Wednesday, 09 de October de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1308

Gabriel Priolli

MARCOS MION

"Marcos Mion pode ser alvo de
uma concorrência que não soube valorizar outros egressos
da MTV

Marcos Mion é a bola da vez. Arrasa na MTV, à frente do programa Os Piores Clips do Mundo, que o levou no ano passado ao prêmio de melhor apresentador, atribuído pela Associação Paulista de Críticos de Artes. Inquieto, auto-irônico, impagável, ele enfrenta a parada difícil de concorrer diretamente com o Casseta & Planeta e deixa milhares de adolescentes com o controle remoto nas mãos, nas noites de terça-feira. Onipresente, aparece nas vinhetas da emissora e no comercial do curso de inglês, do chocolate, da lanchonete. Marcos Mion está em todas e tem tudo para estar prosa. Mas, paradoxalmente, esse é o seu maior risco.

O perigo, para Marcos Mion, é alguma rede decidir que já é hora de tirá-lo da MTV e tentá-lo com um contrato milionário. A história não tem sido muito favorável a talentos como o dele, que surgiram na emissora musical e dela partiram em busca de novos desafios, quer porque já estavam ?vencidos? para a faixa etária média de seu público, quer porque não pretendiam especializar-se em cultura pop. Com a exceção segura de Zeca Camargo e Maria Paula, que abriram a corrente migratória no início dos anos 90, não se pode dizer que nenhum dos egressos da MTV esteja hoje no vídeo em posição muito melhor do que tinha quando trabalhava lá. Babi, Sabrina, Astrid, Soninha e, principalmente, Cazé devem ter alguma reflexão a esse respeito, ainda que com os próprios botões. Mesmo Cris Couto, ora atriz, luzia mais quando meramente apresentava. E Adriane Galisteu não conta, porque não é MTV ?da gema?, chegou lá já revelada pelos boxes da Fórmula 1.

Se há ?culpa? nesse processo, não é certamente da MTV, que criou uma escola de apresentação e sempre se destacou no lançamento de bons nomes para a TV brasileira. Não é também dos próprios interessados, posto que não perdem qualidades só porque mudam de endereço profissional. Talvez seja o caso, portanto, de especular sobre como as redes cobiçam as jovens estrelas da emissora e são incompetentes para aproveitá-las. Que estranha compulsão predatória é essa de ter o talento nas mãos e não saber como potencializá-lo? Por que colocar as pessoas em programas que não têm a ver com seu estilo, seu pendor pessoal? Lapidar artistas não é mais inteligente, decente e até rentável do que arriscar-se a queimá-los? As respostas seriam mais fáceis se as redes admitissem a pertinência das perguntas.

O estilo MTV de apresentação mescla o domínio da técnica com informalidade e informação. Além de descontraídos, os VJs devem ser e parecer inteligentes, porque os textos que lêem pressupõem um telespectador antenado e exigente, com aquele senso crítico exacerbado da adolescência. Mas as redes talvez suponham que o sucesso deles vem do jeito informal, não necessariamente dos miolos e, muito menos, da sintonia entre esses miolos e os da audiência. E lá vão os bravos VJs atrás do pote de ouro, para serem usados em tarefas menores que o seu talento. Marcos Mion, portanto, que se cuide. É melhor ser rei na MTV do que servo da falta de imaginação numa rede."

JOÃO GORDO

"O rato de porão João Gordo invade
a sala dos paulistanos e faz sucesso ao constranger convidados em
seu talk-show

Na sala de espera do dentista, em 1978, o irrequieto e rebelde Joãozinho folheava distraidamente as páginas de uma revista. Uma reportagem chamou sua atenção. Era sobre a banda inglesa Sex Pistols. Leu, arrancou as páginas e dias depois tomou a decisão: ?Vou ser punk?. Desde então, a vida de João Francisco Benedan, hoje com 37 anos e 190 quilos, só conheceu reviravoltas. O adolescente gordinho que não aprenderia a nadar, andar de bicicleta nem dirigir foi ser metalúrgico, peão e recepcionista de flat. Em 1983, ao se tornar vocalista e líder da banda de hardcore Ratos de Porão, virou o João Gordo. Ganhou fama, sumiu, quase morreu, voltou. Afastado das drogas, ele nunca deixou de lado a insolência, a agressividade e a linguagem escrachada, cheia de palavrões e de uma sinceridade chocante, exibidas no talk-show Gordo a Go-Go (MTV, na segunda, das 23h às 23h45; reapresentações no sábado, à 0h, e no domingo, às 23h30). Além de jovens, o programa conquistou fãs tão surpreendentes quanto o jornalista Boris Casoy. João é uma espécie de Jô Soares do universo paralelo: avacalha entrevistados, apalpa as convidadas e diz, na lata, aquilo que lhe passa pela cabeça. Com uma diferença: deixa que eles falem também.

