DIÁRIO DE NOTÍCIAS
"Os dois lados da questão", copyright Diário de Notícias, 6/5/02
"O DN publicou, no passado dia 11 de Março, na secção Sociedade, um trabalho da autoria da jornalista Ana Leiria, da agência Lusa, sobre o Projecto Inovar, da responsabilidade do Ministério da Administração Interna (MAI), destinado à formação de agentes da GNR e PSP para apoio às vítimas da violência doméstica. O trabalho constava de duas peças, tendo a principal como título Apoio à vítima sem apoio e subtítulo Salas de atendimento nas esquadras, reforço e formação de agentes são algumas das medidas nunca postas em causa. No destaque, dizia-se: ?Não existe formação específica dos polícias, nem espaços físicos para atender as vítimas da violência doméstica. Na peça eram ouvidos um representante da GNR e dois da PSP, que apontavam a insuficiência de meios logísticos nas esquadras e a ausência de ?formação específica? para ?atender as vítimas?.?
No segundo texto, o título reproduzia declarações da responsável do projecto – “Difícil tirar os polícias das suas funções diárias” – Teresa Rosmaninho, do Projecto Inovar, lamenta não haver mais mulheres na GNR e uma ?comunicação eficaz? com a vítima (subtítulo). No texto, aquela responsável informava que ?foram criadas, ao todo, 116 salas de atendimento à vítima? e referia-se às melhorias no serviço de atendimento, apresentando dados sobre as acções de sensibilização levadas a cabo nas escolas da GNR e da PSP.
O trabalho incluía, ainda, duas fotografias, a segunda das quais possuía como legenda: ?Inovar. A formação dos agentes tem-se resumido a meia dúzia de alertas?.
Teresa Rosmaninho protestou, a dois níveis, contra o trabalho publicado pelo DN: por um lado solicitou a publicação de uma carta ao abrigo do direito de resposta (publicada em 23 de Março), na qual comentava as declarações dos agentes da GNR e da PSP. Por outro, escreveu à provedora, queixando-se de ?falta de rigor no uso generalizado da expressão ?os próprios agentes?, quando eram apenas três, frases retiradas do contexto, ?manipulação do subtítulo? do segundo texto, além de deturpaç&atatilde;o ?do espírito e da letra das suas declarações? na legenda da segunda fotografia.
A responsável do projecto refere que no contexto em que são apresentadas, as suas declarações surgem como ?uma mera tentativa de defesa de acusações?, quando nem sequer foi informada de que as suas declarações seriam colocadas em contraponto com outras de agentes da GNR e PSP. Teresa Rosmaninho conclui que existiu ?uma tentativa de credibilizar as declarações dos três agentes (…) em claro desfavor? das suas.
As questões colocadas por Teresa Rosmaninho são de vária ordem:
Em primeiro lugar, o facto de o trabalho em questão ser da autoria de uma jornalista exterior ao DN não desresponsabiliza o jornal relativamente ao seu conteúdo.
Em segundo lugar, o DN imprimiu a esse texto um determinado enquadramento – patente nas escolhas retóricas e estilísticas usadas nos títulos, subtítulos, destaques, fotografias e legendas – seleccionando e salientando alguns aspectos do seu conteúdo e promovendo, através deles, uma determinada definição do tema. Essa definição valorizou, claramente, as críticas dos agentes da GNR e da PSP ao Projecto Inovar, desvalorizando as posições da sua responsável.
Em terceiro lugar, é normal que a jornalista, autora dos textos, tenha confrontado as declarações da responsável do projecto com posições de outras fontes, neste caso os agentes da GNR e da PSP. O contrário, isto é, a publicação das informações fornecidas por Teresa Rosmaninho sem auscultação de outras vozes, significaria desrespeito pelo dever de contrastação das fontes e funcionaria como um acto de promoção do projecto, função que não é do domínio do jornalismo, mas das relações públicas. Além disso, a audição dos ?dois lados? pretendia ser a prova do distanciamento e da ?objectividade? do trabalho realizado.
Em quarto lugar, não surpreende – embora possa ser questionado – que o DN tenha privilegiado as declarações dos agentes da GNR e da PSP, e não as da responsável do projecto, dado ser nelas que se encontravam alguns dos ?valores? que influenciam as escolhas jornalísticas, como sejam a ?falha? (do projecto) e o ?conflito? (com os seus responsáveis: o MAI e Teresa Rosmaninho).
