Saturday, 27 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Fernando Martins

JORNAL DE NOTÍCIAS

"Renovação do JN não o fez perder a sua identidade ", copyright Jornal de Notícias, 16/2/02

"?Só o mais sábio e o mais estúpido entre os homens nunca mudam? Confúcio

Tem, por diversas vezes, o Provedor sido confrontado com o tema das mudanças verificadas no ?Jornal de Notícias? ? e sempre pela voz dos que se sentem perdedores em relação a um JN mais próximo, mais regionalista (leia-se nortenho e, acima de tudo, portuense), com uma identidade forte, feita de diferenças que ditaram uma preferência clara e perfeitamente quantificável. É um assunto recorrente, com picos de interpelação com causas não identificadas, até agora só abordado ao nível dos círculos restritos que, ocasionalmente, integravam o jornalista que, entre tantas outras funções desempenhadas no jornal há quase 40 anos, é, há dois anos, o Provedor dos Leitores.

São conversas compreensivelmente inconclusas, até porque, neste como noutros casos, quem pede opinião fà-lo na esperança de ver ratificadas as suas ideias, os seus conceitos.

Uma ou outra vez o tema foi aflorado nesta página _ com a ligeireza que, naturalmente, as insinuações sugerem. Hoje é tema de corpo inteiro, porque suscitado como tal, institucionalmente e por escrito, ao Provedor. Surge sob a forma de um ?desafio?. Com a virtude da frontalidade, mas com o défice da sustentação em exemplos claros.

João G. Pereira, do Porto, coincidiu com o jornalista, há já alguns dias, numa reunião cívica, no final da qual se reacenderam, sob a forma de diálogo, críticas e lamentos por aquilo que alguns classificavam como uma ?adulteração seguidista? do JN. Foi uma conversa em que a presença de alguns amigos era, à partida, garantia de saudável troca de opiniões. Mas que não satisfez João G. Pereira, que não identifico entre os presentes nesse círculo. O que fez com que, dias depois, se dirigisse por correio electrónico, já não ao jornalista participante na conversa de circunstância, mas ao Provedor, desafiando-o a uma resposta pública, nesta página. O leitor do Porto justifica a sua interpelação:

?Penso que o Provedor é uma espécie de zelador do jornal, ao nível da qualidade, da ética e das relações com os leitores. E, assim sendo, tem o dever de considerar algumas das críticas que foram dirigidas ao novo figurino do jornal e à sua postura com o seu público, algumas das quais partilho com veemência?.

João G. Pereira decidiu fazer uma síntese das questões então levantadas, transformando-a em interpelação ao Provedor. É ela do seguinte teor:

?1. O jornal descaracterizou-se, deixou de ser o nosso Notícias para ser uma cópia escandalosa do Notícias de Lisboa.

?2. O nosso Notícias talvez fosse tido por muitos como um tanto provinciano, com um pendor nortenho, mas era direitinho, orgulhoso da sua casa e da sua família e não descaracterizado, seguidista, correndo, com o fato esfarrapado pelos erros, atrás de um elitismo balofo.

?3. Antes, líamos o nosso jornal e como que sentíamos que contávamos com ele, que nos defendia, enquanto que hoje o vemos amorfo, sem instilar confiança.

?4. Gostávamos dos colaboradores do nosso jornal, gente que pensava mais próximo de nós, e vemo-los trocados por gente que nada nos diz, conhecida, mediática mas sem a qualidade dos anteriores.?

A Direcção escusou-se a uma opinião sobre o assunto, uma vez que não pretende utilizar como argumento os números das tiragens, das vendas e da circulação.

Porém, o Conselho de Redacção, a que preside o director JN, emitiu o seguinte parecer:

?1. Ao longo da sua extensa e rica história, o JN passou por vários processos de metamorfose, procurando adaptar-se a novos desafios ou propondo ele próprio novas etapas, procurando transpor algumas fronteiras que a sua história parecia impor, sem renunciar ao direito de uma identidade própria.

?2. Todos os órgãos de comunicação social atravessam um novo período de intensas alterações que põem à prova a capacidade de quem os realiza de obter novos públicos sem perder a relação de fidelidade com os seus leitores de longa data.

