Thursday, 10 de October de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1309

"Fuzilamento provisório", copyright O Estado de S. Paulo, 9/05/01


ASPAS

VIOLA??O NO SENADO

"Contam que, numa das muitas guerrinhas travadas no Rio Grande do Sul, um troço de tropas comandadas pelo ?general? Flores da Cunha aprisionou cerca de 500 provisórios, soldados que, por convicção ou dinheiro, entravam nas lutas da região e da época.

O que fazer com 500 provisórios? Alimentá-los? Vigiá-los? Soltá-los? Era caro e temerário: dar comida custava dinheiro, a vigilância deslocaria homens para a guarda dos prisioneiros, a libertação faria com que os inimigos viessem a combater novamente.

Flores da Cunha teve um rasgo de genialidade. Ao oficial que lhe perguntou o que fazer com os provisórios, respondeu na hora: ?Vá fuzilando todos eles provisoriamente!?.

O senador Roberto Saturnino está numa situação delicada. Prometeu o relatório sobre o caso do painel eletrônico para amanhã, quinta-feira. Voltou atrás e decidiu pensar mais e melhor.

Abriu espaço para os acusados manobrarem, também mais e melhor. Mas recusou-se a tomar uma atitude que poderia parecer com a de Flores da Cunha.

Ele alegou o clima de caça às bruxas que tomou conta do país. Conheço o senador há tempos, não somos amigos íntimos, mas sempre o respeitei como homem honesto e responsável. Se dependesse da pessoa física dele, como político de esquerda, comprometido em varrer da vida pública os prevaricadores, ele poderia fazer o relatório em cima do lance, aconselhando a cassação de ACM e Arruda.

Saturnino coloca a sua consciência acima do interesse partidário, ideológico ou pessoal. Começa a desconfiar da sede de sangue que tomou conta da classe política, da mídia e do povo em geral.

Dá um exemplo. Acredito que ele vá recomendar a cassação, mas não quer ser pressionado pelas patrulhas nem cometer a injustiça de fuzilar mandatos provisoriamente."

"Dos 19 quadros que foram ao ar no ?Casseta & Planeta? (Globo) desta terça, nove faziam sátiras à crise do Senado. Em quatro deles, o senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA) foi satirizado diretamente com a caricatura feita por Bussunda, chamado de Antonio Carlos ?Fraudalhães?.

O programa teve uma enquete que satirizava ACM. Os telespectadores deviam eleger, pela internet, quem gostariam de mandar para o espaço e as alternativas eram: o técnico Emerson Mico Leão, o senador Antonio Carlos Fraudalhães ou o ministro argentino Domingo Cavallo. No final do programa foi anunciada a vitória do senador, com 44% dos votos.

O senador José Roberto Arruda e Regina Borges, ex-diretora do Prodasen, também viraram piada. Ele ganhou o apelido de José Roberto Rabuda e ela, Vaselina Borges.

Há pelo menos três semanas a crise no Senado tem sido o alvo predileto do humorístico. Na semana passada, a equipe de produção do programa transferiu a reunião de pauta de quinta para sexta-feira, para esperar o resultado da acareação. ?Para nossa criação esses escândalos são um prato cheio. O que fazemos é tentar usar nas piadas o que já está na boca do povo evitando fazer nosso próprio julgamento?, disse Cláudio Manoel, autor e redator final da atração."

"O ator Lima Duarte, 71, que está chamando a atenção do público ao representar um senador baiano cuja conversa comprometedora é gravada numa fita, na novela ?Porto dos Milagres?, da TV Globo, afirma que o ex-presidente do Senado Antonio Carlos Magalhães foi uma de suas fontes de inspiração, mas não a única.

?A minha inspiração não é o pefelista, mas sim um senador, um ser social. Dado os acontecimentos, ficou parecido com o ACM. É uma pena. Sinceramente, fico meio constrangido de tratar um senador assim. Eu sou meio romântico, gostaria de pensar neles como pessoas ideais, padrões de comportamento. Mas eles estão se avacalhando, não se dão o respeito.?

Na novela das oito, o prefeito de Porto dos Milagres, Félix Guerreiro (Antônio Fagundes), grava uma conversa com o senador Victorio Viana (Lima) na qual o parlamentar faz acusações de corrupção envolvendo políticos aliados.

Na vida real, quem gravou ACM foi o procurador Luiz Francisco de Souza. Na fita, ACM deu os primeiros indícios de que teria participado da violação do painel do Senado. Em uma cena da novela, os assessores de Victorio Viana pisam na fita, mas não chegam a destruí-la. Exatamente como descrito por Luiz Francisco. Só que, no episódio em Brasília, o procurador afirma que conseguiu inutilizá-la.

Não é a primeira vez que Lima Duarte faz uma representação caricata de ACM. Na campanha de 90 para o governo da Bahia, representou o político, com um chicote numa mão e um punhado de dinheiro na outra, no horário gratuito de Roberto Santos (PMDB), então adversário de ACM.

Na ficção da TV Globo, o personagem de Lima Duarte é vítima de uma chantagem por causa da gravação com as acusações -ou ele apóia a candidatura de Félix Guerreiro ao governo da Bahia ou a fita será divulgada. Viana cede e Félix é aclamado ?rei da Bahia?.

