Saturday, 04 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1286

Ironia em alto nível

CONFRONTO FINAL

Marcus Vinicius Povoa (*)

Fim de debate. O último dia de horário eleitoral gratuito (que custou muito a alguns candidatos) foi encerrado em grande estilo pelo candidato a jornalista descontraído William Bonner. Um estúdio da Rede Globo serviu de arena para o confronto final do primeiro turno e, apesar da expectativa de pancadaria, os quatro principais candidatos à Presidência se agrediram em alto nível, beirando a cordialidade. Foi um tal de “eu reconheço seu mérito” pra cá, “eu votei em você nas últimas eleições” pra lá… Vale ressaltar que isso se deu na maioria das vezes ironicamente. E nem tudo correu pacificamente.

Quem se saiu melhor sem dúvida foi Lula. Como líder das pesquisas de opinião, Lula (candidato da Coligação Paz, Amor e Duda) se deu ao luxo de rodear perguntas, não responder de forma simplista, e isso deu espaço para “pegadinhas” de Garotinho. Este, por sua vez, cumpriu, como em outros debates, a função de provocar e divertir, e nada mais. Serra, principal atacado, quis garantir a Garotinho vaga no elenco de Casseta e Planeta, humorístico da Globo. Garotinho respondeu com mais uma piada, se dizendo um homem sério. Hilário.

No jogo do tudo ou nada para conquistar indecisos, talvez Ciro Gomes tenha conseguido subir no conceito de alguns. O candidato permaneceu calmo diante de ataques e sorriu o tempo todo, para mostrar que é um homem simpático, e não o bicho-papão que Serra pintou em seu horário eleitoral. Ciro, que critica os marqueteiros, parecia ontem obra de mais um deles, sereno como nunca se viu. Aproveitou ainda para garantir que os ataques feitos por Serra eram caluniosos e que mesmo assim nunca o atingiram na honra e na honestidade. Só no destempero mesmo.

Travou-se inclusive uma pequena guerra de egos. A paternidade de projetos como a política da Aids e dos medicamentos genéricos foi disputada por Serra e Lula. Ciro fez questão de lembrar sua biografia política, vangloriando-se de cada item. Garotinho, ao contrário, fazia cara de coitado e chamava a atenção para a falta de dinheiro de sua campanha humilde e pura, e aproveitou para atacar as alianças e acordos dos outros candidatos.

Entre atacantes e atacados, e cedidos todos os vários direitos de resposta, Bonner agradeceu o alto nível dos candidatos e, feliz da vida, ainda puxou uma brasa para a produção do debate, que garantiu o controle de todas as discussões e dos tempos das explanações.

Cadê elas?

Algumas ausências foram sentidas. Seria bom vermos entre os candidatos mais populares os outros dois, Zé Maria, do PSTU e Rui Costa Pimenta, do PCO. Tudo seria diferente e provavelmente mais divertido.

E por falar em como seria o debate em outras circunstâncias, imaginem se a candidatura de Roseana Sarney tivesse medrado. As mulheres seriam citadas em seu tom de populismo-feminismo, e qualquer ataque viraria subterfúgio para direito de resposta contra os machistas presentes. William Bonner, por exemplo, seria questionado sobre o porquê de ele, e não Fátima Bernardes, mediar o debate.

E se houvesse um debate entre as figuras femininas do horário eleitoral? Imaginem Patrícia Pillar, candidata a primeira-dama e apresentadora do miniprograma Meu Diário, no horário de Ciro, se defendendo de Valéria Monteiro, apresentadora de outro miniprograma, o de entrevistas Boa Tarde Brasil, e backing vocal animada do hit A mudança é azul, no programa da coligação Grande Aliança.

Seria divertido ainda ouvir as explicações de Elba Ramalho para o fato de aparecer no programa de dois candidatos diferentes. Questionada, iria se enrolar toda ao explicar como seu cabelo versão 1989 se transformou nos longos fios dourados que compõem o look operária na versão 2002.

Sei que não é bom brincar com coisa séria. Mas analisar o debate de uma campanha como a de 2002 de forma grave seria exigir demais dos (e)leitores, que já têm que ouvir propostas e mais propostas, acusações e brigas dos candidatos. Tudo bem, não precisam achar graça de nada. Afinal, como disse o cabo eleitoral Falcão, com esses candidatos por aí está cada vez mais difícil fazer humor no Brasil.

(*) Estudante de Comunicação na Universidade de Brasília