Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

"Jornal compara Berlusconi a Collor", copyright Folha de S. Paulo, 10/05/01

MONITOR DA IMPRENSA


ASPAS

O FENÔMENO BERLUSCONI

"Uma cena eleitoreira protagonizada pelo candidato de centro-direita a primeiro-ministro da Itália, Silvio Berlusconi, levou o jornal ?La Repubblica? a comparar o político ao ex-presidente Fernando Collor e a Itália a uma ?república de bananas?, em alusão ao Brasil.

Ao criticar a presença do candidato no programa de TV ?Porta a Porta? para assinar um ?contrato? com os eleitores -no qual se comprometeu a não disputar as eleições seguintes se não cumprir suas promessas de governo-, o artigo intitulado ?Joguetes eleitorais? diz que o ?teatro terceiro-mundista? de Berlusconi era uma situação já vista no Brasil.

?São cenas já vistas no Brasil de Collor, o presidente das telenovelas. Mas a Europa não deve se preocupar, não somos uma república de bananas?, ironizou o ?La Repubblica?.

A afirmação foi uma referência a uma declaração do proprietário da Fiat, Giovanni Agnelli. Em comentários em que condenou a revista britânica ?The Economist? por criticar Berlusconi, Agnelli disse que a Itália não é ?república de bananas? e, portanto, não precisa do que interpretou como ?ingerência estrangeira? para decidir quem eleger. Outros jornais europeus já criticaram Berlusconi."

***

"O escritor italiano Umberto Eco somou-se ontem ao grupo de intelectuais que se posiciona publicamente contra a eventual eleição do candidato da coalizão de centro-direita, Silvio Berlusconi, neste domingo. ?Ninguém gostaria de acordar um dia e descobrir que todos os jornais pertencem à mesma pessoa. Nós nos sentiríamos menos livres?, escreveu Eco em manifesto veiculado na revista on-line italiana ?Golem?.

No texto, intitulado ?Por quem os sinos dobram??, nome de um romance de Ernest Hemingway, Eco discorre sobre os riscos de ter um só homem controlando os principais meios de comunicação do país, especialmente se ele também for premiê. ?A mesma pessoa (Berlusconi) teria como propriedade privada três redes de TV e, graças ao controle político, as outras três (públicas) -as seis maiores redes de TV italianas- para formar a opinião pública.?

Um dos mais importantes intelectuais contemporâneos, o autor de ?O Nome da Rosa? vê como inevitáveis o conflito de interesses e o prejuízo à pluralidade de opiniões, que caracteriza a democracia, no caso de Berlusconi -que lidera as pesquisas de intenção de voto- ser eleito.

Segundo Eco, a maioria do eleitorado de Berlusconi é composta de pessoas sem opinião formada, pouco informadas e muito vulneráveis à cultura televisiva do ?espetáculo?. O restante votaria por convicção, seja por simpatia com o ideário conservador e xenófobo ao qual Berlusconi está vinculado, seja por interesses isolados.

?Contra a instauração de uma ditadura, contra a ideologia do espetáculo, para salvaguardar a multiplicidade de informações em nosso país, consideramos as próximas eleições como um referendo moral do qual ninguém pode abster-se?, termina o texto de Eco, que exorta o eleitorado a não votar em Berlusconi.

Gianfranco Fini, líder da Aliança Nacional, que faz parte da coalizão de Berlusconi, anunciou que apresentará, nos primeiros cem dias de um eventual governo de centro-direita, um projeto de lei para evitar o conflito de interesses entre os negócios do empresário milanês e suas políticas.

Num programa de TV, Berlusconi firmou o que chamou de ?contrato com os italianos?, no qual se compromete a cumprir as propostas de seu programa. ?Esse contrato estabelece que, se eu não cumprir ao menos 4 dessas 5 promessas, não concorrerei às eleições seguintes?, afirmou."

"Ninguém gostaria de acordar certa manhã e descobrir que todos os jornais, o Corriere della Sera, La Repubblica, La Stampa, Il Messaggero, Il Giornale e assim por diante, do L’Unità ao Manifesto, e inclusive os semanários e mensários, do Espresso ao Novella 2000, quando não esta revista online que estão lendo, pertencem ao mesmo proprietário e fatalmente refletem suas opi-niões. Nos sentiríamos menos livres. Mas é isto que aconteceria com uma vitória do Pólo que se diz da Liberdade (Coligação de direita liderada por Silvio Berlusconi).

O mesmo patrão teria como propriedade privada três redes de televisão e sob controle político as três outras – e as seis maiores redes de TV nacionais contam mais, na formação da opinião pública, que todos os jornais juntos.

O mesmo proprietário já tem sob controle diários e revistas importantes, mas sabemos o que acontece nesses casos: outros jornais se alinhariam à esfera governamental, seja por tradição seja porque seus proprietários considerariam útil para os próprios interesses designar diretores próximos da nova maioria parlamentar. Em pouco tempo, teríamos um regime de fato.

