Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Gonçalo Jr.

TV TUPI

"Livro conta a história dos bastidores da TV Tupi", copyright Gazeta Mercantil, 21/12/01

"O melhor livro já escrito sobre a TV Tupi – primeira emissora de televisão do Brasil, inaugurada em setembro de 1950 – não está ao alcance do público. Pelo menos nas livrarias. Tupi – Pioneira da Televisão no Brasil, do jornalista José de Almeida Castro, tem tiragem de 5 mil exemplares, capa dura, papel de alta qualidade e edição da Fundação Assis Chateaubriand. Mas será distribuído apenas para bibliotecas públicas, faculdades de comunicação e profissionais da área. Não é uma obra definitiva sobre o assunto. Primeiro porque o autor escreveu apenas sobre os dois primeiros anos da Tupi, quando foram instaladas as emissoras de São Paulo e Rio de Janeiro.

Mesmo assim, tem méritos diante da pobre bibliografia que trata do mais importante e mais influente veículo de comunicação do Brasil. O livro de Castro também passou longe da tradição de bajulação a Chateaubriand que tem caracterizado os títulos lançados pela fundação que leva seu nome. Aos 79 anos, o bem humorado jornalista diz que aceitou o convite para contar a história da Tupi porque se cansou de ouvir histórias exageradas ou fantasiosas sobre a emissora. Currículo para isso ele tem, pois foi uma das figuras mais importantes dos Diários Associados, entre as décadas de 1950 e 1970. Tanto que se tornou um dos condôminos do grupo, após a morte de seu fundador – e se afastou em 1974. Graças a ele, boa parte dos documentos que atestam os primeiros momentos da televisão no Brasil foram preservados.

Parte desse material, cerca de 180 imagens, ilustra o livro. Muitas fotos são inéditas ou só saíram na imprensa da época. Com o auxílio de 18 pesquisadores e historiadores, o autor reuniu documentos, artigos, reportagens e testemunhos para contar o lento processo de adoção da TV no Brasil. Essa é, aliás, a primeira constatação de sua pesquisa: a Tupi não nasceu da noite para o dia, mas depois de um esforço de quatro anos de idas e vindas e negociações nos Estados Unidos. ?Apesar de recente como história, com muitos dos seus personagens ainda vivos, a TV coleciona um folclore imenso, que muita gente considera mais importante que a informação verdadeira?, diz o jornalista.

Foram consultadas todas as edições diárias, semanais ou mensais de janeiro de 1950 a janeiro de 1952 dos mais importantes jornais e revistas de São Paulo e Rio. A esse material foram acrescentadas gravações de entrevistas com 140 pessoas. A leitura da imprensa levou Castro a uma surpresa: o provincianismo da época. Nenhum dos diários concorrentes de Chateaubriand deu uma única linha sobre a inauguração da emissora. Por mais que a novidade tecnológica fosse um marco para a comunicação no país, foi ignorada por completo.

Metade do livro conta o lento processo de criação da Tupi. Fala principalmente dos primeiros tempos, anteriores e posteriores ao lançamento do canal, no dia 18 de setembro de 1950. A época é relembrada a partir de fatos curiosos e nomes daqueles que atuaram principalmente nos bastidores. O livro reproduz, por exemplo, o discurso de Chateaubriand na inauguração da emissora. Traz um artigo escrito pelo empresário de Nova York e publicado no dia 12 de outubro de 1949, com o título ?Televisão para mais paulistas?. Chateaubriand prometia para breve modernas emissoras para São Paulo e Rio, um privilégio para as duas maiores cidades brasileiras.

Antes de contar como a Tupi foi ao ar, o autor faz um retrospecto sobre como a TV foi inventada e de que forma surgiram as primeiras redes. Fala do pioneirismo inglês, quando a BBC manteve, a partir de 1936, duas horas de programação regular todos os dias. A eclosão da I Guerra, em 1939, levou à suspensão das transmissões. A história de como Chateaubriand viajou para comprar os equipamentos da RCA Victor nos Estados Unidos é contada em detalhes. Na oportunidade, o empresário brasileiro pôde ver, ao vivo, do alto do edifício da empresa, três monitores que exibiam imagens em cores com um panorama de Nova York. Isso mesmo, em cores, já naquela época. No mesmo encontro com a diretoria da RCA, ele foi apresentado ao russo Wladimir Zworykin, inventor da transmissão eletrônica de imagens. O brasileiro teria brincado: ?Não há comunista inteligente que não aproveite para vir gozar as delícias do capitalismo?.

