Tuesday, 30 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Joaquim Fidalgo

PÚBLICO

"Editorial, singular e plural", copyright Público, de Lisboa, Portugal, 17/6/01

"Um Editorial deveria, em princípio, veicular ?a posição do jornal? face a determinado assunto. Mas isso não é exactamente assim em todos os jornais. Alguns, como o PÚBLICO, optam por os apresentar sempre com assinatura individualizada, razão por que talvez devam ser lidos (também) como opiniões com o seu quê de pessoal.

O Editorial de um jornal – que é, consabidamente, um texto de opinião – veicula a opinião de quem? Do jornal no seu conjunto? Da Direcção? De quem lhe põe o nome por baixo?

Há algumas confusões a este respeito, como, por mais de uma vez, os leitores do PÚBLICO têm mostrado ao provedor. Ainda esta semana, o leitor Armando Vitorino, ao fazer uma crítica a um editorial de que não gostou, disse como entende este género de textos: ?O Editorial de um jornal deve reflectir a sua orientação editorial, devendo espelhar rigor e objectividade. Quando tal não se verifica, é legítimo duvidar da qualidade de toda a sua informação?.

Está fora de causa discutir, aqui, as discordâncias do leitor face a opiniões específicas: é matéria que escapa às nossas competências. Mas pode ser esclarecido o papel do chamado ?Editorial? e que, adoptando modelos diversos conforme os jornais, também parece ser interpretado diferentemente conforme quem aqui o lê.

A doutrina do ?Livro de Estilo? do PÚBLICO é escassa mas directa na sua definição: ?Editorial – texto breve de opinião, claro e incisivo, assinado por um elemento da Direcção editorial e que exprime as posições do jornal perante os factos da actualidade?.

As dúvidas são suscitadas pela eventual contradição entre dois aspectos: se se trata de um texto assinado, supostamente veicularia a opinião da pessoa que o assina; se é um texto que procura exprimir ?as posições do jornal? – logo, algo mais global e abrangente do que uma posição individual -, não se vê bem por que deva ter uma assinatura personalizada.

Muitos jornais optam por publicar, num espaço próprio, um Editorial não assinado e que surge, de modo quase ?institucional?, como a posição daquele periódico face a determinado assunto.

Não é essa a prática do PÚBLICO, que, desde o início, optou por editoriais assinados. E porquê? Explica o director, José Manuel Fernandes: ?Por acreditar que, dessa forma, poderia publicar textos mais afirmativos, sem ter de andar à procura da opinião média do jornal ou mesmo da Direcção. Foi sempre assim, sendo que muitos editoriais foram, ao seu tempo, polémicos. Mas acho que o jornal ganhou com isso?.

Há uma explicação suplementar: dado que o PÚBLICO, no entender de José Manuel Fernandes, ?não é um jornal com uma linha política forte, muito marcada, como sucede com outros títulos da imprensa de referência?, mas, pelo contrário, ?um jornal mais plural, no seu registo jornalístico e no seu registo opinativo?, editoriais não assinados (logo, mais institucionais), ?comprometendo politicamente o jornal, fechá-lo-iam em demasia?. Com o modelo adoptado, conclui, ?apenas comprometem o seu autor?.

Se assim é, parece legítimo concluir que um Editorial nestes termos – um texto de opinião que ?apenas compromete o seu autor? – talvez não deva ser lido taxativamente como ?a posição do jornal? face a determinado tema. O que, levado ao extremo, faria com que não devêssemos sequer classificá-lo como Editorial, mas como coluna de opinião.

Sublinhe-se, entretanto, um ponto: quem escreve estes editoriais é sempre (e só pode ser) um elemento da Direcção. E isso acaba por lhe dar uma força diferente, um impacte público, uma responsabilidade, que não têm o comentário de um jornalista ou a prosa de um colunista convidado. De resto, é por isso que José Manuel Fernandes – autor de grande parte dos editoriais, e muitos bastante controversos, do PÚBLICO – procura que pelo menos ?outro elemento da Direcção? leia os seus textos antes da publicação. Mas, à parte essa precaução, confessa o modo como procede quando escreve um Editorial: ?Parto basicamente dos meus pontos de vista e utilizo o meu estilo?.

A Direcção deste jornal integra seis pessoas, e todas escrevem editoriais. Sempre assinados. O modelo gráfico recentemente adoptado ainda veio ?complicar? este terreno, pois há agora dois tipos de editoriais: um, diário e sempre no mesmo local (na página do ?cartoon?), com um perfil que se diria mais institucional e transversal às temáticas da actualidade; outro, menos frequente e apresentado no interior das secções, encostado às matérias sobre que opina, e não só assinado ?à cabeça? como apresentando a fotografia do seu autor.

Do que se viu para trás, e da nossa experiência de leitores, não parece defensável considerar todos aqueles textos, de um modo formal, como ?a posição do jornal? face aos assuntos em debate. A não ser em ocasiões excepcionais, de particular sensibilidade, e onde até se opta por uma assinatura colectiva (?A Direcção?), a maioria desses textos é produzida individualmente – e não resultado de uma reflexão colectiva. Não será arriscado dizer que nem sequer os parceiros todos da Direcção deste jornal (isto para já não falar dos restantes jornalistas) se revêem sempre nas posições tomadas, em Editorial, por José Manuel Fernandes ou Nuno Pacheco, Manuel Carvalho ou António Granado, Luís Miguel Viana ou David Pontes.

Que eles escrevem esses textos procurando interpretar um sentimento minimamente adequado ao ?perfil editorial? do PÚBLICO (algo nem sempre fácil de definir mas que perpassa um pouco pelas suas páginas, pelo estilo, pelos temas escolhidos, pelos modos de abordagem jornalística – e que os leitores se foram habituando a reconhecer), não se duvida. Aliás, é sua obrigação, pois um membro da Direcção de um jornal tem especiais responsabilidades face ao leitor.

Que essas mesmas pessoas escreveriam porventura com outro à-vontade se estivessem a rubricar apenas a sua coluna pessoal de opinião, também é lógico.

Mas será algo precipitado, ou excessivo, olhar para tudo o que cada um dos membros da Direcção do PÚBLICO escreve em Editorial como ?a posição do jornal? na matéria. Logo, há vantagem no uso da assinatura individual, para que a opinião expendida basicamente comprometa o seu autor e não o colectivo.

Pode perder-se alguma coisa pelo facto de o jornal não ter um espaço onde, com maior peso institucional, dê a sua opinião quanto às grandes questões em debate na sociedade. Mas ganha-se algo de muito importante: a constatação de que o PÚBLICO é (no conjunto da sua Redacção e mesmo no interior da Direcção) um espaço plural, aberto à diversidade de opiniões e expressões, ora mais consensual, ora mais polémico, mas sempre disponível para o confronto de ideias e argumentos. E é desse conjunto heterogéneo, diverso, múltiplo – não uma manta de retalhos, pois tem, apesar de tudo, algum fio condutor de base – que deve ser extraída ?a posição? do jornal. Melhor, ?as posições?. No plural.

Opinião – Editoriais personalizados são mais afirmativos mas têm menos peso institucional

Cautela – Um Editorial do PÚBLICO não é, necessariamente, a ?opinião média? do seu colectivo."

    
    
                     

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