Tuesday, 15 de October de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1309

Estrela Serrano

A VOZ DOS OUVIDORES


DIARIO DE NOTÍCIAS

"O valor do título", copyright Diário de Notícias, de Lisboa, Portugal, 9/4/01

"Titular é uma das operações mais difíceis e complexas do processo de produção de um texto jornalístico: implica dar o máximo de informação num espaço limitado, o que significa condensar, em termos rigorosos, os dados disponíveis. O título é o lugar privilegiado do acontecimento. É também o primeiro indicador do ?valor? duma informação, o qual não provém apenas da originalidade do seu conteúdo, mas, sobretudo, do facto de o jornal o reter como informação. No título, o jornal indica duas coisas: informa sobre um assunto e mostra que informa. O título principal da primeira página – a manchete – é o mais importante e o mais sensível dos títulos do jornal e, por isso, um dos motivos mais fortes de adesão ou rejeição do leitor relativamente a uma determinada edição do jornal.

A primeira queixa apresentada à provedora vem do leitor Alberto Arons de Carvalho e incide sobre o título principal da edição do passado dia 12 de Março, relativo à tragédia da ponte de Entre-os-Rios. O título dizia: ?Operações de busca foram mal conduzidas?. O título baseia-se em ?declarações ao DN? proferidas por ?Luís Wren Viana, doutorado pela Universidade de Londres em estruturas moleculares de metais pesados?. Nessas declarações, Luís Viana afirma ser ?impossível? ?as viaturas desaparecidas encontrarem-se debaixo da ponte? e acrescenta que ?as operações deveriam ser deslocadas para cerca de sete ou oito quilómetros a jusante da ponte?. Em sua opinião, ?estão a desperdiçar tempo e dinheiro ali?, uma vez que ?24 horas depois do acidente o autocarro já estaria a um mínimo de três quilómetros da ponte?.

O jornal assumiu ?como sua a opinião de um alegado especialista?, afirma Arons de Carvalho. ?Afinal?, continua o leitor, ?ao contrário do parecer deste especialista e do categórico título do jornal, as operações de busca estavam a ser bem conduzidas e tiveram resultado positivo?. ?O jornal não assumiu o erro?, acusa ainda Arons de Carvalho. ?Quem quisesse encontrar no jornal um justificadíssimo üMO4ýmea culpaüMO0ý teria de procurar nas entrelinhas do editorial do dia 21 uma frase demasiado ambígua em que, com uma muito benévola interpretação, se pode ler algo que pode significar o reconhecimento do erro?, acrescenta o leitor.

No editorial a que se refere Arons de Carvalho, intitulado ?Os limites de uma tragédia?, o director do DN alude ao ?valor simbólico da retirada do autocarro das profundezas do Douro? e refere ?a persistência e a capacidade técnica e científica necessárias para conseguir aquilo em que muitos já não acreditavam?. Noutro passo, o director do DN reconhece que ?a palavra impressa se tem distinguido sobretudo pela amargura, pela crítica contundente e pela desilusão? e deixa ?por contraponto, um registo de satisfação e agradecimento? aos homens ?que nunca desistiram (…) procurando passar uma mensagem de convicção sobre o êxito das buscas?. O editorial termina com um ?Tinham razão. Ainda bem.?. A solicitação da provedora, o director do jornal, Mário Bettencourt Resendes, reconhece ?existir na matéria em causa um procedimento criticável por parte do DN?, acrescentando que ?o título em questão permite, de facto, ilações indevidas sobre a opinião do jornal?.

A carta do leitor Arons de Carvalho coloca algumas importantes questões: em primeiro lugar, o uso, nos títulos, de expressões baseadas não em factos, mas em presunções ou inferências; em segundo lugar, o não reconhecimento, de uma maneira clara e objectiva, do erro e da injustiça cometidos relativamente às pessoas individuais ou colectivas implicitamente acusadas no título, e ainda a ausência de sensibilidade perante os possíveis efeitos sobre as famílias das vítimas da tragédia, causados pela afirmação categórica de que as operações de busca estavam a ser ?mal conduzidas?.