?3. A identificação do JN com os problemas concretos das pessoas e das organizações sociais representa um património indeclinável que os seus jornalistas procuram honrar, buscando a notícia das soluções diversas que a vários níveis de desenham e procurando assegurar que os anseios dos leitores sejam sempre mais importantes do que as tendências do mercado e as disputas de audiências, vocação que não se tem perdido.

?4. As opções em matéria de colaborações externas, que não são vitalícias e são da competência da Direcção do jornal, estão relacionadas com as opções em matéria de resposta ao mercado, por um lado, e com a forma como o jornal entende, em cada época, dever dar voz à diversidade de opiniões, por outro.?

De facto, a concorrência a nível dos ?media? e muitos outros desafios (entre eles a perda dos hábitos de leitura) vêm obrigando os jornais a uma competição permanente e já histórica. Começou com o aparecimento da Rádio, agravou-se quando a Televisão acrescentou a imagem à informação instantânea. Como alertava um ex-director do ?France Soir?, se antes, sempre que havia um grande acontecimento, as pessoas corriam à rua para comprar o jornal, com o nascimento da Televisão, as pessoas refugiavam-se em casa para ver e ouvir as notícias.

Daí o aparecimento de investigadores que, nas academias e nas redacções, se preocuparam em traçar o futuro dos jornais, com duas correntes dominantes: a dos que defendem um jornal próximo da TV, com a mesma ligeireza e dela se aproximando em profusão de imagens; e a encarnada por J. Nycoop, director do jornal sueco ?Expressen?, que defende para os jornais um papel bem diferente da rádio e da televisão, uma função complementar: ?os audiovisuais são feitos para dar as notícias, a Imprensa para explicá-las?.

Porém, a doutrina é sempre mais lenta do que os desafios da realidade. E a verdade é que a partilha do ?bolo? da publicidade foi enformando uma competição — algumas vezes sem regras porque transformada em luta pela sobrevivência.

O ?Jornal de Notícias? não se limitou ao papel de mera testemunha de uma evolução que a ?guerra das audiências? determinou. Participou no processo, usufruindo da confortável posição de líder do mercado. O que lhe permitiu elaborar estudos e traçar um caminho que vem percorrendo, com a convicção de que modernidade, tradição e identidade são compatíveis.

Primeiro com duas edições (uma nacional, a Norte, e uma de Lisboa, para o Sul), hoje no dealbar das edições múltiplas, é distribuído em todo o país sem perder os vínculos com as populações das várias regiões. É essa, pelo menos, a intenção daqueles que o fazem.

E, no jogo das tendências do mercado, implementou, também, algumas reconversões gráficas que concentram as críticas de seguidismo, de ?cópia escandalosa do Notícias de Lisboa?, como o define João G. Pereira.

Diz o povo que nem sempre ?a letra condiz com a careta?, o que se ajusta, inequivocamente, a qualquer tentativa de aproximação entre o ?Jornal de Notícias? e o ?Diário de Notícias?. Se o grafismo (as caretas) se aproxima, a verdade é que um e outro são completamente distintos no conteúdo, como têm que ser face às diferenças entre os seus públicos.

Há, no JN, um toque de proximidade aos que o lêem que é notório na linguagem, na forma como são cobertos os temas regionais, na paixão dos títulos do Desporto. Na sua Página do Leitor, sem par na imprensa portuguesa.

Quanto aos colaboradores, são opções da Direcção que, como refere o Conselho de Redacção, são espelho de uma época, de um momento — e mudam ao sabor dos ventos, da moda e do mercado.

Esta é a opinião do Provedor. E não mais do que isso. Que não se alicerça nos números ? de tal forma eles se mostram, todos os dias, falíveis enquanto previsores do futuro. E as últimas eleições autárquicas contêm vários e eloquentes exemplos dessa falibilidade.

Talvez por isso mesmo, e porque tudo quanto foi dito não passa do domínio restrito de algumas opiniões (e com algum comprometimento profissional), provavelmente vale a pena aprofundar estudos qualitativos que contemplem, entre outros, os parâmetros aqui abordados. Os responsáveis por essa área, no JN, não deixarão, por certo, de promovê-los.?