Tuesday, 30 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Informação e desinformação


“Divulgação científica tem absurdos e tolices”, copyright El País / Folha de S. Paulo, 12/4/00, tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves

“?Pesquisa britânica não encontra correlação entre os estudos jurídicos e partos por cesariana?, dizia um título divulgado há alguns meses por uma agência de notícias dos Estados Unidos.

Alguém estaria louco na redação da agência? Não. O estudo não apenas existia, como havia sido feito pelo University College de Londres e publicado na revista médica mais prestigiosa do mundo, ?The Lancet?.

As redações dos jornais são inundadas diariamente por pesquisas científicas, relatórios técnicos, conclusões de especialistas, comunicados de congressos e resenhas de revistas especializadas, que na maioria das vezes perturbam a paciência e põem à prova os limites da compaixão humana.

O pesadelo de um editor de jornal é que, no dia em que um cientista realmente curar o câncer, o comunicado à imprensa se perca em sua mesa, enterrado sob toneladas de notas soporíferas, mais ou menos disfarçadas de ciência apresentável.

Algumas vezes os estudos originais não são tão ridículos quanto as versões que chegam às redações. Por exemplo, o Prudential Center for Health Care Research, em Atlanta, Estados Unidos, publicou no ano passado que 33,9% dos pacientes idosos entendiam mal as explicações sobre suas doenças, o que freqüentemente dificultava que seguissem corretamente os tratamentos.

Até aí tudo bem ? mais ou menos ?, mas a forma como uma agência de notícias apresentou o fato era para se cair de costas: ?Idade avançada causa problemas no tratamento de idosos?. Afinal, quem os mandou se consultar, com idade tão avançada?

Vejam este título de agência sobre uma pesquisa feita pela Universidade do Texas: ?Estudo alerta sobre os perigos para o feto do consumo excessivo de álcool durante a gravidez?. Quem poderia imaginar isso?

E respire fundo antes de ler esse outro, referente ao trabalho feito na Universidade de Hamilton, no Canadá: ?Estudo indica que o primeiro olhar de um bebê é o primeiro passo em seu aprendizado visual?. É ver para crer!

E esse exemplo, tirado do ?New England Journal of Medicine?: ?Novas drogas antidepressivas não reduzem o número de quedas entre pacientes idosos?. Pois então, para que diabos os idosos tomam antidepressivos? Não é para depressão?

Quando faltam dados sobre a realidade, uma estratégia comum é perguntar às pessoas o que pensam da realidade, e assim sempre se pode conseguir uma conclusão do tipo ?Tantos por cento dos homens de tal idade acreditam que os exames regulares de saúde são muito bons para todo mundo, menos para eles mesmos?.

Um exemplo é o macroestudo do Departamento de Educação para Saúde da Universidade de Maastricht, realizado em estreita colaboração com a Escola de Educação da Universidade de Birmingham, e que chegou à seguinte conclusão: ?Cerca de 27% dos estudantes entre 6 e 16 anos são incapazes de citar três desvantagens de fumar.?

Uma variante dessa técnica consiste em comparar o que as pessoas dizem com o que fazem, como nesse exemplo, que uma equipe de psicólogos da Universidade do Colorado apresentou na última reunião da Associação Americana de Psicologia, realizada em Boston: ?Os motoristas que não se consideram agressivos podem ser tão perigosos quanto os que admitem sê-lo.? Realmente, quando alguém é atropelado por um carro, a opinião do motorista é o que menos pesa.

Na mesma reunião de Boston, o investigador Thanos Patelis, da Universidade de Nova York, apresentou análises psicológicas feitas entre 15 sobreviventes de catástrofes aéreas, e conseguiu o seguinte título de agência: ?A saúde mental dos que sofrem acidente de avião é melhor que a dos passageiros que não o sofrem, segundo pesquisa.? Na verdade, quem não tem boa saúde mental é porque não quer, já que é tão fácil sofrer um acidente de avião…

Com as correlações estatísticas pode-se chegar a quase qualquer conclusão imaginável. Por exemplo, um estudo dirigido por Philip Leadbitter, da Universidade de Wellington (Reino Unido), publicado recentemente na revista ?Thorax?, assombrou o mundo em setembro passado com o seguinte resultado: ?Os bebês que medem mais de 50 cm ao nascer são mais propensos a sofrer de asma quando maiores.?

O comunicado que divulgava o trabalho esclarecia, alguns parágrafos abaixo, talvez de modo um tanto gratuito: ?Essa é a primeira pesquisa que relaciona ambos os conceitos.?

Mais relações? Veja algumas: ?Os consumidores de café têm menos riscos de ataque cardíaco do que os que consomem chá? (?Journal of Epidemiology and Community Health?); ?Experiências trágicas diminuem o número de filhos homens? (?British Medical Journal?); ?As temperaturas quentes favorecem a concepção de homens, enquanto o inverno é mais propício para gerar mulheres? (comunicado apresentado no Congresso Europeu de Urologia, realizado há três semanas em L’Aquila, Itália); ?Fumantes que mudam de marca têm maior tendência a parar de fumar? (?Anais de Medicina do Comportamento?).

Mas, por outro lado, ?jovens que usam roupas com marcas de cigarro fumam mais? (?American Journal of Public Health?). Sem necessidade de qualquer estudo, poderíamos acrescentar com segurança: ?Os homens que fumam mais de dois maços por dia tendem a levar isqueiro no bolso.?

O seguinte despacho de agência chegou no último dia 11 de janeiro: ?Risco de morrer em acidente de automóvel aumenta em proporção ao número de passageiros que estão no veículo, segundo pesquisa publicada na última edição do ?Journal of the American Medical Association?. Na verdade, a revista referia-se ao risco de morte do motorista.

Sem intenção de ser cansativos, concluímos com uma rápida lista de títulos de agências recebidos nas últimas semanas:

?Aconselhamento psicológico aumenta possibilidades de gravidez.?

?Mistura de remédios com hambúrgueres ajuda crianças soropositivas.?

?Pensar dificulta condução de veículos, segundo pesquisadores espanhóis.?

?A livre expressão dos pensamentos beneficia pacientes com transplante de rim.?

?Pessoas pessimistas morrem mais cedo, segundo a Clínica Mayo.?

?Divórcio depois dos 40 é mais aceito por mulheres.?

?Calvície pode fazer um político perder 30% dos votos.?

Enfim, é mais provável que você não esteja lendo esse parágrafo, já que 80% dos leitores não chegam ao fim das reportagens. Mas, se essa antologia lhe pareceu curta, não desespere: o avanço da ciência é inexorável, e prometemos mais novidades.”