Wednesday, 09 de October de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1308

Gênero opinativo

SALA DE AULA

Pedro Celso Campo (*)

1. Modos de opinar

Muito antes de ser informativo ou interpretativo o jornalismo foi opinativo, como se via no panfletismo ideológico da Revolução Francesa. Na segunda metade do século 19 e nas primeiras décadas do século 20, o atual jornalismo empresarial dos EUA não destoava de escolas jornalísticas da época, como a francesa e a inglesa: praticava-se um jornalismo muito mais opinativo e tendencioso do que informativo. O veículo era usado apenas para manipular os fatos de acordo com os interesses do grupo ou da família proprietária do jornal ? o que ainda ocorre, em pleno alvorecer do Terceiro Milênio, em muitas cidades do interior do Brasil, como verificam os próprios estudantes de Jornalismo.

Eles se escandalizam com o vexame diário ou semanal dos jornais de suas cidades, que se agridem abertamente porque um é do partido do prefeito e outro é da oposição. O leitor é usado como massa de manobra enquanto lê xingamentos de um lado e elogios do outro. Um vale-tudo à moda antiga.

Nos anos 30, com o bom êxito do jornalismo interpretativo nascente, os dirigentes de jornais observaram que tinham em mãos um negócio de futuro. Assim, os jornais foram se profissionalizando e se organizando em empresas bem-estruturadas.

Cada gênero passou a ter sua valorização específica. A notícia ganhou formato de indagação imparcial sobre os fatos, condensando no lead tudo o que era preciso para prender a atenção do leitor interessado na informação. A reportagem mais profunda procurava interpretar a realidade consultando especialistas nos assuntos tratados e esclarecendo as origens, as circunstâncias e as conseqüências do fato.

Mesmo o gênero recreativo, voltado para o lazer do leitor, ganhou espaço destacado e colorido nos cadernos especializados ou mesmo nas crônicas do primeiro caderno, ou ainda no próprio estilo de escrever com graça e humor.

O opinativo ganhou a página dois para o editorial da empresa, além de artigos assinados. Colunas e demais textos assinados, em todo o jornal, revelam a característica de um texto voltado para a persuasão opinativa. As próprias agências passaram a enviar despachos devidamente assinados pelos seus melhores repórteres. Os jornais distribuíram correspondentes, que passaram a enviar matérias opinativas.

A opinião, no sentido ideológico, perpassa, na verdade, todo o processo jornalístico. A seleção do que publicar a cada edição envolve opções assim descritas por Schramm e Porter, em Men, Women and Media: Understanding Human Communication, in R. S. Wurman, Ansiedade de informação (São Paulo, Cultura, 1991), citado por Serva (2001):


"A mídia de massa seleciona e processa informação para torná-la disponível o mais depressa possível. Essa seleção lhe dá o controle do fluxo de informação que circula pela sociedade. Os pontos de controle estão em todos os níveis, indo do repórter que seleciona os fatos ao editor que decide o que eliminar, ao cameraman que escolhe para onde apontar a câmera, ao editor de vídeo que deixa uma parte desse material no chão da sala de corte. (…) Em nenhuma outra parte esse processo da seleção é tão dramático como na atividade jornalística. Um jornal que receba notícias da Associated Press tem perto de 1 milhão de palavras para escolher apenas dessa fonte."


O processo de edição ? permeado de opinião, como se vê ? tem o objetivo de "apresentar um cardápio de notícias ocorridas em tempo recente, permitindo ao leitor compreender o que ocorre em seu mundo" (Serva, 2001).

No entanto, no que se refere ao instante de confecção do texto, não raro há dúvida se o texto assinado ou editorial deve refletir a opinião do autor ou a opinião geralmente aceita para o caso. São coisas distintas. (Virou folclore a triste história do jornalista Alcindo Guanabara, do Jornal do Commercio, do Rio, que, ao receber a tarefa de escrever um artigo sobre Cristo na Semana Santa, indagou ao diretor: "A favor ou contra?"). Quem escreve a crítica sobre uma nova peça de teatro ou a reportagem sobre um ator cômico deve ter compromissos com o teatro, não com a peça em si ou com aquele ator em particular, exemplifica Nilson Lage (2001). No caso de um comentarista político, em outro exemplo, "afastando-se aparentemente da objetividade narrativa, ele procura, na sua análise, e apesar da impressão em contrário que possa produzir, uma precisão maior. Cabe-lhe tentar a captação de todos os fatores, de todas as circunstâncias em que se desenrola e se desdobra o acontecimento", ensina Carlos Castello Branco.