Outro fato pouco conhecido foi a incursão da Tupi na produção cinematográfica, antes mesmo de a emissora ir ao ar. A idéia teria partido do próprio Chateaubriand, que nunca demonstrou paciência para ficar sentado por duas horas durante a exibição de um filme. Segundo Luiz Gallon, que participou do projeto, o primeiro longa da Companhia Cinematográfica Tupi se chamava ?Quase no Céu?, escrito e dirigido por Oduvaldo Viana. Ele convencera o dono das Associadas a bancar a produção, depois do sucesso do documentário ?Chuva de Estrelas?, sobre os radioatores da emissora, em 1946. Lançado em 20 salas de São Paulo, com o elenco da Tupi, o filme foi um sucesso. Walter Avancini e Erlon Chaves fizeram o papel de dois meninos de recado. Segundo Gallon, a produção teria estimulado até o empresário a agilizar a vinda da TV para o país.

O esforço para separar mitos, mentiras e verdades se estende a informações muitas vezes irrelevantes. Como a afirmação de que o frei José Mojica teria cantado na inauguração da emissora. Não foi verdade. O ato oficial de inauguração ocorreu no auditório da Rádio Tupi, no bairro do Sumaré, e não na sede dos Associados, na rua 7 de Abril, centro de São Paulo. Não é correto também dizer que Chateaubriand danificou uma câmera de TV porque teria quebrado uma garrafa de champanhe no equipamento. Nem que o bispo Rolim Loureiro tenha danificado o equipamento ao se exceder na dose de água-benta. A água foi jogada, mas tudo funcionou sem problemas. Outro detalhe: o Brasil não foi pioneiro em televisão na América Latina. Quinze dias antes da Tupi, os mexicanos lançaram o canal 4.

O que se fazia de programação nos primeiros dias, por exemplo, é uma das curiosidades interessantes. A emissora entrava no ar às 20h e encerrava a programação às 23h. Na segunda, a grade era aberta com ?Escola de Inglês?, apresentada pelo professor ?Mister Fisk? (alguém aí se lembra dele?), continua com ?documentário filmado?, número de circo com Mr. Broni, musical com Zezinho e seu conjunto e desenhos do Pica-Pau. Por fim, ?Imagens do Dia?, noticioso da Rui Resende Filmes. No domingo, a programação ganhava duas horas e meia a mais. Começava às 15h30, com o campeonato paulista de futebol, com Jorge Amaral e Ari Silva. Às 18h, pausa de uma hora. Voltava ao ar com um longa legendado. E só."

LADO B / SÉRGIO AUGUSTO

"Sem medo da inteligência", copyright No. (www.no.com.br), 26/12/01

"O lançamento pela Record de ?O Lado B?, de Sérgio Augusto, é, certamente, um ótimo presente de final de ano para todos os leitores. A oportunidade de se ler uma série de crônicas-ensaios do Sérgio, publicadas na paisagem B de seus recentes exercícios analíticos (?Bravo? e Bundas?, seguindo a ordem alfabética, que fique bem claro, não havendo qualquer conotação preferencial), é algo que ninguém deve perder.

Certamente, ao menos para mim – esperando, porém, democraticamente, que todos concordem comigo- , Sérgio tem tranqüilamente um dos mais brilhantes textos brasileiros que conheço desde que me entendo por gente. E olha, acho que me entendo por gente, sem qualquer pretensão – confesso que isso é mentira -, desde que fiz (e passei) no exame de admissão (in altri tempi, tinha isso e era um terror que todas as crianças sofriam se quisessem chegar ao ginásio e sair do primário para sempre). O livro agora editado prova isso de modo inequívoco.

Desde seu brilhante prefácio, onde soma o seu conhecido humor, sua fina ironia com as também (re)conhecidas elegância e aristocracia de seu estilo, ?O Lado B? é um passeio prazerosíssimo e altamente inteligente por um mar de temas abordados pelo olhar sempre percuciente e inteligente (sorry, pela rima pobre, mas, nem de longe, sou poeta), do Sérgio. A arte de saber olhar e mostrar este olhar, arte aparentemente fácil mas tão difícil, tem nele um de seus mais requintados e bem sucedidos cultores.

Sob todos os pontos de vista, ainda que lamentando talvez a estrutura do livro, que segue simplesmente a ordem cronológica dos escritos do Sérgio naquelas duas publicações (o que não facilita teoricamente a leitura para quem quer ir diretamente a determinados assuntos mas que, por outro lado, força, sem dúvida, o leitor a uma leitura mais abrangente, o que não deixa de ser algo positivo), o que se tem é a possibilidade de se ler, de uma forma orgânica e altamente articulada, um discurso interessantíssimo.