Na opinião da provedora, o tratamento jornalístico conferido ao tema é redutor.
De facto, a audição de vozes contraditórias, sobretudo quando são apresentadas num enquadramento de conflito entre pessoas não só não constitui, por si só, uma prova de ?objectividade?, como deixa os leitores confusos, na medida em que não lhes fornece instrumentos que permitam resolver a diferença entre os dois lados e saber quem tem razão. Na maior parte das vezes, constitui, apenas, uma maneira de os jornalistas se sentirem dispensados de aprofundar os problemas. Aliás, no caso em presença, não foram fornecidas informações adicionais que permitissem aos leitores avaliar a justeza das declarações de cada parte.
Por outro lado, não se afigura correcto que a responsável do projecto (e, eventualmente os agentes) não tenham sido informados do contexto em que as suas declarações seriam publicadas.
De facto, trata-se de um princípio de lealdade que deve ser preservado na relação dos jornalistas com as suas fontes. Mas a prudência recomenda que ao falar com um jornalista uma fonte se informe sobre o destino que será dado às suas declarações.
Bloco-notas
Leitores ? De entre os leitores que se dirigem à provedora com comentários e críticas ao conteúdo do jornal, é possível identificar quatro grupos que se distinguem pelas preocupações que manifestam. O primeiro escreve essencialmente sobre questões de natureza ética e deontológica que considera não terem sido respeitadas, ou sobre as relações do jornalismo com a sociedade. O segundo apresenta-se mais atento a erros no uso do português ou a incorrecções de natureza técnica, imprecisões, etc. O terceiro escreve a propósito de questões ligadas à edição digital do DN ou às promoções comerciais. Finalmente, o quarto envia textos para publicação ou pede informações sobre os mais variados assuntos. Estes dois últimos são os que mais escrevem. Os assuntos que focam são, contudo, os que mais escapam ao âmbito das funções da provedora. Vejamos alguma correspondência sobre alegadas incorrecções:
Economia ? As notícias sobre economia são, em geral, oriundas de leitores com conhecimentos na área que, em geral, possuem uma visão muito crítica da abordagem jornalística, acusando os jornalistas de não os conhecerem suficientemente e de os tratarem superficialmente. O mesmo acontece, aliás, com a cobertura de temas científicos, por definição uma área de muito difícil abordagem nos limites espaciais e temporais em que se processa o trabalho jornalístico. Vejamos alguns exemplos do campo da economia: Nuno Namora escreve a propósito de um estudo da CGD, citado no DN (25 de Janeiro), em que se dizia que ?os estabelecimentos do grupo Sonae são os mais baratos do mercado?. O leitor não encontrou no site da CGD ?qualquer referência a tal estudo? mas, baseado apenas na notícia do DN, aponta algumas questões: ?O estudo foi efectuado em 35 estabelecimentos, quando o mercado é composto por mais de 20 mil.? A notícia não diz ?quais as insígnias dos estabelecimentos estudados?. O estudo da CGD ?está seis meses desactualizado?. Contudo, o DN responde ter-se baseado num ?estudo oficial?.
?Segredos? ? Outro leitor, Saul Martins dos Santos, economista e técnico bancário, escreve a propósito de uma notícia com o título Proprietários pagam mais IRS (15 de Março), onde se afirma que a contribuição autárquica ?passa a ser englobada no rendimento colectável sujeito a IRS e aumenta em milhões de euros o valor a pagar?. A notícia cita ?um revoltado grupo de contribuintes proprietários?, que acusa a ?máquina tributária? de ?segredo bem guardado? e ?truque fiscal?. O leitor considera que a notícia alarma ?os possuidores de casa própria? e refere que ?em matéria fiscal não há segredos guardados (…), porque a aprovação de impostos e suas alterações é da exclusiva competência da AR, sendo tais decisões publicadas no Diário da Republica?. O leitor afirma, também, que ?no ano fiscal de 2001 a contribuição autárquica era abatível (e não englobável) ao rendimento da categoria F, juntando-se às despesas de manutenção e conservação?."