Por regime de fato devemos entender um fenômeno que sobreviria por si mesmo, ainda que admitamos que Berlusconi é homem de absoluta retidão, que sua riqueza foi constituída de forma irrepreensível, que seu desejo de servir ao país até mesmo contra seus próprios interesses é sincero. Se um homem se visse em condições de controlar de fato todas as fontes de informação do próprio país, nem mesmo se fosse um santo poderia fugir à tentação de dirigi-lo segundo a lógica imposta pelo sistema, e ainda que desse o melhor de si para fugir desta tentação, o regime de fato seria gerido por seus colaboradores. Nunca se viu, na história de país algum, um jornal ou uma rede de televisão que empreendessem espontaneamente uma campanha contra o próprio dono.

Esta situação, já agora conhecida em todo o mundo como a anomalia italiana, deveria ser suficiente para estabelecer que uma vitória do Pólo em nosso país não equivaleria – como afirmam muitos politólogos – a uma alternância normal entre direitas e esquerdas que faz parte da dialética democrática. A instauração de um regime de fato (que, repito, instaura-se independentemente das vontades individuais) não faz parte de nenhuma dialética democrática.

Para entender por que a nossa anomalia não alarma a maioria dos italianos convém examinar antes de mais nada qual pode ser o eleitorado potencial do Pólo. Ele divide-se em duas categorias. O primeiro é o Eleitorado Motivado.

É formado pelos que aderem ao Pólo por efetiva convicção. É uma convicção motivada, a do partidário delirante da Liga Norte que gostaria de despachar os extracomunitários [cidadãos de fora da União Européia]e possivelmente os meridionais em vagões hermeticamente fechados; a do partidário moderado da Liga que considera conveniente defender os interesses particulares da sua área geográfica pensando que pode viver e prosperar separada e blindada do resto do mundo; a do ex-fascista que, embora aceitando (talvez a contragosto) a ordem democrática, pretende defender os próprios valores nacionalistas e empreender uma revisão radical da história do Novecento; a do empresário que considera (justificadamente) que as eventuais isenções fiscais prometidas pelo Pólo beneficiarão apenas os abastados; a daqueles que, tendo caído nas malhas da Justiça, vêem no Pólo uma aliança que limitará a independência do ministério público; a daqueles que não querem que seus impostos sejam gastos pelas regiões pobres. Para todos esses, a anomalia e o regime de fato, senão benvindos, são de todo modo um preço irrisório a pagar para ver concretizados os próprios objetivos – e portanto nenhuma argumentação contrária poderá demovê-los de uma decisão tomada com conhecimento de causa.

A segunda categoria, que chamaremos de Eleitorado Fascinado, certamente a mais numerosa, é a dos que não têm uma opinião política definida, mas basearam o seu sistema de valores na educação rasteira promovida durante décadas pelas televisões, e não apenas as de Berlusconi. Para estes vigoram ideais de bem-estar material e uma visão mítica da vida, não distante da que prevalece entre os que chamaremos genericamente de Migrantes Albaneses. O Migrante Albanês nem sequer pensaria em vir para a Itália se a televisão lhe houvesse mostrado durante anos apenas a Itália de Roma, cidade aberta, de Ossessione, de Paisà – caso em que preferiria manter-se longe dessa terra infeliz. Ele migra porque conhece uma Itália em que uma televisão rica e colorida distribui facilmente riqueza a quem é capaz de responder que o nome de Garibaldi era Giuseppe, uma Itália do espetáculo.

Ora, a esse eleitorado que, entre outras coisas (como mostram as estatísticas), lê poucos jornais e pouquíssimos livros, pouco importa que se instaure um regime de fato, que não diminuiria, antes aumentaria a quantidade de espetáculo a que se habituou. Não deixa portanto de ser engraçado que insistam em tentar sensibilizá-lo falando do conflito de interesses. A resposta que se ouve com freqüência é que ninguém se importa que Berlusconi defenda os próprios interesses se promete defender os deles. A esses eleitores não é o caso de dizer que Berlusconi modificaria a Constituição, primeiro porque nunca leram a Constituição, e segundo porque ouviram até dizer que a Oliveira [a coligação de centro esquerda que se opõe a Berlusconi]também modificaria a Constituição. E então? O artigo da Constituição que poderia vir a ser modificado é para eles algo irrelevante. Não esqueçamos que logo depois da Constituinte, [o jornal]Candido ironizava em caricaturas o artigo segundo, no qual a república defende a paisagem, como se se tratasse de um esdrúxulo e irrelevante convite à jardinagem. O fato de que esse artigo se antecipasse às atuais e tremendas preocupações com a salvação do meio ambiente era algo que escapava não só ao grande público, mas até a jornalistas bem informados.