Tanto particularizando a leitura a partir de determinados textos quanto generalizando-a, vendo os textos não como peças isoladas de uma grande corrente mas sim como a própria grande corrente, o mergulho nas crônicas-ensaios de Sérgio (aliás, não poderiam ser mais perfeitas as palavras na quarta capa assinadas por Luis Fernando Verissimo, onde o tema ensaios e crônicas é muito bem tratado), é tarefa gratíssima.

A cada uma das crônicas, o leitor se encontra diante de um inteligente approach de Sérgio que, aliando uma erudição exemplar, de ressonâncias anglo-americanas, a um humor de iguais ressonâncias (mas muito bem temperadas pela solaridade carioca), analisa fatos, temas, pessoas, filmes, livros e situações, com uma precisão toda especial. Poucos conseguem como ele, somar a qualidade de seu olhar à qualidade de seu estilo. Seus textos são verdadeiras aulas de como bem ser um observador especial do seu mundo e saber transformar as suas observações em primorosa e agradabilíssima prosa.

Na verdade, poucos como Sérgio conseguiram acabar com os limites determinados do que é ou não é um bom texto jornalístico (o seu é precioso e de difícil comparação), do que é ou não é um bom texto analítico independentemente do meio onde é publicado (o seu é, nesse sentido, igualmente, precioso e de difícil comparação). Por tudo, o texto dele é brilhante tout court, e, para os jovens, ou não, jornalistas , paradigmáticos.

Por isso, a oportunidade oferecida por este seu ?Lado B? (apenas um dos muitos que ele possui), é algo a ser fruído com a devida atenção e com o necessário e irresistível prazer. Se acaba sendo uma verdadeira aula de como bem escrever, de como bem elaborar uma conceituação, de como bem usar um privilegiado arsenal informativo, um oceano de erudição (que jamais nos deixa, leitores, como náufragos, mas sim como ricos navegantes deste mesmo oceano), nunca surge como um exercício estéril de sapiência ou de demonstração de superioridade.

Elegantemente, ele torna seus leitores, partícipes de sua empreitada. A sua erudição é ofertada e cabe a cada um saber usá-la da melhor maneira possível. Sérgio abre o portão de seu latifúndio cultural e mostra o caminho. Quem quiser, é só segui-lo. Que fique bem claro, porém, que este portão aberto e este caminho mostrado, não implicam em uma obrigatoriedade de se aceitar suas ?lições?, em uma entrega total e cega a seu modo de ver as coisas e de se escrever sobre elas. A possibilidade de se discordar, usando as suas próprias ferramentas, manuseando o manancial informativo que dá de presente, é clara e indiscutível. Se ele, e ninguém vai negar isso, possui uma autoridade sobre o que escreve, esta autoridade jamais se perverte em autoritarismo.

É claro que, para isso, há que se ter humildade, a humildade de se reconhecer tudo isso. Eu, pessoalmente, tenho, por mais incrível que a muitos deva, e possa, parecer. E procuro, como sempre procurei, sorver seus ensinamentos, percorrer os brilhantes caminhos de seu raciocínio ainda que, ou por isso mesmo, discordando de alguns (ou vários) deles (caso, por exemplo, de sua paixão por ?Central do Brasil?, filme que, quando mais vejo, mais me surge problemático e esquemático). Mas nem sei se isso é importante ou só é importante para mim, uma coisa meio autocentrada. Vou ser sincero: não deve ser e não é mesmo. Mas, infelizmente, sou assim, dado a crises de egocentrismo. Mil desculpas por isso, então!

Voltando, porém, às vagas magras, no caso gordas, gordíssimas, ainda que reconhecendo a qualidade geral dos textos (insisto, concordando ou não com o que está escrito, pois aí está uma de suas inúmeras virtudes, isto é, a de provocar saudavelmente discussões), não vou mentir que alguns me surgem particularmente mais interessantes, até talvez por conterem temas que me são caros.

Para, por exemplo, quem gosta de cinema (e, agora, torna-se ainda mais imperioso que Sérgio publique o seu ?Lado C?, com a maior urgência), o livro é um prato cheio. E o texto ?O Homem que Comia Demais? é absolulamente primoroso. Desde o seu título, uma pequena jóia de humor, a leitura do lado gourmet e gourmand daquele que talvez seja o maior cineasta de todos, mestre Hitchcock, é impecável. A partir de exemplos tirados de seus próprios filmes (chegando ao requinte engraçadissimo dos pratos nouvelle cuisine preparados pela mulher do inspetor de ?Frenzy?), Sérgio analisa brilhantemente este aspecto tão evidente, mas quase sempre negligenciado, da escrita cinematográfica do gênio criador de ?Os Pássaros?, ?Um Corpo que Cai? e ?Intriga Internacional?.

