Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Keila Jimenez

FILHAS DA MÃE

"Globo aposta em drama para recuperar audiência", copyright Estado de S.Paulo, 12/1/02

"Chega de comédias escrachadas e pastelões, pelo menos, por enquanto. A Globo resolveu apostar agora em um folhetim dramático para recuperar a audiência de sua programação na faixa das 19 horas.

Desejos de Mulher, do autor Euclydes Marinho, é a nova novela das 7 da emissora, que estréia no dia 21. A trama, focada no drama familiar de duas irmãs: Júlia (Glória Pires) e Andréa (Regina Duarte), substituirá As Filhas da Mãe, de Silvio de Abreu, com a difícil missão de recuperar o ibope no horário.

Filhas, que tem uma boa dose de humor, vem atingindo médias de audiência bem abaixo das expectativas da emissora. Nas últimas semanas, a novela chegou a registrar 28 pontos de audiência, marca preocupante se comparada aos 40 pontos de média de Uga Uga (2000).

A baixa audiência da trama de Silvio de Abreu acabou apressando a produção de sua sucessora, que começou a ser gravada há poucos dias, a toque de caixa. Desejos de Mulher estava prevista para estrear só em março, mas a Globo resolveu encurtar Filhas.

O tom dramático há muito tempo não tinha espaço nas tramas das 7 na emissora. Um dos últimos sucessos do gênero no horário foi A Viagem (1994), de Ivani Ribeiro. Depois, vieram só comédias leves e pastelões.

Em Desejos de Mulher, a história principal gira em torno de duas irmãs: Júlia Moreno (Glória Pires), que tentará provar a inocência do marido preso, e Andréa Vargas (Regina Duarte), estilista de sucesso que acabará perdendo tudo na vida, do dinheiro ao marido, e terá de recomeçar do zero."

 

"Sem arrependimento", copyright Jornal do Brasil, 12/1/02

"A novela das sete da Globo As filhas da mãe, que estreou com média de 38 pontos, no final de agosto do ano passado, chega ao final na próxima sexta-feira, dez semanas antes do previsto, com menos nove pontos na audiência. Elenco de estrelas (Fernanda Montenegro, Raul Cortez e Regina Casé, entre outros), autoria de mestre (Silvio de Abreu), direção consagrada (Jorge Fernando), linguagem diferenciada, narrativa ágil, personagens sofisticados e controversos – como um transexual bem-resolvido que vive um caso de amor com um homem -, figurino de primeira, trilha sonora garimpada, As filhas da mãe tinha tudo isso. Mas foi rejeitada em massa pelas classes D e E, segundo pesquisas da emissora. ?Não é que eles não gostassem da novela, eles simplesmente não entendiam nada?, afirma Silvio.

Aos 58 anos, 35 de carreira, 25 de Globo, 12 novelas nas costas, o autor acredita que, ?de certa forma?, errou. ?Devia ter me preocupado mais com isso.? Mesmo assim, ainda acredita que é melhor ousar do que fazer tudo sempre igual. Prova disso é que tem idéia de fazer sitcoms e seriados, formatos que nunca deram muito certo por aqui. Na entrevista a seguir, ele também fala sobre o fenômeno Casa dos artistas, do SBT, programa mais comentado do ano passado, e a revolução que seria a ida de José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, para a emissora de Silvio Santos.

– A novela As filhas da mãe termina dia 18, antes do previsto, com média de audiência de 29 pontos, menor do que a esperada. O que aconteceu?

– O mais audacioso neste projeto foi fazer uma novela em que não repetisse informação. Em cada cena acontecia uma coisa diferente. Só que para o público não funciona assim. Como as pessoas não prestam atenção em tudo, você tem que repetir para que elas entendam.

– