nos inspirar no episódio da gravação das fitas para criar o Vitório Viana, mas não sabíamos que a chegada do personagem ao ar iria coincidir com a acareação?, afirma. ?Foi uma feliz surpresa que deu mais atualidade à novela.?

Ele adianta ainda que outras referências à crise no Senado estão previstas para irem ao ar na próxima semana. ?Assim como na vida real, a fita com a gravação do senador será pisoteada, mas não destruída. Ela será recuperada e servirá como prova contra o político, que se verá metido até o pescoço em irregularidades.?

Silva diz que por enquanto não pensa em inserir uma seqüência de acareação em Porto dos Milagres, mas garante que se a situação no Senado não melhorar nos próximos meses, o assunto pode retornar ao folhetim. ?Espero que em dois meses eu não tenha de voltar a esse assunto. Torço de verdade para isso.?

A participação do personagem de Duarte deve durar mais duas semanas, conforme combinado com o ator no momento de sua escalação. Em entrevista ao Estado no ano passado, por ocasião do cinqüentenário da TV brasileira, ACM disse ser fã de novelas, em especial as das 8. E afirmou que sua predileta ainda era O Bem Amado, de Dias Gomes."

Daniel Piza

"Quem manda no Senado é a ‘e-democracia’", copyright O Estado de S. Paulo, 6/05/01

"Ele pode ser tão perturbador para um político quanto as luzes de TV no rosto ou a manchete acusatória de um grande jornal e pode meter mais medo em senador do que acareação em Conselho de Ética. É o mais novo personagem político do Brasil, como de todo o mundo democrático: o e-mail. A correspondência via Internet ganhou destaque na atual crise do Senado como instrumento de pressão e mobilização da opinião pública, que pede a cassação dos senadores Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA) e José Roberto Arruda (sem partido-DF).

?O e-mail é um extraordinário instrumento de vigília sobre os políticos?, diz o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Rubens Approbato Machado.

?É uma maneira muito eficaz de a população participar diretamente da democracia.? A comprovação está nas incontáveis declarações dos políticos sobre ?milhares de e-mails? que chegam a seus gabinetes, na listagem dos endereços eletrônicos dos senadores pela imprensa e nas ?correntes? que circulam pela Internet juntando nomes contra ou a favor de determinada ação política.

Ao longo das duas últimas semanas, com o escândalo da violação do painel do Senado, diversas dessas correntes apareceram nos computadores. Uma delas é intitulada ?Exercício de cidadania?, do endereço cidadaniabrasil@hotmail.com, e também divulga os e-mails dos senadores para que se cobrem deles as cassações dos dois colegas. Outra, intitulada ?Cassação!? e enviada por planetatela@uol.com.br, reúne nomes e sugere que, a cada cem, eles sejam encaminhados para o endereço do senador Eduardo Suplicy (PT-SP).

E-senador – Suplicy é um dos políticos que mais têm utilizado o recurso do e-mail. A tal ponto que, até há alguns dias, a caixa postal de seu telefone celular transmitia a seguinte mensagem: ?Devo retirar minha pré-candidatura à Presidência da República pelo PT e homologar a de Luiz Inácio Lula da Silva ou devo participar da prévia do partido?

Responda para esuplicy@senado.gov.br? – o que, segundo o senador, o convenceu a manter a pré-candidatura. Foram 1.519 mensagens, das quais 94,9% pediam a participação na prévia.

Suplicy conta também que só na última semana, apesar do feriado de 1.? de maio, recebeu mais de 3 mil mensagens a respeito da crise no Senado.

?Muitas, inclusive, sugerem perguntas e fazem análises, com contribuições muito interessantes.? Em seu gabinete, foi necessário instalar outro computador para dar conta de todos os e-mails que chegam, muitos deles ?exigindo? providências do senador. No máximo 20% conseguem ser respondidos.

Pressão – No gabinete do senador Saturnino Braga (PDT-RJ), sua assessoria também sente literalmente a pressão cidadã: o endereço do relator do Conselho de Ética tem sido um dos mais procurados.

Quase todos os e-mails são favoráveis à cassação; algumas até contêm orações, pedindo proteção para o trabalho dos membros do conselho. Só na quinta-feira passada, dia da acareação, chegaram mais de 1.700 e-mails, segundo a assessoria. Os computadores chegaram a travar; foi quase impossível lê-los e nenhum pôde ser respondido. A média, em épocas mais calmas, é de 200 a 300 e-mails por dia. No gabinete do senador Ramez Tebet (PMDB-MS), presidente do conselho, o estresse e a estatística são semelhantes. Todos os membros do conselho estão sob a sabatina virtual.

Já no gabinete dos companheiros de ACM, como Paulo Souto e Waldeck Ornélas, os e-mails que chegam são contrários à cassação do senador. A média nos últimos dias foi de apenas 300 mensagens, na grande maioria vindas da Bahia.

Na votação virtual, as cassações já parecem aprovadas. A campanha contra ACM até já ganhou sites, como www.foraacm.com.br, que coleta assinaturas contra o senador baiano e ?seu assecla José Roberto Arruda?.

A força da Internet como forma de comunicação e de organização de comunidades tem ampliado a cobrança da opinião pública aos tomadores de decisão na política e em outras áreas. O movimento já ganhou o nome de e-democracia. Segundo as assessorias ouvidas pelo Estado, a maioria dos e-mails chega de São Paulo e do Rio de Janeiro, onde a Internet tem maior número de usuários. Mas já aparecem e-mails de várias partes do País.

Imagine-se como será quando a Internet for também de abrangência democrática, acessível não apenas a 4% dos habitantes. O curioso é que foi a violação de um instrumento eletrônico, o painel do Senado, que deu o primeiro grande cartaz à e-democracia brasileira."

Cynara Menezes

"Artistas baianos evitam atacar cacique", copyright Folha de S. Paulo, 7/05/01

"A lista de adesão ao senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA) não se restringe a Gal Costa, dona Canô Veloso ou a Zélia Gattai. Na verdade, não há artista ou intelectual hoje em Salvador, entre os não-engajados a partidos políticos, que se posicione, ao menos publicamente, contra ele.

Na semana passada, políticos da oposição tentaram fazer uma lista a favor da cassação de ACM que passou pelas mãos de diversas personalidades, cujos nomes não foram revelados. Ninguém assinou. Na ?lista de ACM?, ao contrário, estão praticamente todas as personalidades baianas: desde representantes da ?axé music? como Ivete Sangalo ou Carla Perez e seu namorado Xanddy, até artistas plásticos como Mário Cravo, Carlos Bastos e Calasans Neto, passando por historiadores, escritores, religiosos e empresários.

Caetano Veloso, Gilberto Gil e Daniela Mercury preferiram se omitir, mas até o presidente do Grupo Cultural Olodum, João Jorge Rodrigues, apontado sempre por suas atitudes ?independentes?, assinou o documento. ?É normal que as pessoas sintam medo. A forma de exercício político de ACM levou a isso?, disse Rodrigues à Folha, embora tenha dito que apoiou ACM por sua ?importância? para a política baiana.

Mas revelou seu temor: ?Não há artista na Bahia que não tenha relação com a prefeitura ou com o Estado. Ninguém diz o que vai acontecer com os artistas [que se manifestarem pela cassação? quando ele se voltar aqui para dentro?.

Com o Carnaval, shows nos espaços públicos, exposições e apoio a projetos culturais tutelados pela prefeitura e pelo governo do Estado, ambos dirigidos por políticos ligados a ACM, o vereador pelo PT e escritor Emiliano José chega a falar em ?mecenato corruptor?. ?O chicote numa mão e o dinheiro na outra continuam valendo.?

O poeta José Carlos Capinan, um dos fundadores do tropicalismo e ex-secretário da Cultura do governo de Waldir Pires em 1986, foi um dos poucos a não ter seu nome incluído no documento -nem foi convidado-, mas tampouco faz críticas duras a ACM. ?É impossível buscar apoio a um projeto por meio de um partido de esquerda.?

O senador, é claro, não aceita em hipótese nenhuma que seja o ?medo? a causa de tantas adesões. ?Os artistas me apoiam porque sabem que eu prestigio a cultura. Meus adversários, não?, disse ACM."

Folha de S. Paulo

"Campanha na TV mostra ACM com Lula", copyright Folha de S. Paulo, 7/05/01

"Uma peça publicitária com o objetivo de defender o senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA), ameaçado de ser cassado por seu envolvimento na violação do painel eletrônico do Senado, foi veiculada ontem em rede nacional de televisão. O anúncio, com 30 segundos de duração, foi ao ar na Rede Globo às 20h40 (horário nobre), durante intervalo do ?Fantástico?.

?Como presidente do Congresso Nacional, ACM levantou a bandeira do combate às desigualdades sociais, que resultou na criação do Fundo Para Erradicação da Pobreza. ACM foi o grande defensor do salário mínimo de R$ 180, para melhorar a vida do trabalhador brasileiro?, declara a propaganda.

São mostradas cenas de ACM ao lado do ex-presidente do EUA Bill Clinton e participando de um seminário com o líder petista Luiz Inácio Lula da Silva. A peça publicitária termina com a pergunta: ?A quem interessa calar essa voz??. A campanha foi criada pela agência Propeg, que presta serviços ao governo federal e colaborou na campanha da reeleição do presidente Fernando Henrique Cardoso.

Custo

O custo estimado da campanha, patrocinada pela Federação da Agricultura da Bahia e Confederação do Comércio do Estado, é R$ 400 mil. Na Bahia, outra campanha está sendo veiculada, com alusões à suposta perseguição que ACM estaria sofrendo da mídia do Sudeste."

Carlos Heitor Cony

"Contra o linchamento", copyright Folha de S. Paulo, 7/05/01

"Podem considerar provocação. Mas sempre que vejo muita gente gritando alguma coisa, passo a suspeitar da cólera coletiva.

Foi assim há dois mil anos, quando o povo reunido diante de Pilatos preferiu Barrabás. Não estou comparando ACM e Arruda a Jesus, seria um delírio imbecil de minha parte. Desconfio, isso sim, da unanimidade. Quanto aos dois senadores, já disse aqui e repito: acho que devem renunciar, quanto mais cedo melhor. Renunciar como Collor, diante do inevitável, seria inútil.

Voltando à exaltação nacional. Faz tempo, reuni em minha casa três amigos diletos, por sinal, os três estão mortos: Paulo Francis, Ênio Silveira e Jorge Zahar. Eu voltara de uma viagem e trouxera um disco editado pela Mondadori. ?Dieci anni della nostra vita?, texto de Ennio Biaggi e vozes dos principais personagens dos dez anos citados, de 1935 a 1945, com músicas da época.

Havia vozes de Marconi, Churchill, Stalin, Mussolini, Hitler, Pio 11, Pirandello, Roosevelt, Vittorio de Sicca, Bernard Shaw, Einstein etc. Tenho o disco, meio avariado, até hoje.

Por acaso ou não, ouve-se a voz alquebrada do papa, na praça de São Pedro, condenando o comunismo – e o povo gritando de exaltação. Ouve-se Hitler vociferando contra o capitalismo judeu – e o povo de Nuremberg gritando de exaltação. Mussolini declara guerra à França e à Grã-Bretanha, na Piazza Venezia, e o povo grita, louvando o ?duce?.

Foi então que Paulo Francis, dentro daquele peculiar e gostoso espírito de porco, comentou: ?O povo é o vilão da história!?. Começou a briga. Ênio, Jorge e eu refutamos com veemência o comentário do Francis.

Afirmar uma coisa não é negar outra. Suspeito da atual cólera contra os senadores Arruda e ACM. Acho que eles deviam renunciar já. Mas desconfio dos que chutam cachorros atropelados."

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