Wednesday, 01 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Jornalismo com H, de Hiroshima

REPORTAGEM & LITERATURA

Matinas Suzuki Jr. (*)

Hiroshima, de John Hersey, tradução de Hildegard Feist, 172 pp, Companhia das Letras, São Paulo, 2002. Tel. (11) 3167-0801, <www.companhiadasletras.com.br>

O texto a seguir foi publicado originalmente como o posfácio do livro Hiroshima, com o título "Jornalismo com H". Nele, M.S.J. recupera os antecedentes da reportagem de John Hersey, revela os bastidores da edição da matéria na revista The New Yorker e traz informações sobre a trajetória do experiente repórter, ganhador de um prêmio Pulitzer (1945) e dono de larga experiência internacional. Mostra ainda a reação que a reportagem suscitou na época de sua publicação e trata da origem e do desenvolvimento do jornalismo literário.

I

Hiroshima é uma espécie de Cidadão Kane do jornalismo. Como o filme de Orson Welles, ela lidera todas as listas de "melhor reportagem" já escrita. O autor, John Hersey, precisou de 31.347 palavras para explicar como uma única explosão matou 100 mil pessoas, danificou seriamente os corpos de mais 100 mil e feriu a alma da humanidade.

Nenhuma outra reportagem na história do jornalismo teve a repercussão de Hiroshima. Os cerca de 300 mil exemplares da revista The New Yorker, com a data no cabeçalho de 31 de
agosto de 1946, esgotaram-se rapidamente nas bancas. O preço de capa era 15 centavos de dólar, mas cópias chegaram a ser vendidas por valores entre 15 dólares e 20 dólares. Do país todo e do estrangeiro chegavam à redação pedidos de autorização para a reimpressão da matéria (os direitos eram doados para a Cruz Vermelha).

A cadeia de rádio ABC pôs no ar atores lendo a reportagem de Hersey. A BBC, em Londres, fez o mesmo. Albert Einstein enviou um pedido de compra de mil exemplares, mas não pôde ser atendido. Quando foi editada em livro, o Clube do Livro do Mês distribuiu um milhão de cópias gratuitamente a seus associados. A matriarca do colunismo sobre celebridades de Holywood, Louella Parsons, incluiu John Hersey na lista dos
dez americanos mais importantes de 1946.

Em 30 de agosto de 1946, lia-se no The New York Times:


"Nossa contemporânea semanal, The New Yorker, traz normalmente comentários pungentes, boa reportagem, críticas competentes e mais material que não pretende provocar risadas. Contudo, em textos e imagens, o riso está usualmente lá. Nesta semana, não, a revista inteira foi dada para John Hersey contar o que aconteceu a seis principais personagens e cerca de 245 mil outros na cidade japonesa de Hiroshima, em 6 de agosto de 1945 e depois. O que aconteceu com 100 mil é claro. Eles morreram. O que aconteceu com os seis afortunados é um exemplo do quanto o ser humano pode resistir e não morrer. Todo americano que tem se permitido fazer piadas sobre as bombas atômicas, ou que as tenha visto apenas como um fenômeno sensacional que pode ser aceito como parte da civilização ? como o avião e o motor a gasolina -, ou que tenha se deixado especular interiormente sobre o que nós deveríamos fazer com elas se fôssemos forçados a entrar em uma nova guerra, deve ler John Hersey. Quando esse artigo de revista aparecer em formato de livro, os críticos dirão, no estilo deles, que ele é um clássico. Mas ele é muito mais do que isso".


II

Hiroshima é um exemplo de que ninguém, nem mesmo John Hersey, faz grande jornalismo sozinho. Ele teve dois cúmplices editoriais: Harold Ross, o fundador da The New Yorker 21 anos antes, e William Shawn, o editor que trabalhou por 55 anos na revista que passou a ter a reputação de publicar os melhores textos que a imprensa já teve ? e ele só escreveu para ela um solitário artigo, em 1936, usando as iniciais WS como assinatura.

Foi Shawn quem teve a idéia de contar direito para os americanos o que havia ocorrido em Hiroshima, após a explosão da primeira bomba atômica. Ele estava retomando um projeto
inacabado do ano anterior. Às vésperas de a revista sair com a reportagem de Hersey, Harold Ross escrevia a Rebecca West:


"Nós tínhamos uma pessoa [Joel Sayre] fazendo a reportagem conclusiva e final sobre o bombardeio de Colônia, uma matéria que iria dizer em detalhe, do começo ao fim, o que acontece quando uma cidade é destruída por um bombardeio. Ele tinha levantado os dados e estava razoavelmente adiantado com o texto quando a bomba atômica caiu sobre Hiroshima, e o projeto explodiu."


