Friday, 11 de October de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1309

Gilberto Dimenstein

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AINDA ACM & ARRUDA

"Atenção, políticos: é só o começo", copyright Folha de S. Paulo, 27/05/01

"Nem o mais experiente dos analistas políticos ousou prever que o senador Antonio Carlos Magalhães fosse obrigado a anunciar tão rapidamente a renúncia a seu mandato. Por quê?

Da condição de principal acusador das imoralidades públicas, temido e reverenciado, ele acabou isolado, acusado de falta de decoro, sem alternativa, exceto a retirada estratégica para evitar humilhação ainda maior.

Apenas as evidências do seu envolvimento na invasão do painel eletrônico do Senado, por mais escandalosas que sejam, não explicam plenamente a rapidez da trajetória da notoriedade à marginalidade política.

A irritação que o senador provocou no presidente Fernando Henrique Cardoso ao apontá-lo como conivente com a roubalheira, a sucessão ao Palácio do Planalto e a guerra pessoal que travou com Jader Barbalho, transformado em peça decisiva no processo de cassação depois da votação no Conselho de Ética do Senado, influenciaram em parte nessa pressa. Mas a questão vai além.

Há alguma coisa nova. E essa coisa se chama política em tempo real. Assim como tudo na cultura do tempo real, marcada pelo instantâneo e pelo interativo, experimenta-se outro patamar de velocidade no fluxo de informações e na interferência do cidadão diante do poder.

Além dos vários fatores políticos e das evidências de mazela, a TV Senado, transmitindo ao vivo as sessões e colocando na tela o e-mail de cada senador, compõe o cenário para entender a degringolada meteórica de José Roberto Arruda e de ACM.

Já seria suficientemente inibidora aos homens públicos a transmissão direta pela TV de seus atos e opiniões. Acrescente-se o correio eletrônico, habilitando o eleitor cidadão, só com um toque no teclado do computador, a distribuir pancadas virtuais. Mas talvez transformadas em reais na hora das urnas. ?Tivemos que criar um aparato, apenas para atender a nova demanda. Nossas linhas telef&ocircocirc;nicas ficavam congestionadas?, afirma Aloízio Oliveira, diretor da TV Senado.

O ápice da audiência aconteceu durante a acareação entre Arruda, ACM e a ex-diretora do Prodasen Regina Célia Borges. ?Foram 14 emissoras de TV e outros tantos sites transmitindo nossas imagens?, orgulha-se Oliveira.

É só o começo.

A TV Senado é apenas um detalhe na combinação de aumento da escolaridade com novas tecnologias de comunicação e expansão das telecomunicações -uma mistura que mexe nas estruturas de poder.

Apesar do crescimento da transmissão de imagens, som e dados via cabo ou linha telefônica, o acesso à informação ainda é ridículo.

Exemplo: os canais por assinatura, que transmitem a TV Senado, chegam somente a 3 milhões de residências. Traduzindo: apenas 12% dos lares dispõem de assinaturas -81% deles nas classes A e B. Há muito espaço para crescer, mesmo nas famílias de maior poder aquisitivo.

Só recentemente uma linha telefônica deixou de ser artigo de luxo. Importa é que, nesses dutos, a tendência inexorável é o aumento do acesso à internet, inclusive nas camadas populares. A Microsoft está lançando um computador de R$ 700,00 que permite o acesso à internet. Ao mesmo tempo, alia-se com grupos econômicos para oferecer um financiamento especial aos compradores do computador popular. O Ministério das Comunicações mostra-se disposto a entrar na briga e a bancar um modelo similar, desenvolvido pela Universidade de Minas Gerais, com a venda financiada pelo Banco do Brasil e pela Caixa Econômica Federal.

Assim como a TV, o computador vai deixar de ser um produto para poucos.

A lei determina que 1% da receita das empresas de telecomunicações seja destinada à universalização dos bens da era digital, para atingir especialmente as escolas, os centros culturais e as bibliotecas públicas. Isso significa R$ 1 bilhão por ano -e a maior parte desse dinheiro irá para as escolas de ensino médio.

Várias empresas de telecomunicações, entre elas a Telefônica e a Telemar, já estão drenando recursos para colocar as salas de aula na modernidade digital.

Se informação é poder, o acesso à informação significa a repartição do poder. Por isso é melhor que os políticos que não queiram dançar como ACM dançou prestem atenção à nova regra do jogo.

É uma regra que diz respeito não só aos políticos mas a qualquer um que se veja obrigado a ser testado pela opinião pública -seja por suas idéias, seja por suas atitudes, seja por seus produtos.