Para quem gosta de mulher, o livro também é outro prato cheio. É só ler o seu delicioso ?Ossos do Ofício?. A partir da minha, da tua, da nossa (quem dera que fosse!), Giselle Bundchen, com toda a sua plenitude física, na parte superior frontal, mas, infelizmente, não na sua parte inferior traseira, Sérgio brinca admiravelmente com os desejos e a libido masculina. As tiradas são maravilhosas. E nenhuma se compara com a de Audrey Hepbrun que, para ele, é a única exceção de mulher diet que deu certo. Se ela é diet ou não, para mim, não tem importância (apesar da inteligência bem humoradíssima desta boutade). Só sei que Audrey, em sua magreza, era tão absolutamente apetitosa, e fascinantemente erótica (quer fumando sua piteira, em ?Breakfast at Tiffany?s?, quer toda vestida por Givenchy, em ?Funny Face?, ou por Cecil Beaton, em ?My Fair Lady?), quanto, vamos ver…, a deliciosamente fornida Debra Paget, dançando, não tão vestida, nos primorosos ?O Túmulo Indiano? e ?O Tigre de Eschnapur?, da fase crepuscular do grande Fritz Lang.

É claro que mulher e cinema não se limitam a estes dois textos. São temas, felizmente, recorrentes na maioria das crônicas-ensaios que formam este ?Lado B?. E otimamente surgem na impecável ?Ode ao Trem?, na engraçadíssima ?O Clitóris que Ousa dizer seu Nome?, na felicíssima ?E Foram Todos Para a Praia? (aqui a beach ocupando o lugar do train, enquanto homenagem ), ou na arrasadora ?Uma Guerra Perdida?. Mas, feliz e igualmente, não são os únicos. Há, como disse lá em cima (será que muito lá em cima?, se for, sorry), muita música, história, política, literatura (emocionante o texto de ?Um Clássico de Tênis e Camiseta?, sobre o referencial, para a minha, ou qualquer outra que se propuser a lê-lo, geração, ?The Catcher in the Rye?, de Sallinger, com seu fascinante e iconográfico Holden Caufield), sociedade, esporte, televisão etc… E isso é ótimo. Nesta variedade reside o principal ponto de interesse deste ?Lado B?. Afinal, é através desta variedade de temas (que se invadem, se informam, se interpenetram), que se chega às citadas abrangência e inteligência do olhar afiado e conseqüente de Sérgio."

BALANÇO 2001 / TV

"Com a cara do Sílvio Mellon", copyright no. (www.no.com.br), 27/12/01

"Foi o ano em que Luciana Gimenez, depois de dizer que estava na Rede TV! para ?entertenir vocês?, virou-se para um grupo de bombeiros e perguntou se eles usavam ?instintores? de incêndio. Núbia Olivé ?enterteniu? o país com idêntica sabedoria ao explicar que luxúria era um pecado lamentável, já que as pessoas não se contentavam em comprar um Pajero e logo queriam outro e mais outro. Em 2001 a televisão aberta foi tão pateticamente ruim que só não se divertiu quem não quis.

O melhor programa do ano foi uma comédia, Os normais, principalmente aquele episódio em que o Luiz Fernando Guimarães tentou tirar com um beijo uma casca de feijão que estava no dente de sua chefe. O pior programa foi outra comédia, o da Vera Loyola, principalmente naquele noite em que o Rubens Ewald Filho, transformado em Boris Karloff pelas sombras da baixa iluminação do estúdio da CNT, recusou-se a estender o tapete para a Marta Suplicy porque já dividiu o camarim com ela no tempo da Globo e ela, arrogante como só, nem falou com ele. Deu ?meda? a carinha de mau do Rubens!

A falta de inteligência manifestou-se de maneira tão radical que foi preciso roubar uma idéia dos holandeses para, com algumas guaribadas locais, colocar no ar o revolucionário Casa dos Artistas, o grande acontecimento de 2001. Chocado, José Luiz Datena, um Ratinho vespertino, tentou levantar o nível citando desde o filósofo Nietzsche ao legislador grego Clístenes em meio às imagens de engarrafamentos da Marginal no Cidade Alerta. Foi o ano que que Monique Evans estreou o Noite Afora perguntando à professora de ginástica Solange Frazão se a mulher que tomava muita bomba em academia ficava com o grelo pequeno e Xuxa, diante de tanta ?ingnorânça?, desistiu de explicar que via duendes para pessoas que sequer acreditavam em Papai Noel.