Geralmente o repórter já "tarimbado", já conhecido do público, sente-se mais seguro e com melhores credenciais para emitir opiniões e conceitos (como faz Joelmir Betting na área econômica), enquanto o iniciante deve ter a prudência de calçar seus argumentos com referências a especialistas, praticando mais a interpretação enquanto vai ganhando fôlego para a grande responsabilidade de colocar o nome em jogo num texto opinativo, que é uma espécie de "vôo solo" no jornalismo. Para os pilotos, o vôo solo é o momento do tudo ou nada na profissão de aviador. É acerto consagrador ou erro desastroso. Por isso os instrutores só deixam o aluno solar quando está devidamente preparado.

Imaginar que emitir opiniões assinadas num jornal é menos perigoso do que pilotar um avião como aprendiz, sozinho, é ledo engano. A palavra publicada é uma arma poderosa e fatal. Engrandece ou aniquila, eleva ou derruba, estimula ou desanima. Uma vez publicada, a palavra não volta mais, por mais que se retifique. Sem contar que opiniões desastradas podem bater de frente com a opinião geral da empresa. Seria acreditar no Coelhinho da Páscoa ignorar que o jornal é um negócio destinado a dar lucro e que a notícia é, realmente, um produto à venda.

Luiz Amaral confirma que "o colunista não pode ser, de forma alguma, um jornalista inexperiente… ele não pode ficar, jamais, no subúrbio da notícia". Significa que opinará com mais segurança ? e assim prestará melhor serviço de orientação ao leitor ? o colunista que tiver as melhores fontes e que reunir condições de respeito e confiabilidade para circular nas salas e ante-salas de ministérios, autarquias, embaixadas, grandes empresas, sindicatos, reuniões sociais etc. Sobre a importância do colunismo no gênero opinativo, embora criticando a arrogância de alguns que se consideram "o sal da terra", lembra Luiz Amaral que "homens de negócio, publicistas, ministros e governadores não passam sem a leitura de sua coluna preferida, quando não duas ou três". E explica por que:


"O motivo desse prestígio é que a coluna não é o resumo dos principais acontecimentos do dia, mas a explicação íntima desses fatos, o dado que faltou ao grande noticiário e que não chegou ao conhecimento do público, o lado pitoresco do acontecimento, o detalhe curioso, a história particular de cada decisão. O colunista concorre com o repórter, o comentarista e o redator. Do primeiro, há que ter o gosto pelo furo, da notícia em primeira mão; do segundo, a sagacidade, a agudeza de espírito, a perspicácia de dizer o máximo com o mínimo de palavras. E a tudo isto somar o bom-humor constante e a originalidade, a fim de tornar sua coluna um lugar sempre atraente."


2. Tipos de opinião

Procurando explicar melhor os gêneros opinativo e interpretativo, Mário Erbolato registra as seguintes particularidades:


1?) A meta do jornalismo interpretativo é aquela que o termo sugere: clareza e ilustração, inclusive recorrendo a opiniões de especialistas. Este gênero tornar-se-á falso e enganoso se for usado para dirigir ou condicionar a opinião do público.

2?) Os editoriais podem, legitimamente, esclarecer, ilustrar opiniões, induzir a ações e até entreter. O editorial é institucional. É o pensamento oficial do jornal. A notícia interpretativa é ponto de vista de quem organiza o texto e de quem decide ouvir este ou aquele especialista para ilustrar a matéria.


Para Rabaça e Barbosa, citados por Elisa Kopplin e Luiz Artur Ferrareto, em Assessoria de Imprensa ?- Teoria e Prática, Porto Alegre, Sagra-Luzzatto, 1993), "interpretar é contextualizar para tornar a informação mais explícita. Opinar é fazer juízo do assunto, é emitir ponto de vista a respeito".

Enquanto na matéria interpretativa o texto leva o crédito do autor, o editorial é anônimo, embora de responsabilidade do diretor ou redator-chefe.

No entanto Luiz Amaral (1997) adverte:


"Independentemente da posição assumida pela empresa e da formação filosófica do comentarista, que, ao menos, o texto (editorial) seja assentado em princípios morais, no respeito à pessoa humana e à sua vida privada. Injúrias, ofensas e agressões pertencem ao panfleto. O pior defeito do editorial é o ataque pessoal e se conhece logo o mau editorialista quando procura esse caminho fácil."


Opina-se, então, nos editoriais, nas colunas, nas crônicas, nos artigos, nas cartas dos leitores e, também, no modo de apresentar a matéria, no corte de uma foto, no destaque escolhido para cada parte da matéria, afinal, emitem-se opiniões de mil e uma maneiras.