Por isso Lima Duarte vê mais semelhanças psicológicas entre ACM e o personagem de Antônio Fagundes. ?A minha intenção era fazer um malandro, que dá esses golpezinhos no Senado. O ACM é mais profundo.?

Ricardo Linhares, 39, autor da novela ao lado de Aguinaldo Silva, confirma que a trama saiu dos noticiários. Mas ressalta que nenhum personagem é inspirado em um só político."

"O mundo vai reconhecer nossa superioridade e vai acabar se curvando ao povo da Bahia!?

Adivinhe quem é o autor dessa frase:

1 – Antonio Carlos Magalhães

2 – Gal Costa

3 – Popó

4 – Jorge Amado

5 – Caetano Veloso

Errou quem escolheu algum dos ilustres baianos listados acima, que nunca perdem uma chance de enaltecer as virtudes da Bahia e de seu povo.

O dito provinciano foi proferido pelo candidato ao governo do Estado da Bahia pelo Partido da Vanguarda Democrática, Félix Guerreiro. Ele falou logo após ser aclamado candidato do partido, devido a uma jogada do senador Victório Viana. Que, aliás, não tinha outra saída senão abdicar de sua almejada candidatura, uma vez que foi chantageado por Guerreiro, que, para tanto, usou a gravação de uma conversa comprometedora que tivera com o senador.

Guerreiro ameaçou Viana de mandar a fita para ?um jornalista de São Paulo? ou para ?um procurador? e não só conseguiu a vaga como também o apoio integral do compungido senador.

O caro leitor, evidentemente, já percebeu que não se trata de realidade a situação acima. Afinal, na vida política baiana não existem os personagens mencionados, nem sequer o governo daquele Estado está em disputa -ainda.

Mas não deixam de ter um link com a realidade os termos por meio dos quais o político fictício exagera na importância de sua terra, tampouco as situações antiéticas (para dizer o mínimo) que foram levadas ao ar no capítulo de terça-feira da novela ?Porto dos Milagres?, da TV Globo.

Como diz o refrão da emissora, tudo a ver. Com o atual cenário político nacional e com práticas corriqueiras dos fisiológicos e inescrupulosos.

E, ainda que de maneira não explícita ou direta, tudo a ver com um personagem que sempre frequentou a Globo em situações diferentes: Antonio Carlos Magalhães, há anos tratado como prata da casa, mostrado em situações favoráveis a ele, a seu grupo e a sua família -que, aliás, controla a retransmissora da Globo na Bahia.

Seria forçar a barra estabelecer relação entre a situação retratada na peça de ficção com a triste realidade vivida pelo Senado da República hoje? Talvez, mas obviamente a ficção sempre teve na vida real -principalmente quando se trata de um veículo com a ligeireza da TV- uma fonte perene e legítima de ?inspiração?.

Agora, aqueles que supuseram estar ali ocorrendo apenas uma interseção coincidente entre real e imaginário; que ACM continua a gozar de consideração nas hostes globais, esses perderam a esperança se naquela terça permaneceram sintonizados no canal da família Marinho.

O que se viu no ?Casseta & Planeta Urgente? foi uma demonstração cabal de que as coisas mudaram, sim.

No programa da semana anterior, ACM já sofrera bombardeio considerável por parte dos rapazes do humorístico, artilharia essa que voltou a ser acionada na última terça com força redobrada.

O que chamou a atenção foi a virulência do tratamento dispensado a ACM, denominado pelos humoristas ?Antonio Carlos Fraudalhães? e alvo, na pele do ?casseta? Bussunda, de gozações variadas e tão pesadas quanto o próprio apelido a ele atribuído.

O ACM de Bussunda apareceu no programa pelo menos cinco vezes, em situações altamente constrangedoras para o senador, que, a bem da verdade, ainda não foi julgado nem pelos seus pares do Senado. Mas, sem dúvida, situações muito engraçadas.

Num dos esquetes, foi reproduzido o estilo do programa ?Linha Direta?, da própria Globo, agora chamado de ?Fraudadinha Direta?, para ?reconstituir? o ?arrombamento? do painel do Senado por ?Fraudalhães?, ?Rabuda? (senador Arruda) e ?Vaselina? (a funcionária Regina).

Noutro, sobrou também para o senador Jader Barbalho, que virou um dos três tenores (os outros dois eram ?Rabuda? e ?Fraudalhães?) para interpretar uma paródia que dizia: ?Roubare, fraudare, ô, ô…?.

Houve ainda um abaixo-assinado de apoio a ?Fraudalhães?, entregue pelo personagem Eriberto, o vilão da novela das 20h. O manifesto traz a assinatura de ?intelectuais? como Carla Perez e o boxeador Popó. Na dúvida, o ?senador? rasgou a lista de apoio assim que a recebeu.

Por fim, ACM foi ?vítima? do público do programa, através da pesquisa online comandada por Maria Paula. A pergunta era: quem você mandaria para o espaço? O técnico ?Mico Leão?, o senador ?Antonio Carlos Fraudalhães? ou Domingo Cavallo (?Afinal, é sempre bom mandar um argentino pro espaço…?)?

O público escolheu a segunda resposta (44% dos telefonemas), demonstrando, outra vez naquela mesma noite, que a ficção da telinha e a realidade do telespectador estão em conexão permanente."

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