A Globo, já que muitos trocaram de canal, assistiu-se impávida e soberba. Fez uma ótima atualização do Sítio do Picapau Amarelo. O jornalismo manteve o pique de primeira e, entre outros feitos, tornou obrigatória a redação no vestibular depois que denunciou um analfabeto entre os universitários do Rio. De resto, como diria a adolescente da Heloísa Périssé na Escolinha, foi ?mals?. O Faustão apanhou do Gugu, o Huck do Raul, o Bial do Frota – e ficou por isso mesmo. Guma também botou o galho dentro: Supla foi eleito o galã do ano pelos internautas do site Babado. A Globo arrastou-se lenta como um capítulo de Os Maias e sem identidade como os seios semestrais da Vera Fischer.

Faltou agilidade, cara própria, carne nova e picardia, todas essas coisas que Mel Lisboa conseguiu concentrar por baixo e por cima da calcinha-e-camiseta de sua Anita, a melhor presença da dramaturgia no ano. Faltou grana, a ponto do Faustão dizer que ?a Globo está usando papel higiênico dos dois lados.? Gal Costa pediu a proteção de Iemanjá e gritou ?odoiá, rainha do mar? por 200 noites. Nem assim. A culpa? Só pode ter sido do Cazé, claro. Demita-se o careca!

A seleção brasileira jogou nada, os peitos que a Cassia Eller mostrou no Rock in Rio eram muxibinhas, a plataforma da Petrobrás submergiu – a televisão em 2001 foi nessas águas. Fraca. Salette Lemos protagonizou a cena mais emblemática da temporada. Largou no ar, no primeiro bloco, o Jornal da Record, informando aos telespectadores que a glote lhe estava fechando, vítima de uma alergia provocada pela recente pintura do estúdio. ?Desculpem? – e, entre o lead e o sub-lead, sartou fora. Fábio Jr. passou exatos 135 dias chamando Patrícia Sablit de ?princesa? mas quando viu que o Ibope não se mexia mais também sartou do casório-mico da temporada. Muitos deveriam ter repetido Salette e Fábio. A alegria chapeleira do DJ Zé Pedro, os comentários do Arnaldo César Coelho no conforto do replay, os textos do Crayton Sarzy para Pícara Sonhadora, os esgares imutáveis de Maurício Mattar para ódio, pânico ou tesão em A Padroeira e as princesinhas por um dia do Netinho – por que não deixam o país em paz em 2002?

A Rede TV! passou as tardes roubando imagens do SBT, que roubou o Casa dos Artistas da Globo, que roubou o acústico do Roberto da MTV. Ninguém roubou nada da Bandeirantes, e olha que no inacreditível Hora da Verdade, Márcia Goldschmidt passou vários programas exibindo o menino-peixe, a história de um infeliz do interior paulista que é obrigado a viver dentro de uma banheira por causa de suas anomalias físicas. Afogou o mundo cão dos concorrentes.

A televisão brasileira entra para a história em 2001 não por causa de suas grandes criações – A grande família e Brava gente vêm de formatos antigos – mas por que nunca se mexeu tanto no seletor de canais. De janeiro a dezembro, a Globo perdeu 12% da audiência. O SBT cresceu 42%. Nem as novelas pegaram. Em matéria de maligno, o rosto de Adma, a vilã de Cássia Kiss em Porto dos Milagres, não chega aos pés do efeito-sobrancelha de Jader Barbalho. A vida real foi mais impressionante e louca.

O ano foi especial para quem curtiu a televisão pelo avesso e se ?entreteniu? com o trash que tomou conta da telinha. Gugu fez nenê, pode? Não à toa a grande revelação foi Marcos Mion, o apresentador de Os piores clipes do mundo, na MTV. Lucrou quem conseguiu se divertir com os pastores da Record em sua interminável peroração contra o capeta, Olga Bongiovanni pulando de balcão em balcão no seu Dia a Dia, o Coisinha de Jesus do Casseta, o Jorge Kajuru incorporando um Flávio Cavalcanti de frente no esporte da Rede TV! ou a popozuda Verônica Costa louvando o Senhor e apresentando logo em seguida a Tati Quebra Barraco com o Tapinha não dói. O que deu pra rir, deu pra chorar. Pouco, muito pouco. Nas mãos da TV aberta, o espectador foi tratado em 2001 como se tivesse cara amarela e cérebro cheio de caroço. Exatamente como o Alexandre Frota fez com o pasmo e triste Sílvio Mellon."