Segundo Luiz Beltrão (Jornalismo Opinativo, Porto Alegre, Sulina, 1980), "o jornal tem o dever de exercitar a opinião: ela é que valoriza e engrandece a atividade profissional, pois, quando expressa com honestidade e dignidade, com a reta intenção de orientar o leitor, sem tergiversar ou violentar a sacralidade das ocorrências, se torna fator importante na opção da comunidade pelo mais seguro caminho à obtenção do bem-estar e da harmonia social".

Do ponto de vista legal, entre outros modos de ver o impresso, está muito presente, no jornal, a opinião estética ou ideológica. Ela é muito mais forte que a opinião explícita, porque ninguém dúvida do poder de comunicação da imagem como ícone não-verbal que atinge até mesmo os iletrados.

Por isso a Lei 5.250 (Lei de Imprensa) consagra, no Direito de Resposta, a utilização do mesmo espaço, da mesma localização na página, do mesmo corpo e dos mesmos recursos gráficos usados na matéria considerada ofensiva.

Também por isto os jornais procuram agir com imparcialidade ouvindo todos os lados e dando o mesmo espaço nas matérias mais polêmicas ou potencialmente explosivas como ocorre, por exemplo, em períodos eleitorais.

** A posição de uma matéria na página conota opinião.

** O tamanho da foto ou o conteúdo dela conota opinião.

** O corpo usado no título é opinião.

** A chamada de primeira página, em muitos casos, passa opinião. Não por seu conteúdo, mas por estar ali, valorizando a matéria lá dentro do jornal.

** Era opinativo (e denotava protesto) o espaço em que o Estadão publicava receitas de bolo ou versos dos Lusíadas em substituição a textos proibidos pela censura durante a ditadura militar.

** É opinião reeditar o debate de Lula e Collor às vésperas do pleito de modo a valorizar um e ridicularizar o outro.

** &EacEacute; opinião destacar o celular na cintura dos líderes de oposição no Protesto dos Cem Mil em Brasília (como se os líderes da situação não usassem celular) ou reduzir o número dos participantes sem critério justo.

** É opinião ignorar a pressão dos "caras-pintadas" a favor do impeachment de Collor, fingindo que nada está acontecendo, como fez a Globo.

** É opinião embarcar na arrogância americana de agir como xerife do mundo na caça aos terroristas, sem contextualizar, sem ouvir as demais vozes participantes do processo que resulta em notícia.

São muitos modos de opinar que o leitor comum muitas vezes não compreende e não percebe. O leitor ? e mesmo os repórteres iniciantes ? não tem como imaginar o que se passa entre a direção do jornal e as pessoas influentes no governo, no mercado etc. Às vezes para salvar o jornal da falência, às vezes por mera cobiça ou por jogo de concorrência, negocia-se a alma em centímetros de coluna nos fechados gabinetes oficiais ou empresariais, enquanto se cobra ética a qualquer preço dos repórteres. É nos editoriais do jornal que certos negócios escusos acabam se revelando, mas o grande público não lê os editoriais, por isso não sabe para onde caminha o jornal.

No caso da cassação de Collor, todos sabemos que o motivo foi a anunciada abertura de um jornal em Maceió que teria PC Farias como testa-de-ferro, mas que, como revelou Pedro Collor, na verdade era de Fernando Collor. Se um presidente da República precisa de um jornal para concorrer com o jornal de sua própria família, é fácil deduzir o poder de persuasão do meio impresso nas campanhas políticas. Nem é preciso recordar que José Sarney e outros caciques políticos, como Quércia, estão sempre por trás de jornais de grande circulação ou até mais de um, mesmo que o leitor comum não perceba.

3. Características

Deve-se levar em conta a avaliação de David Deitch, do Boston Globe (EUA), citado por Amaral em A Objetividade Jornalística,Porto Alegre,Sagra-Luzzatto, 1996): "A função do editorial é inerentemente tendenciosa, os repórteres têm suas próprias opiniões e os jornais, como qualquer instituição, são entidades políticas..

O público ao qual se dirige é o definidor do estilo do editorial, mas não do seu conteúdo. Acredita-se que apenas 5% do universo de leitores de um jornal leiam o editorial do dia. É um público pequeno, mas exigente. Por isso o editorial é o espaço do jornal onde se admite "norma culta" no trato da linguagem. É onde o redator brande a espada das palavras e frases com a maestria do esgrimista, costurando argumentos lógicos em busca da persuasão final. O uso da terceira pessoa é obrigatório.

