Friday, 03 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1286

Jornalismo e bandidagem

 

Nahum Sirotsky, em Jerusalém

A história de Jacó Nimrodi é tão incrível que nenhum escritor de contos policiais chegou ainda a imaginá-la. Ex-assessor militar de Israel junto ao então xá da Pérsia, Reza Pahlevi (derrubado pelos aiatolás que hoje dominam o país), Nimrodi enriqueceu depois de deixar o uniforme e a função. O Nimrod original, o legendário, teria fundado a Babilônia. O atual Nimrodi virou comerciante de armas – negócio quase tão bom quanto o narcotráfico.

Ele tem brilhante passado nas Forças Armadas israelenses. É um homem de conceito e respeitado, amigo e companheiro de muitos dos que chegaram a posições de poder no Estado israelense.

No início da vida de Israel, cada partido político tinha seu jornal diário. Surgiram também o Yediot Aharonot, o Maariv e o Haaretz. Com a passagem da economia social-democrática para a socialista, os jornais de partido foram morrendo. Não recebiam anúncios e custavam caro demais para serem sustentados. Ficaram os três de propriedade particular: o Haaretz (A Terra ou A Pátria) pertence a uma rica família que, inclusive, tem próspera editora de livros nos Estados Unidos; Yediot Aharonot (Últimas Notícias) da família Moses; e Maariv (equivalente a A Tarde), criado por jornalistas do Yediot que brigaram com o patrão e que logo conquistou a liderança de circulação.

Um dia, aparece para Noah Moses, do Yediot Aharonot, um sobrinho chamado Dov, que se imaginava morto nos campos de concentração nazista. Dov não tinha profissão. Não sabia escrever. Não parecia ter nenhum talento específico, mas, sentado junto ao tio, começou a dar palpites sobre o jornal – que passou a ganhar circulação. Ele parecia ter antenas para o gosto do público.Virou uma lenda no jornal. E Yediot superou em vendas o Maariv.

Um dia, saindo do jornal, Noah Moses atravessava a rua para pegar seu carro, foi atropelado e morreu. Seus herdeiros se livraram de Dov. Não queriam compartilhar poder nem glórias.

Mais ou menos na mesma época, Jacó Nimrodi comprou o Maariv de seus envelhecidos acionistas originais. Foi um presente para abreviar o caminho da ascensão social de seu filho Ofer, que passa a ser homem de influência e poder. Mas Ofer nada entende de jornal e, também por isso, comete desvios éticos na maior sem-cerimônia. Nimrodi, então, recontrata Dov para que ele repita o que fizera no Yediot. Mas a lenda só sabe o que aprendeu no Yediot. Tinha perdido a ingenuidade e se transformado num mau profissional. Seus instintos passaram a falhar. Ofer resolveu que precisava se informar sobre os planos dos concorrentes para poder enfrentá-los e superá-los. Ele queria o Maariv como número um. Decidiu que, para isso, deveria saber dos planos da concorrência, ter equipamento de última geração e copiar…

Contratou dois detetives particulares para gravar as conversas nas salas dos editores-chefes dos concorrentes. A polícia prendeu seus contratados em flagrante. Um deles nada disse e ganhou mais de quatro anos de prisão por gravação ilegal. O outro aceitou cooperar com as autoridades e cumpre uns poucos meses de cadeia. Ofer foi condenado a seis meses, preço que teve de pagar por ter tentado ganhar circulação. Então, assim se conta, resolveu se vingar do detetive que “abriu o jogo”. Contratou um pistoleiro para matá-lo. Seu plano era convencer ao detetive sem papas na língua a ir passar umas férias na Tailândia, onde seria morto. O detetive desconfiou da arapuca e não foi a lugar algum. Ofer é acusado, ainda, de contratar o assassinato dos diretores-proprietários dos jornais concorrentes.

Dinheiro suspeito

A polícia já tem uns cinco testemunhas dispostas a depor contra o Jacó Nimrodi. O processo está em marcha. No momento, Nimrodi está detido e sendo interrogado. A Justiça, a pedido da polícia, concordou em estender o prazo de detenção provisória. Nesse ínterim, surge um novo escândalo. Um repórter free-lancer especializado em investigações, e que vende regularmente seu material ao Maariv, fez uma denúncia contra o presidente Ezer Weizman, um dos grandes heróis de Israel. Weizman foi piloto de caça da força aérea inglesa na Segunda Guerra Mundial e um dos primeiros pilotos do Estado judeu renascido. Sobrinho do primeiro presidente de Israel, o cientista Chaim Weizman, chegou a subchefe do Estado Maior das Forças Armadas, cargo que ocupava durante a Guerra dos Seis Dias (1967), quando Israel reconquistou Jerusalém sua capital depois de tê-la perdido dois mil anos antes.

Ezer deixou o uniforme, entrou na política como linha dura e virou “pomba” quando seu filho recruta sofreu grave ferimento na guerra de Yom Kipur (1973). O repórter denunciou que Weizman, uma das pessoas mais queridas do país, recebeu, de um milionário francês, uma substancial quantia em dólares que nunca declarou nem explicou. Weizman diz que foi dinheiro de presente para ajudá-lo com as despesas do tratamento do filho, Shaul, que morreu num desastre de automóvel, em 1991, numa tragédia que emocionou o pais. O repórter insiste que Weizman usou dinheiro do francês depois da morte do filho, quando já exercia alta função pública.

Nesse meio tempo, surge a informação de que Jacó Nimrodi, amigo de Weizman dos tempos de piloto, estivera em sua casa havia seis meses para pedir que concedesse anistia a seu filho Ofer – que, se obtida, o livraria do processo em que pode ser condenado a longa pena de prisão.

Weizman recusou o acordo. Ofer, então, teria roubado documentos sobre Weizman do escritório do advogado do presidente. Agora o Procurador Geral examina papelada do presidente sobre o caso do presente do amigo milionario. Suas conclusões serão tornadas públicas. E mesmo que não tenha havido crime, por uma questão de ética Weizman talvez tenha de se demitir.

Ofer enfrentará processo em que será acusado de tentativa de assassinato de três pessoas, dois diretores-proprietários de jornais e um detetive particular. Há outros suspeitos cujos nomes ainda não foram dados a público. Mas altos oficiais da polícia já foram afastados, alguns com perda da aposentadoria, outros provisoriamente, todos acusados de terem sido comprados por Ofer a troco de revelarem detalhes dos processos e da marcha das investigações sobre o próprio Ofer. Uma história que ainda vai render panos para a manga.