Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

João Domingos

GOVERNO LULA

“Planalto cria supermáquina de informação oficial”, copyright O Estado de S. Paulo, 14/09/03

“Com 1.150 funcionários, ao custo de R$ 90 milhões por ano na Radiobrás, mais 75 profissionais no Palácio do Planalto e um sistema de pronta resposta e de correção das notícias ?equivocadas?, na Secretaria de Comunicação, o governo está adotando uma nova estrutura de comunicação com pretensões que vão além do mero aperfeiçoamento da máquina de divulgação oficial. Trata-se de um projeto montado para alcançar – com noticiário oficial e gratuito – um público estimado em 100 milhões de pessoas em todo o País.

Em função do projeto de expansão do noticiário, a Radiobrás já iniciou uma ampla reestruturação de sua equipe, demitindo antigos funcionários de carreira e atraindo profissionais da iniciativa privada com salários competitivos. Hoje, a estatal mantém 220 jornalistas, com salários que variam entre R$ 2,5 mil e R$ 4 mil. Os que estão sendo contratados chegam para funções de confiança, com salários de R$ 6 mil a R$ 8 mil.

A operação resulta num agigantamento do noticiário oficial, jamais atingido nem durante ditaduras como a de Getúlio Vargas, em que tudo era controlado pelo célebre Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) – montado com os melhores profissionais, que recebiam os maiores salários. ?É o DIP do século 21?, escandaliza-se o ex-deputado Prisco Viana, político que testemunhou meio século de ditaduras.

O governo procurou inspiração no Primeiro Mundo. O jornalista Bernardo Kucinski, assessor especial do ministro de Comunicação de Governo, Luiz Gushiken, fez um estágio na Inglaterra e agora está nos Estados Unidos, para ver como funciona o sistema de comunicação da Casa Branca. É dele a idéia de criação do sistema de pronta resposta, em que as redações dos jornais são atulhadas de cartas de reclamação contra o noticiário considerado ?incorreto?.

Às vésperas das eleições municipais, o projeto desperta reações na oposição e no próprio PT, que enxergam detrás da iniciativa do governo a tentativa de uniformizar o noticiário a seu favor. ?Essa é mais uma etapa da estratégia petista de aparelhamento do Estado?, acusa o presidente do PSDB, José Aníbal.

?Quem detém o poder e quer o monopólio da comunicação, vai ter o controle de tudo. Sempre combatemos isso?, reclama o deputado Walter Pinheiro (BA), ex-líder do PT. ?Fico muito preocupado quando governos entram na área de comunicação, embora alegando os melhores propósitos. Os riscos de distorção e manipulação do noticiário são muitos grandes?, completa o senador Jéfferson Peres (PDT-AM).

Cobertura – As afirmações se sustentam em outro fato que chama a atenção no projeto: o governo passa a fazer a cobertura jornalística em todos os campos, não se restringindo mais à divulgação dos acontecimentos oficiais, e oferece esse noticiário gratuitamente, privilegiando seu enfoque dos acontecimentos.

Esse noticiário chega a uma rede que historicamente edita seus noticiários com base na cobertura das agências de notícias privadas, e é composta por mais de mil emissoras de rádio e retransmissoras de TV e mais de mil jornais. Nos 60 munícipios com mais de 200 mil habitantes, esses distribuidores de informação já começaram a receber do governo, gratuitamente, receptores de notícias via satélite.

No esquema de fortalecimento das notícias oficiais dentro da nova sistemática, o Banco do Nordeste financiou uma série de reportagens sobre a fome no Brasil, distribuídas e publicadas de graça, com texto e fotografia.

Os fotógrafos das agências e dos jornais dificilmente têm acesso a cerimônias fora do gabinete do presidente, onde só trabalha o fotógrafo oficial. Dois exemplos: o da cadela Michelle no colo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na sala de cinema do Palácio da Alvorada e a entrega da égua criola ao presidente na Granja do Torto, há duas semanas.

Outro exemplo é o de Lula tocando violino e a prefeita Marta Suplicy, violoncelo. Acrescente-se o fato de que só o assessor de Imprensa da Presidência, Ricardo Kotscho, assistiu ao encontro do presidente com o arquiteto Oscar Niemeyer, e produziu um texto que foi reproduzido por O Globo.

Além de qualificar seus conteúdos, o setor de comunicação já realiza uma cobertura que abrange desde partidas de futebol da segunda divisão até eventos culturais, passando pelo dia-a-dia do Congresso e do Judiciário, cenários internacionais, como a Guerra do Iraque, e indo até a simples informação sobre a participação de uma anônima cooperativa no festival de Inverno de Bonito (MS).

