Tuesday, 30 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Férias de julho sem venenos, sem frituras


DE REPENTE, amainou a intrigalhada, evaporaram as tricas, a futrica voltou aos níveis suportáveis. O que houve com o noticiário político nesta primeira quinzena de julho – a turma meteu-se em algum cursilho? Confessou os pecados e está cumprindo penitências? Foi a Miami refletir sobre ética jornalística?

Pode ser, mas a causa primeira deste retorno aos padrões mínimos de responsabilidade deve-se ao calendário – a turma da pesada recolheu-se aos penates, isto é, às bases eleitorais. Estão de férias. Por turma da pesada entenda-se um grupo de vinte diligentes e patrióticos parlamentares que todas as semanas, a partir da quarta-feira à noite, pendura-se ao telefone durante horas para abastecer as colunas especializadas em picadinho político.

E como os espaços – apesar da redução de formato dos jornais – deveriam ser preenchidos com informação, a saída foi bater pé na Esplanada dos Ministérios e depois batucar no teclado informações consistentes, comentários pertinentes, avaliações corretas. Se o resultado não foi bom, a culpa é de quem viciou-se em destilar veneno e provocações. O que não pode continuar é o jornalismo de vazamentos e perfídias que desbancou o velho estilo de comentário político.

O salutar recesso parlamentar coincidiu com a reforma ministerial. E o que se viu foi uma imprensa pela primeira vez incapaz de fritar ministros simplesmente porque estava sem frigideira. Muito contribuiu para isso a determinação palaciana de manter as negociações dentro do maior sigilo. O que não impediu algumas gafes: como a do Jornal Nacional (quarta-feira, 14/7/99) informando erroneamente que Geraldo Quintão seria ministro da Justiça. Ou as jogadas do grupo que deseja derrubar Francisco Weffort espalhando que seria substituindo pelo senador José Fogaça (PMDB-RS).

 

PARA ESTA CALMARIA brasiliense muito contribuiu o providencial desaparecimento do senador ACM. O coronel do PFL alimenta o agito mediático-político da capital federal de duas formas, ambas com extrema competência:

  • Transformando o debate político num bate-boca botequineiro e, portanto, estabelecendo um paradigma de qualidade.
  • Alimentando não apenas as colunas mas também as altas direções dos meios de comunicação com informações e/ou venenos de modo a tornar-se fonte indispensável.

Está na hora de começar a contar a história das relações ACM-mídia. Engana-se quem acha que sua base de operações é o grupo Globo. O ilustre senador opera em todos os quadrantes – Bahia, Brasília, São Paulo e Rio – e em todas as frentes – diárias, semanais, da situação e da oposição.

Durante quase vinte anos reinou na Veja até que no episódio da intervenção no Econômico rompeu-se a mágica besta: trocar informações por imunidade.

Importante registrar que este escambo deu-se também com moeda de mais peso: ACM é o campeão do apadrinhamento de jornalistas brasilienses para cargos públicos. E, antes disso, quando o financiamento imobiliário corria solto, resolveu o sonho da casa própria de muito coleguinha no triângulo DF-Rio-São Paulo.

As viagens de ministros a Fernando de Noronha são ínfimas se comparadas com os convites para fins-de-semana nas hospedarias de luxo de Salvador, para jornalistas, famílias e babás.

Nada ilegal, tudo nos conformes. O problema não é de quem favorece, mas da credibilidade dos favorecidos.

O poder do senador fora da Bahia não é eleitoral. Mesmo no Senado não tem maioria. O poder de fogo de ACM repousa essencialmente na sua capacidade de manipular o sistema mediático.

Importante que este assunto comece a ser discutido agora antes que ACM se apresente formalmente como postulante à presidência da República. Se vai concorrer com outros candidatos é indispensável que perca esta vantagem desde já. Depois, será tarde.

 

AS CAPAS das edições de Veja, Época e IstoÉ do domingo, 11/7, revelam como o início do recesso afetou diretamente o estoque denunciatório. Desabastecidos de matérias “quentes”, nossos ferventes semanários apelaram para as gavetas do material light: “Quando o divórcio é um negócio” (Época), “Os canalhas do escritório” (IstoÉ), “Sonho de modelo” (Veja). Bobajada pura: sociologia de esquina que já nem satisfaz as peruas de todas as idades nos salões de beleza e academias de malhação.

Essa “mania” que os fabricantes de manias insistem em desenvolver é totalmente furada: o público nunca merece lixo. Sobretudo nas férias ou feriadões. Esse é um descaso injustificado: se jornalismo é serviço público não se compreende que de repente, por causa da folhinha, sejam relaxados os padrões de exigência. Quem viaja em julho é uma minoria, o segmento mais abonado e mais fútil; quem fica é quem necessita de mais e melhores informações.

