Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Giles Whittell


GUERRA NA MÍDIA

"Equipamento moderno significa revolução na cobertura de guerra", copyright The Times / O Estado de S. Paulo, 4/11/01

"São 4 horas. Está escuro e o ar é gelado. A estrada à frente está esburacada, mas os postos de controle estão desertos. Você está prestes a tornar-se o primeiro jornalista ocidental a entrar em Cabul depois da retirada dos taleban e poderá conseguir um furo de reportagem capaz de fazer carreira.

Mas há – ou haveria – um obstáculo, se você não fosse um voraz comprador de aparelhos eletrônicos de consumo. As baterias do palmtop e do telefone portátil por satélite estão com sua carga criticamente baixa porque o último gerador em funcionamento estava em Mazar-i-Sharif. Mas você fica calmo.

Quando o sol se levanta sobre a capital afegã em ruínas, você puxa um painel solar que custa US$ 190, carrega o palmtop e começa a digitar.

Como repórter da imprensa escrita, você era um dos menos visíveis no exército da mídia ocidental acampado no território da Aliança do Norte, o que lhe permitiu escapar furtivamente com os primeiros soldados que avançam, sem ser notado pelos rivais. A diferença de sete horas no fuso horário significa que a reportagem histórica que você despachou de madrugada vai pegar a última edição lá em Londres. E estará nas ruas dentro de alguns minutos.

Mas a cavalaria vem atrás, bem perto. A miniaturização e digitalização implacáveis reduziram tanto o tamanho da tecnologia usada pelos fotógrafos e equipes de TV que eles podem agora enviar imagens instantâneas dos lugares mais primitivos do planeta com equipamentos trazidos numa sacola. As implicações são na realidade imensas para os políticos. Na última vez que os repórteres ocidentais estiveram em massa no Afeganistão, após a invasão russa, o transporte era em grande parte feito a pé e as reportagens podiam levar até um mês para chegar. Agora, como a diferença de horário raramente dá mais de um dia, os jornalistas tem prazos mais apertados, mas sua carga é mais leve.

?Se você fosse a uma zona de guerra há 15 anos, iria com duas grandes pastas, uma delas era uma câmera-escura portátil e a outra um scanner e uma máquina de transmissão por telex?, diz Simon Walker, fotógrafo do Times.

?Você tinha também suas câmeras fotográficas e um estoque de filmes e precisava encontrar uma linha telefônica. Agora, eu carrego duas câmeras digitais, minidiscos rígidos, em vez de filme, um telefone por satélite e um laptop. Posso despachar fotos de qualquer lugar. Os maiores problemas são manter-se vivo e feliz.? O item mais pesado do kit de Walker é um colete à prova de balas.

Em meados de 1980, Walker enviou uma única foto em branco-e-preto para Londres, do navio Greenpeace, usando uma das primeiras conexões pelo satélite Immarsat. A transmissão demorou 25 minutos e custou US$ 2.550.

Quinze anos mais tarde, os últimos modelos de telefone por satélite fazem com que até mesmo os mais modernos, usados em Kosovo, pareçam antiquados. Ao preço de cerca de US$ 10.200, eles têm antenas desdobráveis que oferecem acesso de alta velocidade à Internet e permitem aos fotógrafos enviar fotos em cores com qualidade de revista em menos de 1 minuto. E também são uma parte vital do campeão tecnológico da atual guerra de mídia – o videofone."

 

"Taleban liberta jornalista francês", copyright Folha de S. Paulo, 4/11/01

"O jornalista francês Michel Peyrard, da revista Paris-Match, foi solto ontem pelo regime extremista Taleban, que controla a maior parte do Afeganistão, segundo a agência de notícias afegã ?Afghan Islamic Press? (AIP).

O repórter da publicação francesa estava detido desde o dia 9 de outubro, quando entrou no país ilegalmente vestido com uma burga, tradicional vestimenta das mulheres afegãs, junto com dois outros jornalistas do Paquistão.

Não há informação se os paquistaneses também foram liberados. A única notícia sobre os jornalistas do Paquistão foi divulgada semana passada pela própria Paris-Match, segundo a qual eles também deveriam ser soltos junto com Peyrard.

