Sunday, 28 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Fernando Martins

JORNAL DE NOTÍCIAS

"Quando em Política aquilo que parece já o era há muito!", copyright Jornal de Notícias, 23/2/02

"Uma notícia publicada no ?The New York Times? de terça-feira passada alvoroçou a opinião pública norte-americana, provocando uma forte reacção entre os jornalistas que, de uma forma ou de outra, pessoal ou institucionalmente, tomaram posições com uma amplitude tal que, diz-se, fizeram recuar a Administração do EUA.

Informava o texto que o Pentágono estava a desenvolver um plano para fornecer materiais noticiosos à comunicação social estrangeira, de maneira a influenciar a opinião pública internacional e a criar nela sentimentos favoráveis aos objectivos americanos, nomeadamente à luta antiterrorismo. Tratava-se, segundo o influente diário novaiorquino, que citava fontes oficiais militares, de um novo esforço junto de países amigos e hostis ? esforço em que se admitia, mesmo, a possibilidade de difundir notícias falsas.

O plano de propaganda e de desinformação teria sido elaborado pelo OSI (Gabinete de Influência Estratégica), criado na sequência dos acontecimentos do 11 de Setembro, e dirigido pelo general da Força Aérea Simon Worden. Só lhe faltaria a aprovação de Donald Rumsfeld, o secretário de Estado para a Defesa.

Reed Irvine, o fundador de um observatório conservador com o nome de ?Accuracy in Media? (Rigor na Comunicação Social) disse-se consternado com a notícia, recordando, embora, as palavras de Winston Churchill: ?A verdade é tão preciosa, que deve ter a guardá-la uma legião de mentiras?. Acrescentou Reed Irvine:

?O Governo só tem a perder ao copiar os comunistas da antiga União Soviética na batalha da desinformação?. Peter Hart, um analista respeitado nos EUA, explica a razão dos planos do OSI terem como principais objectivos os ?media? estrangeiros: ?A comunicação social fora dos Estados Unidos foi, de uma maneira geral, bem mais céptica e distanciada na cobertura que fez da guerra?. O que, naturalmente, não agradou à Administração Bush.

De entre as reacções exteriores aos Estados Unidos da América, pretendo realçar a de Niall Kiely, Provedor do ?The Irish Times?, em diálogo por correio electrónico com Gina Lubrano, a sua homóloga do ?Union Tribune?, que se publica em San Diego (Califórnia):

?Aqui, na Irlanda, estamos familiarizados com as maquinações de vários governos, particularmente no que diz respeito aos assuntos da Irlanda do Norte. Como qualquer pessoa permanentemente vigiada, com o telefone sob escuta, a sofrer pressões de toda a ordem, intimidado, ameaçado, envolto em propaganda e desinformação, já nada me surpreende acerca dos políticos, das gentes das forças armadas e da espionagem.

Alguma vez tomaram contacto com o trabalho de Claud Cockburn, um dos mais talentosos e significantes jornalistas destas ilhas durante a última metade do século passado? Cito-o de memória: ?Quando vejo um político abrir a boca, o meu primeiro pensamento é ?Por que é que este malandro me está a mentir??

Os resultados da verdadeira onda de indignação que grassou nos EUA foram imediatos. Ontem mesmo, em Salt Lake City, Collin Powel empenhava a sua pelavra na garantia de que os ?media? não seriam enganados. Mas já não podia prometer que a desinformação e a propaganda não actuassem junto das forças inimigas. E a veemência dos desmentidos foi tão grande, que alguns jornalistas norte-americanos mais crédulos admitiram mesmo que a notícia não tivesse sido mais do que um balão de ensaio, para medir as reacções. Assim, o movimento provocado será, querem acreditar, uma garantia de que Bush e os seus homens vão arrepiar caminho nos seus propósitos…

Otema da importância estratégica dos ?media? na retaliação do ataque de 11 de Setembro não é novo para os leitores desta página. Esteve aqui logo 18 dias depois da tragédia das torres do World Trade Center, voltou a 20 e 27 de Outubro, a 10 de Novembro e a 1 de Dezembro.

Denunciou primeiro o Provedor a verdadeira censura das imagens televisivas fornecidas às televisões estrangeiras, e o clima de vigilância ?patriótica? exercida sobre os repórteres norte-americanos. Mais tarde (?Hoje ao jornalista apenas interessa o que lhe escondem?, em Novembro), analisou a investigação dos repórteres do ?Le Monde? e do ?The Washington Post? sobre toda uma série de pressões da Casa Branca sobre a comunicação social ? nomeadamente sobre a estação de televisão do Qatar, Al Jazeera. Pediram primeiro, tentaram comprar depois e, finalmente, exerceram pressões diplomáticas para que nela fossem entrevistadas personalidades escolhidas pela Administração norte-americana, nomeadamente o presidente Bush.

E fez, ainda, o Provedor, um balanço da cobertura jornalística de outros conflitos, a partir do desaire do Vietname, em que os ?media?, nomeadamente a televisão, foi um importante instrumento de consciencialização da opinião pública nos Estados Unidos. Daí a absoluta ausência de jornalistas na invasão de Granada (1983), e as regras ensaiadas no Panamá, que levariam a que as imagens difundidas ?em directo? da Guerra do Golfo resultassem numa campanha de desinformação habilmente arquitectada.

Sabe-se, naturalmente, que os políticos (e sobretudo numa situação de conflito) tentam servir-se da informação e dos jornalistas como armas. A verdade não é, para eles, um objectivo estratégico. Sabem-no os jornalistas, todos os jornalistas. Também os americanos, agora despertados do sonho da proximidade patriótica.

Daí que a defesa dos repórteres seja o cepticismo, a dúvida metódica em perseguição da verdade.

Pelo menos da verdade possível."