Também desabastecidos das futricas brasilienses, os jornalões daquele domingo partiram em direção contrária: Folha e O Globo deram destaque a matérias efetivamente investigadas. A vida nababesca de alguns juízes e o golpe da mudança aplicados por militares que servem na polícia carioca são exemplos do Brasil real, esse gigantesco ralo por onde escoa uma das maiores cargas tributárias do mundo.

Domingo seguinte, 18/7, correção de rota, fim do “espírito de férias”: Época despachou-se para o interior da Inglaterra para revelar como vive um falido feliz, Ricardo Mansur, ex-dono do grupo Mesbla-Mappin, enquanto seus empregados passam fome e seus fornecedores quase quebraram. IstoÉ remontou o passado e chegou ao presente para revelar os ladrões que roubaram o megaladrão Ademar de Barros. Veja reinou sozinha agarrada à Maria Antonieta (musa de nossos revisteiros) com as opções para um reveillon milionário.

Novamente os dois jornalões (Folha e O Globo) preferiram mostrar o potencial de um jornalismo verdadeiramente investigativo: as incríveis trapaças financeiras da Igreja Universal do Reino de Deus e as falhas dos sistemas de segurança nos bancos cariocas.

 

SE NOSSOS PARLAMENTARES trabalhassem um pouco mais teriam menos tempo para atiçar as fogueiras da fofocagem. Nosso jornalismo se livraria do Efeito Ana Paula Arósio e o cidadão-leitor ficaria melhor servido.

 

ELE É DEPUTADO FEDERAL (PPB-RJ), malufista e, nas investigações da Folha, aparece como o principal articulador das trapaças financeiras da IURD e do “bispo” Edir Macedo. É também o autor de uma das emendas ao artigo 222 da Constituição (aquela que trata da propriedade das empresas jornalísticas que pode evitar a quebradeira geral). Sua proposta, casuísta e despropositada, deforma ainda mais um texto já superado pelo tempo e pela tecnologia retomando a perigosa aproximação do Estado com Religião condenada há mais de 300 anos. Segundo Laprovita, as entidades filantrópicas que possuem meios de comunicação – a Rede Record por exemplo – deveriam estar isentas do Imposto de Renda.

 

O ENTERRO de Franco Montoro na manhã do sábado, 17/7/99 e a nova tragédia que desabou sobre o clã Kennedy (conhecida na madrugada deste mesmo sábado) revelam a inutilidade do “pescoção” do fim de semana nas redações, que resulta no farto e inútil “domingão” dos diários. Ficou mais evidente nas simuladas “edições nacionais” que fecham no sábado pelas 10 da manhã. Mesmo nas edições locais do dia seguinte, teoricamente mais completas, a cobertura dos dois assuntos deixou a desejar. Apesar da dedicação dos repórteres e editores de plantão, não há espaço – as diferentes seções dos primeiros cadernos estão hermeticamente fechadas desde a quinta e sexta-feira e a margem para alterações é mínima. O pior é que o radiojornalismo e o telejornalismo (pautados em geral pelos recortes dos diários) também não conseguem aproveitar as brechas da “semana inglesa”: apenas cumprem as formalidades.

 

A INAUGURAÇÃO da fabulosa Sala São Paulo (na antiga estação ferroviária da Sorocabana) com, pelo menos, novos dois espetáculos musicais por semana, revelou e comprovou a extinção de uma das especialidades do jornalismo cultural – a crítica de música erudita. Como os espetáculos ocorrem às quintas e sábados (justamente no buraco negro da semana jornalística) os comentários e/ou reportagens a respeito só podem ser publicadas no meio da semana seguinte. O que para os nossos fogosos editores seria tarde demais.

O resultado disso é que os espetáculos de música erudita são noticiados ANTES de se realizaram, por pressão das assessorias de comunicação que precisam mostrar serviço aos clientes. O pobre do leitor fica desprovido de qualquer informação ou avaliação sobre o que efetivamente ocorreu. E deixa de saber o que é bom ou ruim em matéria de música. Já houve tempos em que nas redações havia um grupo de intelectuais capazes de assobiar o tema de uma quarteto de Mozart. Agora a garotada das redações escreve “show” em lugar de “concerto” ou “recital” e não leva um puxão de orelhas. Assim caminha a humanidade.

 

NA ÂNSIA de pegar carona na chopada da megafusão Brahma-Antarctica, a mídia forçou a barra quando noticiou o primeiro parecer do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Os jornalões na sua maioria disseram que o órgão controlador determinara a SUSPENSÃO da operação (edições de quintas-feira, 15/7). Dia seguinte, a ressaca: engoliram uma errata em que o Cade desautorizava o uso do verbo SUSPENDER. As providências para promover a fusão acionária poderiam prosseguir, proibidas durante 120 dias estavam apenas as medidas que implicassem fechamento de fábricas e regras de distribuição dos produtos.

Anotem: atrás de palavras fortes há sempre uma fraqueza de informação.