Tuesday, 15 de October de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1309

Insultos impre$$os

GRAMPOS DOURADOS
(*)

Alberto Dines

A imprensa virou notícia, sinal de que um dos dois está doente. Tomo emprestado, com a devida autorização, o título do admirável livro da historiadora Isabel Lustosa sobre os primórdios da nossa imprensa (Insultos Impressos, a guerra dos jornalistas na Independência, 1821-1823) para incursionar por tempos mais recentes.

A substituição dos "s" pelos cifrões tem função diferenciadora: não pretendo tratar das veementes polêmicas em torno de ideais e idéias que marcaram a gênese da nossa imprensa mas de querelas de hoje, mais sujas e pesadas. Nitidamente relacionadas com o que o vulgo designa como grana e que nas esferas letradas nomeia-se como vil metal.

Um exame dos grandes confrontos jornalísticos dos últimos 50 anos no Brasil sinaliza para um denominador comum: pecúnia. Duelos retóricos e exibições de beletrismo, quase sempre esconderam algo menos nobre e mais reluzente: torpes desígnios.

Pode-se remontar aos tempos de Campos Salles no início do século 20 para encontrar as raízes do pitoresco processo de estimular o desenvolvimento das empresas jornalísticas com recursos do erário. Quem ganhava menos esperneava contra os melhor aquinhoados e, assim, se exercia a eterna vigilância em defesa da sociedade.

O quadro fica claro quando chegamos mais perto: a temporada "moderna" começou ao apagar das luzes do governo Dutra (1950) quando o jornalista-empresário Horácio de Carvalho recebeu grandes facilidades para reequipar o seu Diário Carioca.

A grita dos excluídos consumiu algumas toneladas de papel. Em troca ofereceu as esplêendidas peças assinadas por Danton Jobim e J.E. de Macedo Soares em defesa do simpático DC (que à mesma época pelas mãos de Pompeu de Souza trazia a modernidade à imprensa brasileira ao mudar a forma de escrever e apresentar notícias).

E porque Samuel Wainer abiscoitou as magníficas instalações e maquinário do DC e, de quebra, teve abertos os cofres do Banco do Brasil para financiar a revolução da Última Hora, o ex-camarada, confidente e, depois, concorrente Carlos Lacerda, iniciou uma das cruzadas mais sórdidas da história da imprensa brasileira, através da sua Tribuna da Imprensa.

A disputa logo generalizou-se mas não foi um embate de princípios envolvendo o bem público, a ética ou ideologias. Caíram todos em cima de Wainer & Vargas simplesmente porque queriam sua parte na mamata. Lacerda ganhou a alcunha de "Corvo", levou Vargas ao suicídio e, pouco antes de morrer, confidenciou a este articulista que seu grande sonho era reconciliar-se com Wainer. Impossível, tinha ido longe demais na rentável faina de insultar.

Mais recentemente, a virulenta campanha de Chatô contra Roberto Marinho por causa da parceria deste com o grupo Time-Life utilizou as bandeiras da soberania e do nacionalismo para encobrir a disputa pelo domínio da TV no Brasil. Choveram injúrias, ofensas, desacatos, ultrajes ? impressos e televisados ? agora em rede nacional. O móvel da contenda manteve-se o mesmo: o venerando e degenerado cifrão. Ou o poder de comandar a TV no Brasil, o que vem ser a mesma coisa. Talvez algo mais.

Na paulicéia desvairada, quando os defensores do interesse público entregaram-se abertamente ao culto dos mercados, a rivalidade entre veículos jornalísticos passou a transcorrer no plano do marketing. Mudou o formato, manteve-se o objeto e, sobretudo, o despudor. Pouco antes de aparecerem as primeiras denúncias contra Collor, os jornalões e revistões de São Paulo engalfinhavam-se furiosamente para mostrar quem mentia mais, vendia menos, faturava maior número de linhas de classificados ou enganava menor número de assinantes. O friforó publicitário em páginas duplas e quatro cores só acabou quando Pedro Collor abriu o bico.

A atual onda de grampos telefônicos cuja divulgação tanto anima as vendas de jornais e revistas nos fins de semana, na sua esmagadora maioria, tem sido gerada nos laboratórios dos interesses contrariados. Sobretudo no segmento da telefonia e telecomunicações onde circulam somas e apetites imensuráveis. Convém lembrar que os maiores grupos jornalísticos brasileiros, de uma forma ou de outra, estiveram ou estão intensamente envolvidos na privatização da telefonia e nos ramos correlatos das telecomunicações. Suas cruzadas moralizantes são tão legítimas quanto a presença de Gilberto Mestrinho à frente da Comissão de Ética do Senado.

O grampo do último fim de semana, magistral manobra do ventilador mediático executada por ex-jornalistas agora convertidos em respeitáveis lobistas, acabou vitimando o colunista Ricardo Boechat, sumariamente demitido do Globo, sem o direito público de defesa. Flagrado ao fazer algo imperdoável: favorecer um concorrente.

Neste quadro não se pode ignorar a contribuição do Jornal do Brasil ao reabilitar a velha praga da matéria "a pedidos" ? o insulto impresso e pago, injúria legitimada no guichê do caixa. A série de ofensas nos anúncios de página inteira financiados por esta aberração acadêmica e ortográfica chamada UniverCidade culminou na edição de domingo, 24/6, com velhaco texto contra este articulista. O gangster que escreveu a peça escondeu-se no anonimato mas é conhecido aquele que o peitou: Ronald Levinsohn, dono da fábrica de diplomas, o homem que quebrou a Delfin e, junto, arruinou o BNH (a íntegra da resposta está em www.teste.observatoriodaimprensa.com.br) [veja remissão abaixo].

Ao despudor soma-se a arrogância, ao descaso acrescenta-se o farisaísmo. Estas afrontas financiadas são, antes de tudo, um insulto à inteligência do leitor. Nesta última semana, na nobilíssima página de opinião de dois importantes jornais, dois observadores tão diferentes como Dora Kramer e Otavio Frias Filho chamam a atenção para o perigo. Na véspera da sucessão presidencial, o partido da mídia entra na pista rebolando com muletas. Enfeitado por grampos dourados.

(*) Copyright Jornal do Brasil, 30/6/01


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