Tuesday, 30 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Hora de sacudir a poeira das escolas de jornalismo


Victor Gentilli

 

A

gora as escolas de jornalismo vão se levantar e sacudir a poeira; as que não o fizerem, não vão conseguir dar a volta por cima. Depois que o MEC divulgou os critérios a serem exigidos e o formato do provão que os alunos de jornalismo vão fazer dia 7 de julho deste 1998, é possível afirmar que o provão, de fato, fará muito bem aos cursos de comunicação.

Este OBSERVATÓRIO foi pioneiro no debate sobre o provão. Assim que ele foi anunciado duas rodadas esquentaram os debates no ciberespaço (ver remissões abaixo.) Na ocasião, expressei de forma aberta e contundente minhas opiniões sobre o significado do exame e o impacto que produzirá nos alunos e, principalmente, nos cursos. Era agosto de 1997, o exame já era um fato irreversível, mas os artigos sobre o provão disponibilizados pelo O.I. chamavam a atenção para a permanência de muitas dúvidas com relação ao exame, seu significado, sua importância e, principalmente, seus critérios. Boa parte destas dúvidas agora não existem mais.

O trabalho da Comissão que estabeleceu os parâmetros para a avaliação dos cursos de jornalismo já é público. E é, de um modo geral, um excelente trabalho.

É verdade: resta saber se a equipe do Inep que preparará as provas e as corrigirá saberá dar conta de produzir um exame de quatro horas em que os novos parâmetros estabelecidos pelo Grupo de Trabalho possam ser bem avaliados. Mas isso, o tempo se encarregará de ir adequando. O fundamental não é esta prova de 1998, mas o fato de que os cursos de jornalismo serão avaliados regularmente.

O dado novo, o lead do provão para jornalistas, é que as escolas que querem melhorar o desempenho de seus alunos no provão vão ter que mudar sua forma de ensinar jornalismo. O provão “pegou”, como disse o ministro Paulo Renato Souza ao comentar a aplicação da segunda rodada de provas para Engenharia, Direito e Administração. Portanto, as escolas vão ter que se virar para que seus alunos tenham boas notas.

De forma sintética, vejamos quatro exemplos de boas mudanças que o provão exigirá das escolas de jornalismo:

1. Agora jornalismo é visto claramente como produção de informação para a cidadania.

Isto significa que as aulas práticas vão ter que abandonar a ênfase quase exclusiva no texto para que o aluno aprenda “a contextualizar, a apurar, a formular questões e conduzir entrevistas”. O texto continua sendo valorizado. Mas as escolas terão que ensinar a prática agregando crítica, teoria, etc. Senão, vão se dar mal no provão. Em outras palavras: os cursos vão ter que deixar de ensinar apenas redação nas aulas práticas e começar a discutir procedimentos, ética e técnicas de apuração de informações de interesse para o leitor-ouvinte-telespectador-internauta – sobretudo cidadão.
”O jornalista traduz discursos e media as relações entre os agentes sociais”. Esta concepção do perfil do profissional definida pela Comissão é o maior desafio que os cursos de jornalismo já receberam desde que foram criados. Até agora, apurar, em escola de jornalismo, era ouvir o que o nome indicado pelo pauteiro/professor falava e simplesmente reproduzir em textos anódinos. O desafio agora é formar jornalistas, não moleques de recados.

2. A esquizofrenia dos cursos terá que ser quebrada na marra.

Os cursos hoje são esquizofrênicos, visto que ensinam teoria da comunicação (não de jornalismo), onde muitas vezes mostram os meios como meros instrumentos de manipulação das massas ao mesmo tempo em que oferecem uma prática acrítica e meramente reprodutora do jornalismo como hoje é praticado. Isso significa que a relação com o mercado de trabalho ou não existe, ou, quando existe, é marcada pela cópia de práticas velhas, viciadas, antigas do jornalismo que os cursos devem superar e não reproduzir de forma caudatária..
Ao instituir a necessidade de “avaliar criticamente os produtos jornalísticos, elaborar críticas à mídia e propor alternativas”, o MEC estabelece uma relação com o mercado saudável, onde a Universidade não perde sua função essencial: a crítica.

3. Os atuais jornais-laboratórios tornaram-se definitivamente anacrônicos.

Ao exigir dos estudantes “a competência para atuar na área jornalística em condições de produção, ritmo e periodicidade similares ao que se encontram no cotidiano da profissão”, o MEC força as escolas a buscarem criativamente novas formas de ensino da prática que superem as deficiências dos atuais jornais-laboratórios. É um desafio e tanto, mas simplesmente imprescindível para que os cursos continuem cuidando de sua função de formar jornalistas.

4. As escolas vão ter que ensinar jornalismo.

Parece um truísmo. Não é. Hoje, a grande maioria dos cursos capacita seus alunos – mal e porcamente -, a se ajeitarem no seu primeiro emprego como repórteres. É obvio, como o mercado não vai contratar nenhum recém-formado como editor, as escolas colocam num primeiro plano a formação de repórteres, deixando para “o mercado” a formação em outras habilidades. Hoje o aluno aprende nas redações, por “osmose”, reforçando a cultura profissional de cada local, as normas e critérios de edição, de planejamento visual, entre outras, sem visão crítica.
Ao exigir capacitação em todas as habilidades do exercício profissional do jornalista, o provão vai induzir as escolas a formar verdadeiros jornalistas, mesmo que inexperientes. E isso é bom demais para a imprensa, para o jornalismo e para os cidadãos brasileiros.

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