Em 1946, aos 32 anos, John Hersey estava cobrindo o pós-guerra no Oriente com as contas divididas, em um acordo inusitado, pelas revistas Life e The New Yorker. Antes de viajar, ele havia combinado com Shawn algumas matérias, entra elas a reportagem sobre Hiroshima.

Em março, os Estados Unidos anunciaram novas experiências com bombas atômicas, a serem realizadas dois meses depois. Da China, Hersey telegrafou a Shawn sugerindo que a revista não programasse a matéria para maio, mas que aguardasse sua volta a Nova York. Ele planejava ter a reportagem pronta por volta do aniversário de lançamento da bomba (a revista saiu depois do aniversário, em uma manifestação deliberada de que sua independência editorial não aceitava compromissos nem com efemérides). Segundo conta Ben Yagoda no livro About Town, em maio Hersey embarcou para o Japão. Durante a viagem, ao ler, na biblioteca do navio, o relato de uma catástrofe no Peru sob o ponto de vista de cinco sobreviventes, no livro The Bridge of San Luis, de Thornton Wilder, ele teve a idéia de como abordar o tema de sua reportagem sobre Hiroshima.

John Hersey ficou no Japão de 25 de maio a 12 de junho. Levou cerca de seis semanas escrevendo a reportagem. Quando entregou as 150 páginas do original, recebeu de William Shawn e Harold Ross uma série de sugestões de mudanças. As observações e perguntas que Ross fazia sobre um original passaram para a história do jornalismo como uma das marcas
características do processo editorial da The New Yorker. Os editores da revista que publicava os jornalistas/escritores mais importantes do jornalismo de sua época reescreviam todos os textos ? e aí, para muitos, residia o segredo da alta qualidade da publicação.

Ross fez 47 observações apenas sobre a primeira parte da reportagem, mais 27 depois que Hersey a reescreveu ? e mais seis depois que recebeu o re-reescrito. No total, foram mais de 200 observações. Ele não gostava do título inicialmente proposto, "Alguns eventos em Hiroshima". Ao final da primeira leitura, não estava satisfeito com a explicação dos fatos
ocorridos na cidade japonesa. Em 6 de agosto, Ross escreveu em um memorando:


"Existe, eu acho, uma falta grave na matéria. Talvez seja intenção de Hersey que seja assim. Caso seja, peça consideração, de qualquer forma, para o que eu digo. O tempo todo eu me perguntava o que matou essas pessoas, os incêndios, os escombros, a concussão ? o quê? Há um ano que me pergunto sobre isso e eu esperava avidamente que essa matéria pudesse me dizer. Ela não diz."


Hiroshima seria inicialmente publicada em série, como era prática da revista para as reportagens longas. Mas Shawn passou a pensar de forma diferente. Ele propôs a Ross publicar as mais de 30 mil palavras em uma única edição da The New Yorker. Apesar de reconhecer que aquela era uma das mais notáveis matérias que havia lido, o publisher, em princípio, hesitou. As seções regulares e os cartoons humorísticos faziam parte da fórmula da revista que ele havia lançado em 1925. Em uma carta a E.B.White ele diz que Shawn queria acordar as pessoas e que a única publicação que poderia fazer isso era a The New Yorker. Ele foi reler o manifesto de lançamento da revista ? por sinal, uma das mais interessantes peças da história do jornalismo de revistas ? e contentou-se com a primeira frase: "The New Yorker começa com uma declaração de seriedade de propósito". Shawn venceu.

Hersey, Shawn e Ross trabalharam dez dias fechados no escritório do último, mantendo em segredo (inclusive do departamento comercial) o projeto da edição monotemática. Quando a revista chegou às bancas, uma faixa de papel branca, envolvendo a colorida capa com pessoas praticando esportes de verão em um parque, avisava da alteração editorial. Das 68 páginas daquela edição, apenas uma das seções regulares foi mantida, a programação cultural semanal de Nova York. Uma nota do editor dizia:


"Esta semana The New Yorker devota todo o seu espaço editorial esta semana a um artigo sobre a quase completa obliteração de uma cidade por uma bomba atômica e o que aconteceu à população daquela cidade. Isso é feito na convicção de que poucos de nós compreenderam ainda todo o inacreditável poder destrutivo dessa arma e de que todos possam ter tempo para considerar a terrível implicação do seu uso".