Exagero – O governo oferecerá um noticiário social, político, econômico, cultural e esportivo com o enfoque de seu interesse. Apesar disso, a socióloga Aspásia Camargo acha exagerada a comparação com o DIP. Uma das maiores estudiosas da ditadura Vargas, ela acha que naquela época havia o monopólio total da comunicação.

?Hoje, mesmo que o governo ofereça facilidade e gratuidade, as pessoas têm espírito crítico para escolher o que é ruim e o que não é. Existem também as agências de notícias que podem ser consultadas por todos, permitindo comparação na hora. Por fim, ao contrário da Era Vargas, os jornais escrevem o que querem contra o governo, sem censura nenhuma.?

O PSDB discorda. ?Daqui a pouco só as notícias de interesse do governo serão publicadas?, alerta Aníbal. A iniciativa do governo acende polêmicas e provoca reações indignadas. De um lado, questiona-se a legitimidade de ampliar a cobertura para além da fronteira dos assuntos da agenda oficial, deixando de oferecer noticiário de interesse do público para distribuir gratuitamente noticiário de interesse do governo.

?Isso é dumping de Estado?, diz o senador Arthur Virgílio (AM), líder do PSDB no Senado. ?O sistema de comunicação do governo, financiado pelo contribuinte, concorre com produto diferenciado no mercado de mídia.? Para ele, revela-se aí uma estratégia de natureza ideológica. ?O resultado será a previsível padronização da informação. Querem que todo o País passe a pensar como o PT, partido que não tem um projeto de governo, mas de poder.?

?O governo procura pôr em prática o seu big brother?, continua Virgílio, numa referência ao controle total dos cidadãos pelo Estado, previsto pelo escritor George Orwell no romance 1984. ?O ministro José Dirceu (Casa Civil) vigia os cidadãos 24 horas por dia. Outro dia, ameaçou punir Maurício Dias David, que é funcionário do BNDES, porque num programa de televisão exibido à 1h30 ele criticou o Orçamento. O Dirceu nem dorme mais?, ataca Virgílio.”

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“Radiobrás nega competição com agências privadas”, copyright O Estado de S. Paulo, 14/09/03

“O presidente da Radiobrás, Eugênio Bucci, diz que a intenção da estatal não é disputar mercado com as agências privadas nem assumir o controle da comunicação no País. ?Não queremos concorrer com outras agências. Por isso, evitamos atividades já cobertas pelas estruturas comerciais normais?, explica. ?Isso é a diretriz da Radiobrás, porque um sistema de divulgação saudável não pode abrir mão do vigor da mídia comercial.?

Bucci foi nomeado para o comando da estatal pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por sugestão do ministro de Comunicação de Governo e Gestão Estratégica, Luiz Gushiken. Ele é filiado ao PT desde 1980. ?Mas nunca renovei minha ficha partidária nem atualizei a filiação.? Bucci já trabalhou no Estado, ocupou cargo de direção nas principais revistas da Editora Abril e ultimamente colaborava com O Globo e a Folha de S. Paulo. ?Quando aceitei o cargo de presidente da Radiobrás, interrompi toda minha atividade jornalística em jornais e revistas. Entendi que perdi a condição de fazer qualquer crítica jornalística?, diz ele, que também é professor licenciado de ética jornalística da Fundação Cásper Líbero.

?A Radiobrás pode desempenhar papel importante, pelas rádios, pela agência, e fornecendo material jornalístico gratuitamente para os veículos comerciais?, afirma. Para Bucci, um dos papéis da empresa é dar acesso ao público a tudo o que o governo faz. ?Uma de nossas orientações, para isso, é deixar de lado a linguagem tecnocrática e utilizar a linguagem do cidadão.

Não adianta falar em superávit primário e G-8 se o cidadão não sabe o que é isso.? A orientação, informa, é sempre traduzir os termos técnicos no noticiário.

Até a gestão de Fernando Henrique Cardoso, cabia à Radiobrás cuidar da imagem do governo. Com a ascensão do PT ao poder, essa função passou para a Secretaria de Comunicação de Governo, cujo titular é o ministro Luiz Gushiken. ?Desde o governo anterior, a Agência Brasil (da Radiobrás) goza de muita credibilidade, porque produz e veicula notícias objetivas. Tanto que o material da Agência Brasil é reproduzido em vários jornais e emissoras de rádio que têm muito crédito.?

Direito – A Radiobrás, diz Bucci, já é respeitada como agência capaz de produzir relatos objetivos. Para ele, a mudança nos serviços de divulgação do governo é uma evolução natural, porque o País caminhou para a democracia. Antes, o sistema de comunicação estatal era usado como meio de propaganda do governo. ?Dentro dessa nova visão, o que eu acho fundamental é que, como empresa pública, a Radiobrás tem que trabalhar para o cidadão.? A notícia, no seu entender, pode circular como mercadoria, como a medicina. ?Mas, como a saúde, é um direito.?