A este eleitorado não adianta gritar que Berlusconi amordaçaria os juízes, pois a idéia de justiça associa-se à de ameaça e intrusão em seus negócios privados. Este eleitorado afirma candidamente que um presidente rico pelo menos não roubaria, pois encara a corrupção em termos de milhões ou centenas de milhões, e não em termos astronômicos de bilhões ou trilhões. Esses eleitores acham (com razão) que Berlusconi não se deixaria corromper por uma propina equivalente ao preço de um apartamento de três quartos com banheiro, ou pelo presente de um carro de alta cilindrada, mas acham imperceptível (como de resto quase todos nós) a diferença entre dez trilhões e vinte trilhões. A idéia de que um parlamento controlado pela nova maioria possa votar uma lei que, por uma concatenação de causas e efeitos não imediatamente compreensível, renda ao chefe do governo um trilhão não corresponde a sua noção quotidiana de dar e ter, comprar, vender ou trocar. Qual o sentido de falar a esses eleitores de off-shore, se no máximo pensam nesses litorais exóticos para sonhar com uma semana de férias em vôo charter?

Qual o sentido de falar a esses eleitores da Economist, quando ignoram até o nome de muitos jornais italianos e não sabem de que tendência são, e viajando de trem comprariam indiferentemente uma revista de direita ou de esquerda, desde que tivesse um traseiro na capa? Esse eleitorado é portanto insensível a qualquer denúncia, à objeção de qualquer preocupação com um regime de fato. Ele é um produto da nossa sociedade, com anos e anos de atenção aos valores do sucesso e da riqueza fácil, produto inclusive da imprensa e da televisão não de direita, produto de desfiles de modelos sinuosas, de mães que finalmente voltam a abraçar o filho que emigrou para a Austrália, de casais que recebem a solidariedade dos vizinhos porque exibiram suas crises conjugais diante de uma câmera, do Sagrado constantemente transformado em espetáculo, da ideologia de que basta roubar para vencer, da pouca sedução midiática de qualquer notícia que diga o que as estatísticas provam, que a criminalidade diminuiu, ao passo que é muito mais morbidamente visível o caso de criminalidade hedionda, que leva a pensar que o que aconteceu uma vez pode acontecer amanhã a todo mundo.

Este Eleitorado Fascinado é o que dará a vitória ao Pólo. A Itália que teremos é a que ele quis.

Ante o Eleitorado Motivado e o Eleitorado Fascinado da direita, contudo, o maior perigo para o nosso país é constituído pelo Eleitorado Desmotivado de esquerda (e digo esquerda no sentido mais amplo da palavra, do velho laico republicano ao jovem do Partido da Refundação Comunista, passando pelo voluntário católico que não confia mais na classe política). É a massa daqueles que têm conhecimento de todas as coisas ditas até agora (e nem seria necessário repeti-las), mas estão desiludidos com o atual governo, contemplando desanimadamente o que receberam no confronto com o que esperavam, e se emasculam para causar despeito à mulher. Para punir os que não os satisfizeram, darão a vitória ao regime de fato. Sua responsabilidade moral é enorme, e amanhã a História não criticará os drogados das telenovelas [Nota do Tradutor: Em português no original], que terão obtido a telenovela que queriam, mas aqueles que, mesmo lendo livros e jornais, ainda não se deram conta ou tentam desesperadamente ignorar que não têm encontro marcado dentro de alguns dias com eleições normais, mas com um Referendo Moral. Na medida em que se recusarem a tomar consciência disto, estão fadados ao inferno dos covardes.

Contra a covardia, são aqui chamados inclusive os indecisos e os desiludidos a subscrever uma convocação muito simples, que não os obriga a compartilhar todas as considerações deste artigo, mas apenas a parte que se segue em negrito.

Contra a instauração de um regime de fato, contra a ideologia do espetáculo, para salvaguardar em nosso País a multiplicidade da informação, consideramos as próximas eleições como um Referendo Moral, do qual ninguém tem o direito de eximir-se.

Este será, para muitos, um apelo a botar a mão na consciência e assumir a própria responsabilidade. Pois ?nenhum homem é uma ilha – Nunca mande perguntar por quem os sinos dobram: eles dobram por você?."

"A Federação Internacional de Jornalistas afirmou hoje que o sucesso eleitoral do magnata das comunicações Silvio Berlusconi na Itália mostra a necessidade de novos controles para ?limitar a concentração de mídia nas mãos dos políticos?. A FIJ pediu à União Européia para impor limites a fim de garantir que políticos não tenham o controle excessivo da mídia de qualquer país.

?Quando ocorre a concentração (do controle) da mídia é inevitável que a mídia se torne veículo de defesa de estreitos interesses políticos e comerciais?, disse Aiden White, secretário-geral da FIJ. ?A eleição de Silvio Berlusconi oferece evidência convincente?.

Num comunicado, a FIJ citou uma pesquisa mostrando que os canais de televisão de Berlusconi deram a ele quatro vezes mais exposição do que a seu principal rival.

?A inclinação é inevitável?, afirmou White. ?É chocante que em uma das principais democracias do mundo seja permitido tal conflito de interesse?.

A FIJ, baseada em Bruxelas, é a maior organização de jornalistas do mundo, representando 450.000 profissionais de mídia de mais de 100 nações."


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