A carreira de João Gordo na MTV começou em 1996, no programa Suor. ?Eu ia para as praias, era a maior boiada do mundo, e ganhava uma grana legal?, diverte-se. Em 1997 estreou um programa-solo, de meia hora diária, o game interativo Garganta e Torcicolo. ?Era uma coisa meio trash, que tinha a ver com seu jeito grosseiro e engraçado?, diz Zico Goes, diretor de programação da emissora. No ano seguinte, surgiu o Gordo Pop Show, atração na qual esculachava ou reverenciava os clipes, ao lado de convidados. Ali, João desabrochou sua exótica veia de entrevistador. A função foi mantida no Gordo on Ice, que ele deixaria de apresentar após uma grave infecção pulmonar, no início do ano passado, quando pesava 210 quilos. Depois de passar três dias em coma e 22 na UTI, resolveu largar o cigarro (fumava três maços por dia), as bebidas e as drogas. Deu uma maneirada na alimentação, ele que tomava 4 litros de Coca-Cola numa noite. ?Careteei?, exagera. Na última excursão européia do Ratos, no fim do ano passado, teve uma recaída e comeu cogumelos mexicanos alucinógenos. ?Foi paz e amor.?

Desde então, para seus padrões, anda regenerado. Há um ano, estreou o Gordo a Go-Go. A rica fauna de entrevistados, somada às desconcertantes opiniões, observações e indagações do apresentador, produziu momentos hilariantes (veja destaques ao longo da matéria). Saído das ruas, onde aprendeu gírias, manhas e palavrões, João não prepara o convidado para digerir uma crítica dura. Ele ataca sem rodeios. ?Pô, a mulher queimou teu filme na parada… Ela falou pra todo mundo que você tava com dois homens na cama…?, disse para o playboy Chiquinho Scarpa. Na MTV, seu salário é 6.000 reais por mês. Ele acha bom. ?Trabalho uma hora por semana, um mamão com açúcar?, explica. Fábio Sampaio, vocalista da banda Olho Seco e dono da loja Decontrol (ex-Punk Rock), na qual Gordo batia ponto nos anos 80, concorda: ?Ele tá tirando mó coco de todo mundo que vai lá. Ele só dá risada?. Durante o programa, João Gordo coloca discos de seu acervo, barulhentos como o som do Ratos, e abre espaço para animações enviadas pelos telespectadores e para as intervenções de Max Fivelinha.

Com a visibilidade alcançada na TV, ele ganhou um programa na 89 FM (Gordo, o Filme, no sábado, das 18h às 19h), onde recebe mais 2.500 reais, e começou a fazer comerciais para a Kibon. No site no., escreve sobre suas visitas a locais tão diferentes como a Erótika Fair, a Casa dos Sonhos Estrela, o restaurante Fasano e um show de Sandy & Junior. Uma vez por mês, banca o DJ na boate Lov.e. Depois de morar oito anos na casa de uma amiga e de tantos outros pulando de galho em galho, agora vive sozinho em um pequeno apartamento em Moema. ?Bairro de boy, mas é bom.? Na sala, exibe uma coleção de miniaturas de super-heróis, vilões e personagens do universo pop, como Ultraman e Ultraseven. Sua cara de mau, estampada em fotos e exercitada no contato com os fãs do Ratos, esconde uma pessoa sensível. ?Ele tem essa aparência meio brutamontes, mas é muito autêntico e supercarinhoso?, afirma a colega Marina Person.

Há dois meses, João engatou namoro com uma repórter argentina de 28 anos, de pele e cabelos morenos, com traços levemente indígenas. Não informa seu nome nem mais nada. Ele freqüenta o consultório de uma psicóloga e o de uma psiquiatra, e ultimamente tenta criar coragem para se submeter a uma cirurgia de redução do estômago. ?Já fiz os exames, fui à associação dos ex-gordões e vi como o cara fica quando emagrece.? João Gordo se diz complexado por causa de sua constituição física. No momento, controla a vontade compulsiva de comer com a ajuda de um remédio à base de sibutramina. Da fase pesada das drogas, carrega uma lacuna na boca: perdeu cinco dentes, corroídos pela cocaína. ?A TV me fez um cidadão, eu não tinha nem carteira de identidade?, diz ele, que nunca tirou título de eleitor. Mas o emprego de showman não é o de seus sonhos. ?Queria mandar tudo à (palavrão), viajar com a banda e viver na doideira.?

Filho de um bombeiro e de uma cabeleireira, o paulistano João Gordo criou-se na Vila Gustavo, bairro periférico da Zona Norte. Seu pai, o sargento Milton Benedan, era severo com o menino de hábitos rudes e atos indisciplinados. João cursou o primário no Tucuruvi e o ginásio técnico no Bom Retiro. Formou-se em mecânica de máquinas e em desenho. ?Lá, já andava de uniforme rasgado e cabelo espetado com sabão?, lembra. Não gostava de estudar. Preferia ouvir rock pesado, como Led Zeppelin, Kiss e Black Sabbath. Em 1978, suas predileções mudaram para Sex Pistols, The Clash e outras bandas punks. ?Quando vi a capa do disco do Ramones, os caras com as calças rasgadas no joelho, pirei.? Comprou tudo. ?Naquele ano, bombei a 7? série.? Conta que o pai lhe deu uma surra e tomou seus LPs. ?Pirei de vez.?