Ross escreveu a Frank Sullivan que achava nunca ter tido tanta satisfação na vida quanto obteve com a publicação de Hiroshima. Quando, em novembro, ele recebeu a reportagem editada em livro, escreveu a Hersey:


"Recebi a cópia autografada do livro e reitero o comentário feito à época em que vi a dedicatória. Aquelas pessoas que diziam que Hiroshima era a matéria do ano etc, subestimaram-na. Ela é inquestionavelmente a melhor matéria jornalística do meu tempo, se não de todos os tempos".


A reportagem de Hersey não teve efeitos práticos imediatos sobre a política americana em relação à bomba atômica. Mas criou um amplo desconforto. Poucos dias depois de The New
Yorker
circular, os jornais publicaram uma declaração do almirante William F. Halsey, dizendo que os japoneses estavam prestes a se render e que "a bomba atômica [fora] um experimento desnecessário". Em fevereiro de 1947, apareceu nas páginas da Harper’s uma espécie de resposta oficial a Hiroshima, sob o título "A decisão de usar a bomba atômica", assinada pelo ex-secretário da Guerra, Henry Stimson.

A ocupação americana no Japão não permitiu que o livro com a reportagem de Hersey fosse lançado naquele país.

III

Além de bom jornalista, John Hersey tinha um anjo da guarda maior do que o dos outros. No início da sua carreira, ele era tido como o mais provável sucessor de Henry Luce no mais importante cargo jornalístico daquele tempo, o de editor da revista Time. Em parte pelo seu grande talento, em parte porque, como Luce, Hersey nasceu na China, filho de missionários americanos, e estudou na escola de Hotchkiss, Connecticut, e em Yale.

Hersey trabalhou em um verão como secretário do escritor Sinclair Lewis e depois foi para a Time. Em 1939, transferiu-se para o escritório de Chunking, na China, um dos lugares estratégicos na visão da política internacional do dono da Time. Ali, ele contratou um outro futuro protegido de Luce, o então promissor jornalista Teddy White. Na visão de White, o jovem John Hersey era invejavelmente sofisticado e bem-sucedido: "Alegre, bonito, alto, jogador de futebol americano do time universitário de Yale, Hersey tinha todas as qualidades que eu então mais admirava em qualquer contemporâneo, assim como o autocontrole e a beleza".

Depois de trabalhar nas redações de Time e Life, Hersey encontrou o seu caminho como jornalista internacional cobrindo, durante a Segunda Guerra Mundial, batalhas no Pacífico Sul, no Norte da África e na Itália. Em 1945, ele ganhou o prêmio Pulitzer de ficção com o livro A Bell for Adano. Entre 1944 e 1945 Hersey foi correspondente em Moscou. De lá, declinou um convite para voltar a Nova York, para ser um dos editores da Time. No telegrama que enviou a Luce, Hersey fazia uma declaração de princípios que inviabilizaria o futuro dele como um dos homens fortes do império Time Inc.:


"Eu nunca serei um fascista ou um comunista, mas no ano passado eu era politicamente um democrata ? e certamente sou após esta experiência [como correspondente em Moscou] ter confirmado ? politicamente um democrata com e sem D maiúsculo. Conhecendo e admirando a sinceridade da sua crença como republicano, temo que minha obstinada convicção não ajude a mim ou à Time, caso eu me torne um editor."


O desentendimento entre Hersey e Harry Luce aumentou quando Time, sob o comando de Whittaker Chambers (com o consentimento tácito de Luce) na editoria internacional, passou a editorializar todo os despachos internacionais enviados pelos correspondentes. O "século americano" era uma visão construída pela Time, pela Life e por Henry Luce ? e o século americano era intervencionista, visceralmente anticomunista, republicano, pró- Chiang Kai-shek e pró-Yale. Quando a The New Yorker (que já não contava com a simpatia de Luce, depois de um perfil irônico com o qual o dono da Time foi contemplado na revista de Ross ? e este último não atendera aos pedidos do primeiro para mudar o que ele considerava o "tom malicioso" da matéria. "Eu acredito em malícia", disse Ross a Luce) saiu com toda a edição dedicada a Hiroshima, Henry Luce ficou furioso e mandou tirar o retrato de Hersey da galeria de honra da Time Inc. Em parte, porque ele achava que a reportagem feria os interesses americanos, em parte porque se sentia traído por Hersey, embora nenhuma de suas publicações tivesse escopo editorial para publicar a longa reportagem na íntegra.

