Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Globo e globalização, eis a questão

O saldo dos necrológios de Roberto Marinho publicados em nossa imprensa entre quinta-feira (7/8) e segunda (11/8) confirma a impressão sobre a precariedade do biografismo brasileiro ou luso-brasileiro. Tirante edições especiais e alguns testemunhos brilhantes, os perfis biográficos deixaram a desejar.

Embora obituários tratem de finados e biografias, de vidas, os gêneros se sobrepõem: objeto de ambas são os percursos humanos com os dados essenciais sobre a figura, as passagens cruciais da sua existência e, sobretudo, os seus traços marcantes. No afã de lustrar ou deslustrar, esquadrinhar atributos ou desdouros, deixou-se de lado a centelha, a faísca que acende um ser ? grande ou pequeno, não importa ? e torna palpitante a sua trajetória.

O “doutor Roberto” foi antes de tudo um jornalista, e um grande jornalista. Empresário ou construtor de um império são qualificações adicionais: suas formas naturais de ser e agir eram as de um jornalista. Há atividades que se transformam em segunda natureza ? o jornalismo é uma delas. No jornal forjou o seu profissionalismo e seu talento para criar, na redação fabricou a fibra, no convívio com os companheiros desenvolveu sua fidalguia e generosidade.

E porque era um jornalista queria participar, influir, intervir e mesmo protagonizar. Hoje estamos descobrindo que essas tentações podem desaguar na onipotência, mas é difícil encontrar na sua geração e mesmo nas imediatamente próximas um jornalista que tenha conseguido resistir ao fascínio exercido pelo poder.

Assis Chateaubriand construiu um império mas o destruiu com a mesma sofreguidão. Ainda em vida. Não teve estofo para mantê-lo, arruinou-o e ainda que tenha dirigido jornais e escritos artigos diários pelo país afora não tinha apreço pelos jornalistas ? a não ser aqueles que faziam parte do seu séqüito e juntavam as migalhas das suas negociatas.

Um desses necrológios sobre Roberto Marinho tentou tirar do esquecimento a figura de Adolfo Bloch, o empresário que entrou para a história do jornalismo porque era essencialmente um gráfico. Muitos jornalistas de talento começaram nas “oficinas” (no tempo em que parte do jornal era feito “lá embaixo” ? Irineu Marinho, pai de Roberto, começou como revisor e os revisores não ficavam longe da composição).

Mas Adolfo Bloch era um gráfico que não tinha respeito pelas palavras, pelo intelecto e pelo sentido moral que deve acompanhar as ações humanas. Seu desprezo pelos jornalistas não se compara ao de Sílvio Santos porque precisava de jornalistas e escritores para encher as páginas de suas revistas e, depois, o tempo de suas emissoras de TV.

Alguns dos textos sobre o papel político de Roberto Marinho foram escritos com rancor e uma forte dose de amnésia. Seus autores não gostam de lembrar que o Correio da Manhã comandou a adesão da imprensa à conspiração militar de 1964, que as “Folhas” (Folha de S.Paulo e a extinta Folha da Tarde) funcionaram durante algum tempo como extensões dos órgãos de segurança e que a balela do “milagre brasileiro” foi inventada na revista Manchete e financiada pelos cortesãos de Delfim Neto que preparavam a candidatura do coronel Mário Andreazza à presidência da República. Não querem saber que em 1979 foi lançado em São Paulo um diário que se pretendia de esquerda chamado Jornal da República com dinheiros de Paulo Maluf, via Vasp (então propriedade do governo do Estado).

Estes deslizes cometidos pelas vacas sagradas do jornalismo progressista não justificam os erros políticos cometidos por Roberto Marinho mas não deveriam passar despercebidos em análises midiáticas que se pretendem acima do bem e do mal.

Imperdoável esquecer que a única derrota empresarial sofrida por Roberto Marinho foi-lhe imposta pelo arquimafioso Silvio Berlusconi, que tentou por todos os meios impedir a consolidação da Telemontecarlo na Itália. No atual panorama da comunicação globalizada este é um dado que não poderia ser desconsiderado.

Pranteada a figura, rendidas as justas homenagens e merecidos tributos, o que interessa neste momento é o futuro:

** Como criar no país outras grandes corporações jornalísticas num momento em que as atuais empresas, além de quase falidas, estão sendo comandadas por administradores, financistas, engenheiros, empresários e fazendeiros?

** Onde estão os jornalistas que vão criar e comandar as empresas de comunicação dos próximos 10 anos?

** Quem vai disputar com as Organizações Globo a hegemonia da mídia brasileira?

** Qual o conglomerado jornalístico brasileiro capaz de abiscoitar uma fatia do mercado internacional?

** Em outras palavras, vamos ficar de fora da globalização da informação?