Em sua tese de mestrado, defendida em 1994 na Unesp-Bauru, a professora Sônia de Brito, do Departamento de Comunicação Social (A Argumentação e a Perlocução no Discurso Jornalístico: O Editorial) relata três características básicas do editorial:


a) Topicalidade: trata de tema bem definido;

b) Condensalidade: poucas idéias, com ênfase maior nas afirmações do que nas demonstrações;

c) Plasticidade: flexibilidade, maleabilidade, não-dogmatismo.


"A finalidade do editorial é dirigir a opinião pública, persuadindo através de exortação, apelo, aviso, palavra de ordem ou constatação dos fatos", diz a pesquisadora. Ela também ensina que "o editorial moderno não é apenas opinião. Inclui análise e clarificação: expõe, interpreta, esclarece, analisa padrões e significados da caótica mistura de acontecimentos diários."

4. Técnicas

Tecnicamente o editorial ou o artigo opinativo parte de um axioma que será demonstrado em toda a sua evidência, conforme o ponto de vista do jornal (editorial) ou do articulista (artigo assinado).

Comparando a estrutura técnica dos gêneros, pode-se afirmar que a notícia informativa precisa conter basicamente as respostas pertinentes ao Que, Quem, Quando. Mas o interpretativo e o opinativo precisam aprofundar-se no Como e no Por quê, pois se trata de argumentar para chegar a uma conclusão lógica.

O axioma a ser discutido pode ser inspirado numa notícia ou declaração do dia. Uma vez exposta a informação, em curtas linhas, parte-se para a argumentação, sobrepondo linhas de raciocínio cuja estrutura vai depender do perfeito domínio do redator sobre o texto.

No fim é preciso que a argumentação caminhe para uma conclusão sobre os pontos de vista defendidos no texto, confirmando ou negando a tese pela antítese.

O editorial "Prosperidade e solidez nos EUA", publicado pelo Estadão em 4/2/2.000, reflete bem essa estrutura de persuasão. Baseando-se no noticiário daqueles dias sobre o crescimento e a estabilidade da economia americana, o editorialista abre o texto reafirmando a informação: "Depois de 107 meses de crescimento ininterrupto, a economia dos Estados Unidos continua a exibir vigor e solidez raramente vistos em qualquer outra época."

Em seguida o autor entra na fase da argumentação, levantando um debate sobre a situação. Esclarece que o Fed (Banco Central americano) tem tido o cuidado de administrar a economia mediante ligeiras elevações das taxas de juros, enquanto o mercado, com os aplicadores, tem aceitado papéis de 30 anos por um valor de face maior, o que significa que o rendimento será menor. Exposta a contradição, o editorial indaga: "Quem está certo?" No fim da ampla e bem-embasada argumentação, o editorialista conclui que sua tese (o acerto das medidas do Fed) derruba a antítese levantada no início (de que o mercado é que estaria certo), ao dizer: "A longa prosperidade também se deve à sólida base proporcionada pelo Fed e pelo Tesouro, agentes principais da política econômica."

5. Recomendações

Quem vai trabalhar na redação do jornal O Globo, do Rio, por exemplo, recebe as seguintes informações sobre o gênero opinativo, contidas no Manual de Redação e Estilo, organizado por Luiz Garcia e publicado em 1993 pela Editora Globo:


"Deve-se evitar, mesmo em textos assinados, com exceção de momentos muito especiais, o comentário que apenas registra pasmo, admiração ou indignação. Esses argumentos ? principalmente o interesse público ofendido ? são importantes, mas não bastam: precisam estar apoiados em fatos e acompanhando argumentos lógicos que conduzam a uma conclusão concreta."


E mais:


"As notícias do jornal são a matéria-prima natural da opinião, mas não a única. O artigo ou editorial realmente útil suplementa a notícia com pesquisa e informação adicional. Sem isso, será difícil escapar de observações superficiais e conclusões padronizadas. A opinião pode ser manifestada de forma leve, irônica ou séria, seca; mas lhe é proibido ser pomposa ou solene. Alguns textos do jornal parecem usar roupa esporte; outros vestem terno e gravata. O editorial está quase sempre no segundo caso ? mas não usa fraque, beca ou toga."


Márcio Moreira Alves (entrevista a Luiz Amaral. Rio, 1965) confirma este ponto de vista ao criticar o estilo editorial da imprensa da época:


"A falta de imaginação, o desprezo pelo humor, o horror ao achado lingüístico ou argumentativo são características dos editoriais da imprensa brasileira. As direções partem do princípio de que só se influi sobre a opinião pública chateando-a. Não se deixa a menor margem para o sorriso. As opiniões são lançadas como uma pedra que, do alto do morro, devesse cair na cabeça do pobre leitor desprevenido."


(*) Professor da Unesp-Bauru, SP