Em 1980, cansado do comportamento do primogênito, o sargento Benedan levou a família para Angatuba, a 210 quilômetros da capital. Não adiantou: ?No interior, aprendi a beber e a fumar maconha?. Durante o colegial jurou que arrumaria um emprego, e pôde voltar a São Paulo. Iludia a avó, com quem morava, e passava o dia na Estação São Bento do metrô ou na Galeria do Rock, onde curtia a efervescência punk. ?Tinha treta pra (palavrão), porque o movimento vinha da periferia, da malandragem. Uns manos muito maloqueiros puxavam cordão, no centro, ou aplicavam o conto-do-vigário.? Nunca mais foi à escola. Trocou o lar pelas ruas. Ficaria quase oito anos sem falar com o pai e com sua única irmã.

A chegada do movimento punk a São Paulo coincide com os anos finais do regime militar. Vestidos com jaquetas de couro, braceletes com rebites pontudos, cintos e coturnos, os integrantes das gangues sofriam constantes investidas policiais. Quem não tinha carteira de trabalho poderia ser preso por vadiagem. João foi várias vezes. ?Na prisão, se você souber cantar pagode, jogar baralho e pedir licença, tá em casa?, afirma. ?Protesto não existia. A contestação era uma cópia mal tirada do punk inglês.? Fã do Ratos de Porão, banda de hardcore (ritmo mais acelerado que o punk rock) formada na Vila Piauí em 1981, João acompanhava seus shows e ficou amigo dos músicos. Em 1983, com a saída do baterista Betinho, houve um remanejamento no grupo e Gordo tornou-se o vocalista. ?Viajamos para fazer um show em Rio Claro, nesses ônibus de linha. Piramos e rasgamos os bancos. A polícia bateu muito na gente, cara.?

Sem recursos, o Ratos de Porão tocava com instrumentos emprestados. Suas primeiras palavras no palco foram xingamentos pesados, dos quais não escaparam nem Deus nem a Rede Globo. Naquele ano, gravaram Crucificados pelo Sistema, primeiro de seus treze discos. Com a cena punk em declínio, o grupo se desfez antes de o disco completar um ano nas lojas. Em 1986, os integrantes do Ratos se reencontraram para tocar. O retorno rendeu comentários irados dos punks ortodoxos (?Punks burros, cara?), que passaram a enxergá-los como traidores. Em 1989, gravaram em Berlim o disco Brasil, o primeiro no exterior.

Por aqui, o Ratos nunca foi um estouro. Cada disco vende, em média, 10.000 cópias. O estilo da banda, com marteladas aceleradas de bateria, cordas ensandecidas e os berros roucos de João Gordo, não é lá algo que seduza multidões. Os shows raramente atraem mais de 1.000 pessoas. Na Europa, a penetração da banda é significativa. No site de busca Google há mais de 9.600 registros do Ratos, a maioria em endereços europeus. ?Hoje, não posso dizer que sou um punk?, assume João. ?Da minha época, quem não casou tá em cana. Quem não tá em cana morreu de Aids. Quem não morreu de Aids virou crente. Pelo menos, eu tô igualzinho ao que era há vinte anos.?

Pode ser um choque para muita gente, mas também tenho meu lado punk. João Gordo é uma pessoa inteligente, um profissional brilhante e uma figura importantíssima no cenário artístico. Ele tem espinhos por fora, mas é uma mãe por dentro. A impressão visual que causa, seu uniforme de defesa, esconde um ser humano extremamente sensível, nada agressivo, bom e correto. Fiz questão de convidá-lo para meu programa Passando a Limpo, na TV Record, porque sei do apreço que parte da juventude tem por sua música. Humilde, não entendeu o convite. Ele não acredita que é importante. A entrevista foi excelente, ele falou palavrões como numa conversa informal, sem chocar as pessoas. Foi, também, um dos melhores depoimentos antidrogas que já vi. Cheguei a cantar ?Vomitaram no trem pedacinhos de arroz com carne…? (música de domínio público). Ele tem um valor muito grande como comunicador. Cantando ou falando, é ouvido pelos adolescentes. Ao usar expressões escrachadas, atinge tanto os jovens da periferia quanto os dos Jardins e de Alphaville. João expõe a linguagem cifrada das tribos urbanas. Assistir a seu programa é uma das maneiras de compreender as facetas da juventude. Nas perguntas que faz estão as curiosidades, os anseios, os maneirismos, a crítica e até uma visão que seu público tem do Brasil e do mundo.

    
    
                     

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