PS – Por falar em educação, tomei contato na semana passada, no Ceará, com uma das mais bem-sucedidas experiências brasileiras para melhorar o desempenho dos professores. Um grupo de empresas privadas criou um fundo para premiar a produtividade em sala de aula. Periodicamente, são feitos testes com estudantes de escolas públicas. Escolhem-se os 50 mil mais bem colocados. O professor recebe R$ 6 toda vez que um dos seus alunos entra na lista. Um deles chegou a ganhar R$ 6 mil em apenas um mês. É mais do que ganharia por ano. Resultado: os professores brigam para melhorar o rendimento escolar de seus alunos e, assim, serem premiados."

"A estrela baiana sou eu", copyright O Globo, 27/05/01

"Seis meses depois de lançar o CD ?Noites do Norte?, Caetano Veloso prepara sua volta aos palcos. Como a estréia do show homônimo foi adiada para 7 de junho, numa atitude inédita na música popular, no próximo fim de semana, o cantor fará ensaios abertos, com preços populares, no Canecão. E, depois de nos últimos meses ter evitado a imprensa, nessa entrevista ao GLOBO posiciona-se em relação à política brasileira. Declarando-se desiludido com os rumos da nação – ?Estou de saco cheio!? – Caetano delimita suas diferenças em relação ao governo FH e refuta a idéia de que estaria automaticamente apoiando o conterrâneo ACM.

Por que, ao receber o troféu de melhor cantor no Prêmio Multishow, você disse só ficar feliz quando canta?

CAETANO VELOSO: Tim Maia dizia que quando não estava cantando podia fazer besteira. E eu que, quando não estou cantando, acho o mundo chato. Gosto da festa do prêmio, mas o prêmio para mim não é uma coisa que me agrade muito, nem acho que mereça se comparado aos que estavam concorrendo comigo e aos outros que estão aí e são bons. Nem ao que passou o prêmio a mim, Djavan. Mas o que eu gosto mesmo é de cantar. Todos os dias eu melhoro somente por ter estado cantando no ensaio do show. Então, aquela hora me dá uma alegria.

Você falou genericamente do mundo, mas se percebe, desde o CD ?Livro?, e agora com ?Noites do Norte?, que, sem abrir mão de sua brasilidade, sua música é melhor recebida pela crítica estrangeira do que aqui no Brasil…

CAETANO: Sem dúvida eles mostraram muito mais entusiasmo. Eu pessoalmente fiquei entusiasmado com o disco e gosto que ele tenha tido esse reconhecimento internacional. Mas, olhando para o mundo, está difícil. Por exemplo, acho chato os talibãs derrubarem as estátuas de Buda. Aquilo para mim é um coisa horrenda. E me sinto cansado de pensar, ?poxa, a gente ainda tem que passar por isso?. Não gosto muito de religião, mas gosto de Buda. E reconheço a importância do Islã nessa caminhada no sentido de um monoteísmo radical, e de como o mundo árabe foi importante na História. Mas essa idéia ainda é uma idéia central a ser resolvida nas discussões do Ocidente. Dos lugares do mundo que eu mais gosto, qualquer pessoa que viaje comigo através dos anos poderá confirmar isso, é Israel. Gosto espontaneamente daquilo ali e sinto coisas muito profundas quando estou lá, me identifico. Mas o momento é difícil.

E o Brasil?

CAETANO: A própria idéia do Brasil como nação me cansa, estou de saco cheio. E não posso ver mais ou menos na opinião pública uma conclusão não-autorizada de que eu seria um apoiador do governo Fernando Henrique Cardoso. Ou que houvesse uma identificação entre mim e a minha visão de mundo e o governo Fernando Henrique. Não votei em Fernando Henrique para o segundo mandato, acho inaceitável que o governo dele deixe as coisas chegarem a esse ponto, tanto no caso da CPI da Corrupção, de ter que agir do jeito que agiu, quanto no caso da energia. Nisso é inaceitável dizer que foi pego de surpresa. E depois, na CPI da Corrupção, eu concordava com algumas coisas que Dora Kramer disse e Arnaldo Jabor diz, mas não posso aceitar que o pessoal do PSDB aja como fosse uma espécie de UDN mais esnobe porque resolveu sujar as mãos. Pensam que são mais chiques ainda porque resolveram reconhecer que a política precisa ter algo de jogo sujo. Acho uma tristeza dizer que o governo de Fernando Henrique parece pecar justamente pela burrice e que o PSDB em geral tenda a isso. O próprio desenrolar da relação de Fernando Henrique com o PFL terminou mal-acabado. Quando você vê ele mais perto de Jader Barbalho, de Wellington Moreira Franco, para poder se livrar de Antonio Carlos, acho horrível tudo isso.

