DIÁRIO DE NOTÍCIAS
"A gralha", copyright Diário de Notícias, 13/5/02
"O título de capa do DN de 22 de Abril passado ? ?Secretário-geral do PCP pode mudar em Junho? ? provocou uma viva reacção do PCP e do leitor Sérgio Silva. A notícia, assinada pelo jornalista Pedro Correia, baseava-se na manchete do Avante!, de 18 de Abril, que dizia Reunião do Comité Central marcada para 22 de Junho e abaixo, em letras gordas, Conferência Nacional. Partindo dessa informação, e apesar de uma fonte do PCP (não identificada) ter dito que se tratava de uma ?gralha?, Pedro Correia elaborou um texto onde desenvolvia o seguinte raciocínio: uma vez que o dia 22 de Junho é o dia da Convenção Nacional do PCP, o facto de o Avante! anunciar que nesse mesmo dia se realiza uma reunião do Comité Central constitui um ?sério indício de mudança? na cúpula do PCP, ?precisamente, a substituição de Carlos Carvalhas por Jerónimo de Sousa?.
A convicção do jornalista baseou-se, fundamentalmente, na circunstância de essa solução ser desejada por ?sectores ortodoxos descontentes com a excessiva ?brandura? de Carvalhas em relação aos renovadores? e de existir um precedente de uma reunião extraordinária do Comité Central, em 1990, ?reunido de emergência (…) para designar Carvalhas como ?candidato a Belém??. Embora da agenda oficial do partido não conste qualquer reunião do Comité Central no dia 22, a manchete do Avante! gera ?expectativas em torno da conferência que poderá, afinal, servir para aclamar Jerónimo de Sousa como novo líder do PCP?.
No dia seguinte (23/4), o DN retoma a hipótese de ?substituição de Carvalhas?, citando críticas de um membro do PCP a Jerónimo de Sousa, num jornal regional. Nesse texto é também mencionado um comunicado do PCP, no qual se lamenta que o DN ?não tenha querido entender que a manchete do Avante! pretendia dizer Reunião do Comité Central marca para 22 de Junho Conferência Nacional. Trata-se, segundo o PCP, de ?duas letras a mais? na palavra ?marcada?, sendo ?especulação grosseira? a possibilidade de Jerónimo de Sousa substituir Carvalhas.
Mas o DN manteve a argumentação usada no dia anterior, citando ?recentes reuniões de militantes? em Lisboa e no Porto, nas quais foram ?feitas críticas frontais ao secretário-geral?.
Vítor Dias, do Gabinete de Imprensa do PCP, dirigiu-se à provedora, contestando, nomeadamente, o facto de o jornalista não ter ouvido o partido numa matéria de ?tão grande sensibilidade e impacte? como ?a marcação de uma reunião do Comité Central? e ter preferido citar uma fonte não identificada, ?retirando com isso autoridade? à informação de que se tratava de uma gralha. Lamenta, também, o facto de o ?esclarecimento do PCP? ter sido publicado ?no meio de uma nova peça de desenvolvimento da mesma especulação? e não de uma maneira autónoma.
Ouvido sobre estas críticas, o jornalista Pedro Correia recusa ?entrar em polémica com o PCP?, afirmando, contudo, que o Gabinete de Imprensa ?tem pouca ou nenhuma autoridade para se queixar (…), porque esconde o que mais lhe interessa e escamoteia o que mais lhe convém?. O jornalista invoca exemplos do ?secretismo? praticado pelo PCP, que, em sua opinião, ?geram todo o tipo de suspeições? e explicam que a ?gralha? do Avante! ?tenha sido entendida em largos círculos comunistas como mensagem cifrada da cúpula do partido?. Foi isso que o DN ?pôs em evidência?, afirma o jornalista, tanto mais que ?só na sequência da notícia do DN? o PCP esclareceu o caso, além de na edição seguinte do Avante! não ter surgido referência, quer à ?gralha?, quer ao comunicado do Gabinete de Imprensa?. Além disso, ?a presumível substituição de Carvalhas é um assunto que está na praça pública, como provam vários artigos de jornais onde o caso é tratado?, afirma o jornalista.
Analisando o texto de Pedro Correia, verifica-se que o jornalista não atribuiu credibilidade às fontes que lhe afirmaram tratar-se de uma gralha: a fonte não identificada e o Gabinete de Imprensa do PCP. A sua experiência de acompanhamento jornalístico desse partido, contactos regulares com ?diversos militantes comunistas?, declarações recentes do secretário-geral e outras declarações públicas proferidas por militantes, aliados ao facto de o Avante! ser um jornal ?extremamente bem revisto? ? tornando improvável que uma gralha dessa dimensão passasse despercebida ? bastaram-lhe para concluir que ?quando uma gralha desta dimensão lá poisa, torna-se um facto político?. Com base nesses pressupostos, construiu uma teoria sobre a substituição do secretário-geral. Segundo essa teoria, a marcação de uma reunião do Comité Central no mesmo dia da Conferência Nacional, anunciada na manchete do Avante!, pode destinar-se a substituir Carvalhas. A ?gralha tipográfica? ? versão oficial do PCP ? não é, afinal, senão uma ?mensagem cifrada? da cúpula do partido.
É legítimo que o jornalista procure ir além da versão oficial dos acontecimentos, analisando e interpretando as palavras ditas e as não ditas. Também é normal que uma gralha desta dimensão na manchete do órgão oficial do PCP ? para mais num momento de grande mediatização da vida interna do partido ? tenha atraído a sua atenção. Contudo, faltam, no seu texto, factos que suportem as conclusões a que chega e as afirmações que faz. Na manchete de um jornal de referência o leitor espera encontrar algo mais consistente que uma notícia construída apenas com base em presunções."