Hiroshima não trazia revelações técnicas e dados desconhecidos sobre os efeitos da bomba atômica. Seu impacto veio do enfoque e da abordagem escolhidas por Hersey. Humanizando o que havia ocorrido por meio do relato de seis sobreviventes ? duas mulheres e quatro homens, sendo que um deles um estrangeiro no Japão ? ele aproximou a abstração ameaçadora de uma bomba atômica da experiência cotidiana dos leitores. O horror tinha nome, idade e sexo. Ao optar por um texto simples, sem enfatizar emoções, ele deixou fluir o relato oral de quem realmente viveu a história. O tom da reportagem é um prolongamento do sofrimento silencioso que os sobreviventes de Hiroshima notaram em seus conterrâneos feridos.

Quarenta anos depois, Hersey escreveu a Paul Boyer dizendo que "o estilo direto foi deliberado, eu ainda penso que eu estava certo ao adotá-lo. Um maneirismo de alta literatura, ou a demonstração de paixão poderiam ter me conduzido à história como mediador; eu queria evitar essa mediação, assim a experiência do leitor poderia ser a mais direta possível".

Para muitos, o jornalismo literário moderno começa, se não com Hiroshima, com John Hersey. Para Ben Yagoda, Hersey "que tinha o olho e a orelha de um romancista e a ética de trabalho de um repórter, era a pessoa perfeita para misturar a forma ficcional com o conteúdo jornalístico; The New Yorker, com a sua reputação de ser impecavelmente acurada, era o lugar perfeito para dar respeitabilidade a esse novo método".

Tom Wolfe, no prefácio da sua antologia The New Journalism, cita uma reportagem de Hersey ("Joe is home now", publicada na Life em 1944) como a precursora daquele estilo jornalístico ? que, radicalizando o jornalismo literário, iria marcar os anos 60. Ainda há quem cite outra reportagem de Hersey como o marco inaugural do novo gênero jornalístico. No início de 1944, ele foi ver Zero Mostel se apresentar no La Martinique, de Nova York. Estava acompanhado de sua mulher, Frances Ann Cannon, e de um jovem oficial da Marinha americana, filho de um ex-embaixador dos EUA na Inglaterra, chamado John F. Kennedy.

John F. Kennedy contou a Hersey como, no ano anterior, ele e seus homens sobreviveram, em condições muito difíceis, ao naufrágio do barco em que estavam no Pacífico Sul. Hersey se interessou pelo caso, fez várias entrevistas e a publicou na The New Yorker com o título de "Survival" (a história virou também um filme, PT 109, dirigido por Leslie Martinson e lançado em 1963).

O estilo narrativo do repórter, com descrições detalhadas, chamou a atenção, mas a matéria também ficou famosa por ter criado um caso entre Harold Ross e o pai do futuro presidente dos EUA. Tanto a Marinha americana quanto Joseph Kennedy pressentiram que a reportagem de Hersey poderia contribuir tanto para a imagem de heroísmo daquela Arma, quanto para auxiliar no lançamento da carreira política de John F. Kennedy. Havia, contudo, o inconveniente de que a The New Yorker era uma revista de circulação restrita a uma elite. Houve então uma pressão para a revista ceder a matéria para uma publicação de circulação maior, a Seleções de Reader’s Digest. Os Kennedy se ofereciam para pagar mais 2 mil dólares para a reportagem ir para Seleções ? e sugeriam que o dinheiro fosse enviado para a viúva de um dos marinheiros.

Ross não queria vender a matéria e também não gostava que os textos da sua revista fossem reimpressos por Seleções, mas, sentindo que a pressão vinha de "gente grande", propôs um acordo no qual The New Yorker publicava o texto inicialmente e depois a Seleções poderia republicá-lo. A carta que enviou para o velho Joseph Kennedy termina com o seguinte post scriptum:


"Nós também decidimos que se a Seleções não puder reimprimir a matéria, nós pagaremos para a viúva do marinheiro os 2 mil dólares que ela poderia receber da Seleções, então se a Seleções não der as caras, ela, a viúva, e The New Yorker, as pessoas pequenas, estaremos satisfeitos.Eu penso que o autor estaria satisfeito também."


