Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Fernando Martins

JORNAL DE NOTÍCIAS

"Apontar a dedo não fura notícias", copyright Jornal de Notícias, 23/3/02

"?É muito mais fácil conduzir um cavalo na direcção que ele quiser?

Werner Ehrard

As acusações de parcialidade, dirigidas aos ?media?, são frequentes quando nas sociedades se exacerbam conflitualidades, normalmente servidas por paixões (quaisquer que elas sejam).

Entre nós, a Política Partidária e o Futebol (com maiúsculas, para corresponder à sua sacralização pelas massas) são as principais fontes dos picos da exaltação nacional _ e mais ainda em tempo de eleições, ou quando o campeonato da 1? Liga anda particularmente disputado.

O chorrilho dos protestos é corrente nas campanhas eleitorais, em toda a sua extensão. São os que contabilizam linhas, palavras, e o número de vezes a mais que se foi citado o nome do adversário; os que cronometram o tempo das reportagens televisivas e radiofónicas; e até os que protestam a sua convicção de que o líder do seu partido é, deliberadamente, focado pelas objectivas nos ângulos mais desfavoráveis.
Contados os votos, é a acalmia, e a costumada formulação de cada uma das vitórias. Porque não é costume haver vencidos.

No Futebol é diferente. As acusações surgem, apenas, depois do jogo. Normalmente no dia seguinte. Fermentam das derrotas e incidem, inevitável e exclusivamente, sobre a forma como não foi condenado o trabalho do árbitro.

No rescaldo das recentes eleições legislativas, constata-se que houve diferenças. Durante a campanha, não chegou ao Provedor uma única queixa, uma observação, um lamento. Apareceram, sim, depois do ?jogo?. Talvez pela estranha intrusão do Futebol como instrumento eleitoral…

Um grupo de jovens sociais-democratas de Espinho (são oito, um deles, José António Rodrigues Silva, endereçou a mensagem electrónica ao Provedor) diz-se ?indignado com a falta de independência? do ?Jornal de Notícias?. Segundo os jovens, o JN comportou-se ?tendenciosamente? durante a campanha eleitoral. Mas não especificou a(s) tendência(s), nem casos em que a distorção deontológica se terá verificado. É uma acusação vaga, na linha da que José Pacheco Pereira aflorou no ?Público? da passada quinta-feira (há quem reconheça distanciamento ao político colunista).

Mas os jovens de Espinho, para ilustrar a falta de isenção do jornal, escolheram um caso noticiado cinco dias depois de encerrada a campanha eleitoral: a acusação de peculato formulada pelo Ministério Público a Edite Estrela, ex-presidente da Câmara Municipal de Sintra. Dizem os jovens sociais-democratas:

?O ?Público? já dava a notícia ontem, com chamada na primeira página, e ontem também as televisões e as rádios deram-lhe grande destaque. Só que o JN resolveu dá-la em páginas interiores, lá para o fim do jornal, sem qualquer chamada na capa. Será por a ex-presidente de Sintra ser vossa colaboradora? Os leitores não podem estar à mercê desses critérios. Ou será por ser do PS??.

Rui Osório, editor executivo, pronuncia-se, a pedido do Provedor:

?Dos colaboradores mais ou menos permanentes do JN fazem parte pessoas de reconhecida filiação político-partidária. O facto não é inibidor da imparcialidade do jornal e dos seus profissionais. São pessoas devidamente identificadas, que o JN estima e aprecia. Seríamos parciais se, nessa qualidade, fossem representativos de uma só corrente partidária ou se nos obrigassem a esconder o que não deve ser escondido. O que não é o caso.

?A selecção e o relevo dados às notícias não acontecem por acaso e os profissionais do JN não são neutros, embora procurem o rigor e a imparcialidade possíveis. São pessoas de bem e de boa fé, com muito respeito pelos leitores, no quadro da competência profissional, cultural e deontológica que prezam.

?Preservam, no quadro legal e ético, e na fidelidade à identidade do JN, a obrigação de zelar pela orientação editorial que tem merecido a preferência dos leitores, conscientes de que, no noticiário mais quente, como é o caso de uma campanha eleitoral, suscitam reparos e críticas, aliás sempre bem-vindas, da sua suposta, mas raramente provada, parcialidade.?

?Não me parece que o caso em apreço, referente a Edite Estrela, seja suficiente para merecer a acusação de parcialidade do JN. Basta a Edite Estrela, como bastaria a qualquer pessoa, mais próxima ou mais distante do JN, a presunção de inocência até provas em contrário?.

Na notícia sobre Edite Estrela nada há, também na opinião do Provedor, que possa indiciar favorecimento da deputada socialista. É um texto factual em que não se esconde o que quer que seja (e o cotejo com os relatos dos outros jornais mostra-o claramente) _, nem sequer a manifesta possibilidade da ex-autarca vir a requerer a imunidade parlamentar. Todos os factos revelados pelos restantes ?media? estão na notícia do JN.

É verdade que o ?Jornal de Notícias? não teve acesso às fontes que permitiram ao ?Público? antecipar-se, e que possibilitaram às televisões e às rádios, com a sua flexibilidade de edição, fazer a revelação ainda em tempo e com a formulação de novidade, da novidade que justifica as chamadas de primeira página e o relevo nos audiovisuais. Um dia (1440 minutos) depois, a notícia estava ultrapassada, era recessa _ a menos que se conseguissem sobre o assunto elementos novos e relevantes, isto é, que a notícia fosse renovada. E o JN não conseguiu fazê-lo. Notícia da véspera, se importante, publica-se com discreção. Por respeito aos leitores que não lêem os outros jornais e que podem nem ter estado atentos às rádios e às TVs. Mas só isso. Nunca com chamada na capa!

E não está a falar-se de normas do JN, mas tão-somente de critério jornalístico, em geral. E de bom senso.
Nada, portanto, permite concluir sobre qualquer tipo de parcialidade do ?Jornal de Notícias?, como, aliás, o Conselho de Redacção considera igualmente:

?1. A independência e a isenção do jornal não se aferem necessária ou predominantemente nem pela localização, nem pela dimensão dos trabalhos, nem pela oportunidade da sua publicação, para as quais concorrem diversos factores condicionantes, designadamente a disponibilidade de espaço e de tempo, a capacidade para o desenvolver em tempo útil e a própria avaliação do interesse editorial do tema, mesmo que esta envolva, por vezes, o risco de alguma subjectividade susceptível de crítica pelos leitores.

?2. O ?Jornal de Notícias? acolhe, respeita e procura considerar as críticas e comentários seus leitores, num permanente esforço de melhoria do seu trabalho.?

Repete o Provedor: não foi recebida, ao longo de toda a campanha eleitoral, qualquer crítica sobre o comportamento ético-deontológico do JN. Como não existiu qualquer discordância sobre a forma como foi tratada a crise que conduziu às eleições. O que não vale, necessariamente, por um atestado de comportamento jornalístico exemplar. Mas importa relevá-lo."