O presidente da Radiobrás diz que hoje há uma nova filosofia de trabalho no setor de comunicação do governo. ?Criamos 16 grupos de trabalho, encarregados de fazer planos específicos e estratégicos. Esses grupos contam com a participação de 148 funcionários.? Entre as funções dadas aos grupos, estão, por exemplo: criação de um manual de redação, debate sobre os problemas da sede da empresa – ?são vários?, diz Bucci – e até plano de cargo de salários.

Bucci entende que a Radiobrás tornou-se um instrumento necessário à divulgação de notícias, porque a mídia particular não cobre todo o Brasil.

?No País existem bolsões de carência informativa, que se encontram em regiões menos assistidas e nos centros metropolitanos, em faixas da população, que por não terem poder aquisitivo, não têm informação de qualidade, requisito da cidadania.?”

“Gushiken diz que objetivo é divulgar governo…”, copyright O Estado de S. Paulo, 14/09/03

“Um dos principais mentores do sistema de comunicação do governo, o ministro de Comunicação de Governo e Gestão Estratégica (Secom), Luiz Gushiken, defende a atuação da Radiobrás. ?O que a empresa busca oferecer em matéria de comunicação são informações de governo?, diz. ?A Radiobrás é hoje fonte de informação muito grande para a imprensa.? Toda a verba publicitária e de incentivo à cultura, mesmo que estatal, está concentrada na secretaria de Comunicação.

Gushiken informa que hoje o governo discute a idéia de organizar uma rede de televisão que vai extrapolar a fronteira nacional e deverá ser transmitida por satélite e cabo a partir do ano que vem para as Américas, incluindo Estados Unidos. Entre os cotistas, deverá estar o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). A Radiobrás fornecerá programação cultural. A idéia é uma transmissão bilíngüe. Quando o idioma for o espanhol, a legenda será em português e vice-versa.

Assim, acredita o governo que a integração será mais fácil. ?Há também um debate entre a Secom e a Casa Civil para ter no site do governo algo mais dinâmico, uma apresentação das notícias de maneira mais organizada.? Para o ministro, o acesso às agências de notícias que utilizam a internet tem de ser universal. ?A inserção digital tem de ser uma política estratégica de qualquer governo.?

Há cerca de dez dias, Gushiken participou de um seminário sobre comunicação no Palácio do Planalto. Ao falar, expôs seu conceito de comunicação de governo. Para ele, a comunicação deve, primeiramente, difundir o sentimento de ?patriotismo sadio? (a palavra, segundo Gushiken, às vezes soa mal na esquerda porque é associada a xenofobismo). ?Mas o povo precisa ter orgulho do seu país?, diz o secretário de Comunicação.

Em segundo lugar, o governo deve motivar o povo para ações úteis e solidárias, unificando os diversos programas sociais a partir do conceito de família; criar hábitos produtivos e saudáveis; difundir a imagem do Brasil para o próprio Brasil e para o exterior; mostrar o caráter de ?governo de equipe? (?Ainda que analistas considerem que o governo Lula faz muita reunião, quero dizer que isso é uma virtude, não um defeito?, diz Gushiken).

Outra prioridade da comunicação do governo, diz, deve ser a difusão de pensamentos elevados. ?Às vezes, a mídia critica os pronunciamentos do presidente, mas vejo a faculdade que o Lula tem de usar metáforas ou parábolas como grande virtude, um talento de uma pessoa que enobrece a arte de fazer política.? Pretende-se passar a idéia de que o governo está arrumando a casa, apontar a questão social como ?elemento de centralidade? do governo, buscar imprimir nos fóruns internacionais a inclusão social como tema central, consolidar a liderança de Lula no exterior e insistir no debate sobre a necessidade das reformas.”

“…mas ação da Agência Brasil vai um pouco além”, copyright O Estado de S. Paulo, 14/09/03

“O ministro de Comunicação de Governo, Luiz Gushiken, e o presidente da Radiobrás, Eugênio Bucci, afirmam que a orientação é divulgar notícias de interesse do governo, mas o cardápio da estatal vai além. Basta dar uma olhada nas notícias oferecidas no dia-a-dia (www.radiobras.gov.br) para perceber que a cobertura jornalística da Agência Brasil ultrapassa as fronteiras do interesse do governo.