IV

O jornalismo sempre esteve ligado, se não à literatura, aos literatos. Escritores como Daniel Defoe, Charles Dickens e Jack London estão entre os muitos que são citados tanto no campo da ficção quanto na história da imprensa. O Brasil, onde o gênero não teve continuidade, produziu um dos maiores clássicos do jornalismo literário, as reportagens de Euclydes da Cunha sobre Antonio Conselheiro e Canudos, publicadas originalmente nas páginas de O Estado de S. Paulo.

Na tradição americana, esse tipo híbrido de narrativa tem várias denominações: jornalismo literário, literatura de não-ficção, ensaio, jornalismo de autor, novo jornalismo. Como gênero ambivalente, sofre a crítica dos que acham que ele não é nem uma coisa nem outra. Não seria jornalismo e, se fosse literatura, seria uma literatura de segunda classe.

A preocupação com o tema é antiga. O termo "novo jornalismo", por exemplo, foi usado em 1887 por Mat Arnold, para descrever o estilo vivo das reportagens que W.T. Stead escrevia para a Pall Mall Gazette. São também citados como referências históricas do estilo híbrido os conceitos de Lincoln Steffens (ele dizia querer fazer um novo tipo de jornalismo diário "pessoal, literário e imediato") e de Hutchins Hapgood para criar um jornalismo literário no Comercial Adviser, e as reportagens experimentais que o veículo publicou no início do século 20.

A discussão acadêmica não impediu que esse terceiro gênero se estabelecesse como uma das forças narrativas americanas. Os especialistas exigem alguns requisitos para que uma obra possa ser classificada como pertencente ao jornalismo literário. Ela deve ser publicada originalmente em um jornal ou revista (a partir dos anos 80, com a diminuição crescente do espaço nos jornais e revistas, alguns autores passaram a publicar reportagens diretamente na forma de livro; no Brasil, essa foi praticamente a única maneira de o jornalismo literário sobreviver). Ela precisa estar ancorada em fatos. Sua mat&eeacute;ria-prima é o trabalho de grande apuração: muitas entrevistas, muito bate-pé de repórter, pesquisa em arquivos, exaustiva investigação de fatos, levantamento de dados.

Essa técnica é chamada de "reportagem de imersão". Os representantes do novo jornalismo fizeram dela um de seus dogmas, a tal ponto que George Plimpton treinou em times profissionais de beisebol e de futebol americano e lutou com um ex-campeão peso-pesado para se sentir qualificado a escrever sobre esportes. Mark Kramer, no livro Literary Journalism, diz que o trabalho de uma matéria toma


"…semanas ou meses, incluindo o tempo gasto lendo temas relacionados com economia, psicologia, política, história e ciência. Jornalistas literários fazem anotações elaboradas retendo as palavras das citações, a seqüência dos eventos, detalhes que mostram a personalidade, atmosfera e o conteúdo sensorial e emocional. Nós temos mais tempo do que é permitido para os jornalistas que escrevem diariamente, temos mais tempo para uma segunda avaliação e para repensar as primeiras reações".


Alguns autores colocam ainda a necessidade de se preservar a ética jornalística e de haver uma preocupação esmerada com acorreção factual (rigorosa no caso da The New Yorker, por exemplo, que possui um eficiente departamento de checagem) da publicação, como aparas para o vôo livre do repórter/escritor. Terminada a lição de casa da exaustiva apuração, o jornalista literário expressa a sua voz com mais liberdade do que no âmbito do jornalismo convencional ou, na expressão de Ben Yagoda, faz "os fatos dançarem".

No momento em que o jornalismo, por força das mudanças acentuadas da vida contemporânea, encontra-se em fase de redefinição, uma volta aos clássicos do jornalismo literário pode ser útil para se desenhar alguns modelos, principalmente para aqueles que acreditam que o futuro dos jornais e das revistas de papel está na diferenciação pela qualidade (não só da informação e da análise, mas também do texto).

Para aqueles que não se interessam pelas questões jornalísticas, esta edição de Hiroshima dá, com um atraso considerável, o direito de conhecer um dos textos fundamentais sobre os efeitos da bomba atômica.

(*) Jornalista, presidente do iG