Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Faltou o dever de casa

DIRET?RIO ACAD?MICO

ESTÁCIO DE SÁ

Raphael Perret Leal

A Universidade Estácio de Sá conta hoje com uma comunidade acadêmica formada por 35 mil pessoas, entre alunos, professores e funcionários. Divide-se em 17 campi na cidade do Rio de Janeiro e 5 no interior do estado. É um patrimônio mais do que considerável, levando-se em conta que a instituição foi fundada em 1970.

No dia 15 de abril, domingo de Páscoa, 54 candidatos a uma prova do magistério se feriram no desabamento de uma passarela no novíssimo campus da Barra da Tijuca. Por sorte, a altura não era tanta, e não houve fatalidades.

Seria uma tragédia anunciada? Não exatamente. Porém, uma ação mais eficaz e inteligente dos veículos jornalísticos poderia influenciar no ocorrido.

Não entremos no mérito da qualidade do ensino. O MEC, pelo Provão, já faz sua parte. Mas nada impede que a imprensa de vez em quando se motive a visitar as universidades e verificar suas instalações físicas. Ainda mais de instituições de ensino que visam o lucro, e que se expandem mais rápido do que mofo em armário.

O site no. <www.no.com.br> levantou a bola. Em 16 de fevereiro denunciou que a Estácio estava construindo um campus próximo à Rocinha, mesmo após embargo da Secretaria Municipal de Urbanismo. Segundo o site, os acessos eram estreitos e a "filial" ? termo utilizado por Hildegard Angel, colunista do Globo ? estava sendo construída na Gávea, bairro já saturado pelo trânsito pesado.


Tímida investigação

Problema constatado também no campus Méier. A universidade utiliza as instalações de um colégio que sempre existiu no bairro, ergueu um novo prédio ao lado e gerou um caos nas ruas próximas. Seja para os estudantes motorizados, numa epopéia em busca de vaga (não há estacionamento), seja para os incautos que nenhum laço têm com a faculdade, que precisam aguardar minutos a mais em engarrafamentos. No campus Rebouças, onde tudo começou, existe um verdadeiro shopping, mas não há estacionamento.

O campus Centro também é um acinte. As salas foram montadas em prédio antigo na Avenida Presidente Vargas. Há apenas três elevadores, e as filas no início da noite ocupam toda a calçada. As escadas são estreitíssimas, e não há opção numa emergência.

Como sempre, alguns desses fatos foram descobertos após o acidente na Páscoa (outros foram vivenciados pelo signatário). E o noticiário foi reforçado pela divulgação do resultado da vistoria feita nos 17 campi da cidade pela Secretaria de Urbanismo, no dia 25 de abril: apenas uma unidade não apresenta irregularidades. As outras ganham acréscimos sem autorização prévia da Prefeitura ou simplesmente não têm licença para funcionar como estabelecimento de ensino superior.

Em suma: precisou ocorrer uma tragédia para a imprensa se mobilizar e fazer uma ? tímida, diga-se de passagem ? investigação. Tudo porque ninguém pensou em passear pela cidade e visitar as instalações dos prédios que vão sendo construídos sem parar. Isso quando não são aproveitados edifícios sem a menor condição de hospedar uma universidade, simplesmente porque não foram projetados para receber tanta gente.


Função esquecida

No caso da Estácio, é bom lembrar que O Globo costuma dedicar bom número de suas páginas, às vezes inteiras, a anúncios da universidade. Foi por acaso que a matéria sobre o relatório da Secretaria de Urbanismo tenha sido bem menor que a do Jornal do Brasil?

Não se trata, aliás, de perseguição contra a Estácio. No Centro de Ciências Matemáticas e da Natureza, no campus da Ilha do Fundão da Universidade Federal do Rio de Janeiro, os banheiros não têm papel, marimbondos fazem ninho em buracos no chão das salas que, quando chove, ficam alagadas. Na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, ventiladores não funcionam, e à noite os corredores ficam escuros e desertos, com pouca segurança. Lá, já houve denúncias de tentativas de estupro.

A justificativa do secretário Alfredo Sirkis em não ter investigado antes, o baixo número de fiscais, não se aplica à mídia. Se há poucos repórteres, é um desperdício vê-los cobrindo ou redigindo matérias de menor importância. Investigar os espaços físicos das universidades e denunciar irregularidades seria um serviço muitíssimo bem prestado ao cidadão, o que é, não nos esqueçamos, a função primordial do jornalismo. Tivesse sido tal serviço realizado antes, teríamos evitado, quem sabe, a construção desenfreada e irregular de novas unidades, engarrafamentos causados por falta de planejamento e, quem sabe, a insólita tragédia da Páscoa.

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