Em 18 de julho, por exemplo, a Agência Brasil divulgava uma exposição sobre moradas do Brasil, noticiava que Paulo César Pinheiro fora o vencedor do Prêmio Shell de Música 2003 e chamava a atenção para as fotografias do cantor e compositor Oswaldo Montenegro num shopping de Brasília.

Curiosamente, a página de abertura tinha em seus pensamentos uma citação do escritor George Orwell, autor de 1984 e A Revolução dos Bichos, livros contrários ao controle da informação: ?… para um partido de esquerda no poder, seu mais sério antagonista é sempre a sua própria propaganda anterior?.

Na sexta-feira, dia 12, a página de esportes da Agência Brasil trazia uma fotografia do presidente Luiz Inácio Lula da Silva cabeceando uma bola de futebol, a informação de que a seleção do Brasil enfrentará a do Peru em novembro e a de que um empréstimo tinha resolvido a crise das passagens aéreas para os times de futebol da segunda divisão do Campeonato Brasileiro, além do anúncio de que a final do vôlei de praia de Campo Grande seria no sábado.”

“Para oposição, Estado virou aparelho do PT”, copyright O Estado de S. Paulo, 16/09/03

“Os líderes dos partidos de oposição acusaram ontem o governo de transformar a máquina do Estado num aparelho do PT, com a ocupação dos postos-chave por dirigentes do partido, e de montar um gigantesco sistema de comunicação para fazer a propaganda de suas ações.

Esse sistema, disse o líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio (AM), ?faz inveja ao velho DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda) de Getúlio Vargas?.

?Não vivemos sob ditadura?, afirmou Virgílio em discurso da tribuna, referindo-se à ditadura de Vargas. ?Mas agora o governo petista do presidente Lula está como queria. E isso faz lembrar o refrão que diz: quem não tem cão caça com gato, que poderia ser adaptado assim: governo que nada faz com propaganda se satisfaz?, continuou Virgílio.

O líder tucano lembrou que, como publicou o Estado no domingo, somente a estrutura da Radiobrás custa anualmente R$ 90 milhões, com 1.150 funcionários, agência de notícias que distribui informações gratuitamente, quatro emissoras de rádio e duas de televisão, além de uma agência de notícias dentro do Palácio do Planalto e um sistema de pronta resposta na Secretaria de Comunicação (Secom). O objetivo do projeto é alcançar um público estimado em 100 milhões de pessoas.

O líder do PFL na Câmara, José Carlos Aleluia (BA), disse que por trás da montagem da supermáquina de comunicação está o projeto do governo de aparelhar todo o Estado. ?Já ocuparam os setores de energia, de petróleo e de saúde e agora estão se preparando para transformar a comunicação em monopólio do Estado, com a distribuição de notícias que só interessam ao governo?, disse Aleluia. ?O presidente Lula é um democrata, mas está provado que seu governo não é democrático. Ele se cercou de pessoas autoritárias e, se não tiver cuidado, se não repensar a máquina do Estado, passará para a história como um governo autoritário?, afirmou ainda o líder do PFL.

‘Lavagem’ – Já o líder do PFL no Senado, José Agripino Maia (RN), disse que a Radiobrás está sendo remontada e profissionais de carreira estão sendo demitidos. ?Em seu lugar são nomeados jornalistas de cargos de confiança com salários entre R$ 6 mil e R$ 8 mil?, criticou. ?A operação já está sendo chamada de DIP do século 21, em uma referência ao Departamento de Propaganda e Imprensa fundado durante a ditadura de Getúlio Vargas, na década de 30.? E advertiu: ?O governo do PT quer fazer uma lavagem cerebral nos brasileiros.?

Agripino lembrou que o presidente da Radiobrás, Eugênio Bucci, afirmou que considera a notícia uma mercadoria, como a medicina, e que ambas são direitos dos cidadãos. ?Mas o que aconteceu no Instituto do Câncer foi o desbaratamento do sistema de saúde?, disse Agripino. Para o senador, o governo do PT é bom de comunicação, mas se equivoca ao esquecer que o povo acredita no que vê, e não no que lê.

?Em nove meses de governo, o PT ainda não disse a que veio. Lula tem um claro projeto de poder, mas não tem um projeto de governo. Tenta fazer uma lavagem cerebral com a remontagem da Radiobrás e passa por cima das pessoas com o estandarte?, disse.

Ao falar sobre o estandarte, o líder referia-se a dois pôsteres gigantes pendurados no prédio do Congresso Nacional para fazer a publicidade de um projeto de alfabetização do governo federal. ?Fiquei extasiado com a mudança no cartão postal de Brasília. Nem imagino o que o arquiteto Oscar Niemeyer achou da desfiguração do Congresso?, criticou Agripino.”