Sobre esta última questão, escreve Arons de Carvalho: ?Um jornal de grande tiragem, com a credibilidade do DN, ao divulgar aquela crítica, com o relevo e nos termos categóricos que usou, provocou intranquilidade acrescida entre as famílias das vítimas, lançando uma grave suspeição em relação ao trabalho competente e esforçado desenvolvido pelas equipas de salvamento.?

Arons de Carvalho termina a sua carta manifestando-se chocado por, segundo escreve, ?o mesmo jornal que é capaz de ser tão duro nas suas apreciações em relação aos outros não seja depois minimamente capaz de aplicar a si próprio a severidade com que aprecia os actos dos outros?.

O Código Deontológico do Jornalista refere que ?os factos devem ser comprovados, ouvindo as partes com interesses atendíveis no caso? e que o jornalista deve ?considerar a acusação sem provas? como ?grave falta profissional?. O código refere também que ?o jornalista deve promover a pronta rectificação das informações que se revelem inexactas ou falsas?.

Parece claro que, no caso assinalado pelo leitor Arons de Carvalho, o DN assimilou o discurso da sua fonte – o doutorado Luís Viana – veiculando um ponto de vista não suportado em factos nem contrastado com outros. Por outro lado, não procedeu à rectificação do erro quando o autocarro foi localizado e se verificou que afinal não tinha razão.

A referência feita pelo director no editorial do dia 21 não pode, com efeito, ser considerada como o reconhecimento do erro.

NOTAS

Correio – Na primeira semana de exercício de funções, a provedora recebeu muitas mensagens de leitores a pronunciarem-se sobre vários assuntos.

Cipriano Martinho Sobreda escreveu a protestar contra o facto de a carta que dirigiu ao DN em 14 de Março p. p. não ter sido publicada ?até hoje? (3 de Abril, data da sua carta à provedora) na rubrica Meu Caro DN por, segundo afirma, ?o seu conteúdo ir contra os interesses instalados internamente no jornal?.

A carta do leitor refere-se a um artigo de opinião da autoria do colaborador do DN Vasco Graça Moura (VGM) publicado em 14 de Março último e intitulado ?Já?. Segundo o leitor, VGM identifica ?responsáveis? sem se apurarem as causas da queda da ponte. O leitor manifesta-se indignado ?não só quanto aos termos do texto inicial?, mas ainda mais ?com as respostas de VGM, achincalhando os leitores que o criticaram pelo teor da sua crónica?.

A provedora regista a opinião expressa pelo leitor sobre outros aspectos do conteúdo do DN, propondo-se abordá-los numa das suas colunas. Contudo, a rubrica Meu Caro DN e as colunas de opinião escapam à sua apreciação, não lhe competindo discutir os critérios de publicação das cartas dos leitores nessa rubrica nem as ideias expressas em colunas de opinião. Outras mensagens enviadas à provedora escapam também à sua competência, pelo que foram encaminhadas para a direcção do jornal.

Estão neste caso as mensagens dos leitores Paulo de Oliveira, Lourenço Bray, Faustino Cordeiro e Jorge Barbosa.

Nos termos do seu estatuto, ao provedor compete analisar as reclamações, dúvidas e sugestões dos leitores que incidam sobre o ?conteúdo jornalístico? do jornal.

As mensagens dos leitores Maria João Sande Lemos, Mário Ribeiro Pinto, J. L. Lopes Reis, Botelho Ribeiro, Maria da Conceição Falcão, Carlos Alberto Simões Alves e Pedro Pimenta serão analisadas em próximas colunas.

A pensar nos leitores ? A convenção anual da Organization of News Ombudsman (ONO), organismo que reúne os provedores dos leitores da Europa, EUA e América Latina, e que se reúne este mês em Paris, vai debater, a par de questões relacionadas com o papel dos provedores num contexto de mudança do mundo dos media, temas como o poder das imagens, a cobertura jornalística de situações de guerra e a evolução da linguagem dos media. A escolha é significativa e mostra a existência de uma preocupação geral sobre questões que afectam hoje os media e o jornalismo, apertados entre as exigências de um mercado cada vez mais competitivo e os valores éticos e deontológicos da profissão.

O anfitrião da convenção é o provedor da redacção do canal de televisão France 2, Didier Epelbaum, que participou no ano passado num debate na Arrábida sobre provedores de rádio e de televisão.

A sua comunicação na Arrábida teve um título significativo: ?A cólera do telespectador?."

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