O regime extremista dizia suspeitar que Peyrard não tivesse entrado no país com fins jornalísticos. Segundo o Taleban, o repórter seria um espião.

Porém, após investigações, de acordo com declarações do embaixador do Taleban no Paquistão, Abdul Salam Zaeef, ?revelou-se que o repórter francês era realmente um jornalista, não um espião. Por esse motivo o governo afegão decidiu soltá-lo?.

Peyrard cruzou a fronteira do Afeganistão com o Paquistão ontem. O jornalista deveria seguir para Islamabad, capital paquistanesa, de acordo com fontes diplomáticas francesas. Em entrevista concedida para a rede de TV BBC, do Reino Unido, duas semanas atrás, o francês havia dito que estava sendo bem tratado pelos integrantes do Taleban.

Antes de Peyrard, outra jornalista havia sido detida pelo Taleban por ter entrado ilegalmente no país. A britânica Yvonne Ridley, da publicação ?The Sunday Express?, de Londres, ficou presa por dez dias sob a mesma acusação que pesou sobre o francês. Ela também foi solta.

Pouco antes do início dos bombardeios o Taleban expulsou todos os jornalistas estrangeiros do Afeganistão. Ontem, o regime advertiu os jornalistas para não tentarem ingressar de forma ilegal no país. O chefe do serviço de inteligência do Taleban em Jalalabad, o mulá Takhmir, disse possuir a informação de que a CIA e agências britânicas estariam enviando agentes ao Afeganistão disfarçados de jornalistas."

 

"Parece perverso", copyright Folha de S. Paulo, 1/11/01

"Saiu a audiência do cabo nos EUA -e a guerra já não interessa tanto aos americanos, com antraz e tudo.

Somado outubro inteiro, a CNN foi líder. Mas, na última semana do mês (22 a 28), caiu para o oitavo lugar.

Outros canais de notícias, como Fox News, caíram em proporção semelhante, segundo a Nielsen, o Ibope de lá.

Com ou sem queda de audiência, a CNN acaba de protagonizar o novo deslize da TV americana.

Howard Kurtz, apresentador da própria CNN e colunista do ?The Washington Post?, tornou públicos dois memorandos internos da emissora.

Um deles é do presidente da CNN. Dizendo que ?parece perverso focar demais nas vítimas no Afeganistão?, recomenda:

– À medida que obtemos boas reportagens do Afeganistão controlado pelo Taleban, temos que redobrar os esforços para deixar claro que não estamos noticiando da perspectiva deles.

Temos que falar como o Taleban usa escudos civis e como o Taleban abrigou os terroristas responsáveis pela morte de perto de 5.000 inocentes.

Quem assistiu ontem à CNN, pelo mundo afora, ouviu frases iguais a essas duas do memorando, da parte de correspondentes que soavam artificiais -e até contrariados. O segundo memorando, do chefe de padronização e práticas da CNN, sugeriu textualmente várias outras frases a serem usadas ?toda vez?. Frases que também seriam ouvidas nas transmissões. Um exemplo:

– O Pentágono tem dito repetidamente que está tentando diminuir ao mínimo as vítimas civis no Afeganistão, ainda que o regime do Taleban continue a proteger terroristas que são ligados aos ataques de 11 de setembro, que levaram à perda de milhares de vidas inocentes nos Estados Unidos.

Vale registrar que esse e outros textos sugeridos aos -e adotados pelos- correspondentes da CNN, de tão esdrúxulos, nem parecem escritos por redatores do canal.

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A preocupação da CNN com as ?boas reportagens do Afeganistão controlado pelo Taleban?, vale dizer, com as boas reportagens que obtém do Al Jazeera, coincidem com novas críticas do governo Bush ao canal do Qatar.

O secretário Donald Rumsfeld, que semanas atrás foi entrevistado no Al Jazeera, falou no fim de semana à ABC que o canal tem um ?padrão? de divulgar ?propaganda? para Osama bin Laden."

    
    
                     
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