E a outra associação, que muita gente ainda faz, de você com Antonio Carlos Magalhães?

CAETANO: A associação automática com Antonio Carlos Magalhães é simplesmente ofensiva. Eu fui numa conferência sobre tropicalismo, na Faculdade Candido Mendes, e as pessoas eram excelentes, tanto na mesa quanto na platéia, todas as perguntas e as conversas foram de grande civilidade, mas um jornalista, que foi lá para tentar me pegar, porque sabia que estaria ali, na saída gritava no microfone: ?E ACM? O que é que você diz de ACM?? Eu me senti ofendido. Por que tenho que prestar contas de ACM? Porque sou baiano? Isso é racismo oficial? A imprensa adora Antonio Carlos Magalhães, mas a estrela baiana aqui sou eu. E ninguém vai me fazer tomar o espaço da reportagem sobre o meu show para encher o jornal mais de Antonio Carlos Magalhães. Agora, nunca, em toda sua história política, que pode estar e pode não estar acabando neste momento, Antonio Carlos contou com o meu apoio político. Mas não quero me vangloriar disso neste momento. Acho que ele fez por merecer as dificuldades porque está passando, mas não tenho obrigação de me pronunciar sobre isso, e não ter me pronunciado significa que não tenho nada a contrapor ao que está sendo decidido no Senado. Mas uma coisa é inegável: na Bahia, Antonio Carlos foi o maior talento político que se produziu. E ele se produziu contra coronéis muito mais retrógrados que, depois, vieram se unir com a esquerda todas as vezes que a esquerda quis derrubá-lo. Com a qual eu colaborei nas campanhas para tentar derrubá-lo. Mas o fato é que são coronéis do sertão, daquele estilo antigo, anteriores e muito mais arcaicos que Antonio Carlos. E, além do talento político para se manter no poder, ele sabe vincular isso à capacidade de administração, e reuniu nos últimos anos muitos administradores competentes. Salvador tem um prefeito que toda Salvador gosta muito e é da turma dele. Ele tem feito uma prefeitura admirável. Mas não vi um levante dos baianos em favor de Antonio Carlos, não vi Ivete Sangalo, Daniela Mercury, Gil, Caetano, todo mundo correndo para apoiar ACM. Ficaram Gal e Zélia, os únicos nomes de status artístico ali. E, enquanto isso, os estudantes estão saindo para protestar. A minha posição não mudou, nunca apoiei e não é agora que iria apoiar. Mas tampouco quero tirar proveito. Dizer ?nunca apoiei Antonio Carlos? para parecer bacaninha. Da mesma forma que também não critico Fernando Henrique para isso. O que quero é assustar os chatos, afastar os chatos da minha vida. Sejam fãs, compradores, consumidores, admiradores… Não quero gente chata atrás de mim.

Em entrevista ao GLOBO, Dori Caymmi disse que ?a Bahia hoje é uma coisa pavorosa?, mas que, mesmo sendo contrário a ACM, condena o patrulhamento que Gal Costa e Zélia Gattai sofreram por apoiarem o senador. Como você vê as declarações de Dori?

CAETANO: O que mais gostaria de comentar é o novo disco de Dori. É uma das coisas mais lindas que ouvi ultimamente, que mais me tocaram. É o disco brasileiro mais profundo em muito tempo, mais rico musicalmente e mais contundente na mensagem estética e histórica. O que mais ressalta para mim é que neste momento Antonio Carlos Magalhães precisou da Gal. Nunca na minha mente encontrei em nenhuma instância um momento ou situação em que Gal precisasse de ACM para ser quem ela é. Então, as coisas não podem ter esse peso desse jeito. Leio muito nos jornais o que está acontecendo, Janio de Freitas, Márcio Moreira Alves, acompanhei na TV os depoimentos no Senado e a acareação, e é tudo muito complexo. É evidente que, quando Dora Kramer escreveu dizendo que o que a CPI da Corrupção queria era instaurar, ao mesmo tempo, uma mistura de oportunismo e irresponsabilidade e que era uma confusão desnecessária, concordo com ela. E nesse ponto, portanto, também concordo com Fernando Henrique. Porém também concordo quando perguntam por que o governo não tomou precauções mais sensatas mais cedo e deixou acontecer o que parece pior para a opinião pública, o que faz a cara do governo parecer a mais feia possível, que foi essa liberação de verbas na última hora para a compra de deputados para que não houvesse a CPI da Corrupção. Então, acho o mundo chato com tudo isso. Não posso ser confundido com essa confusão. Eu sou um artista."

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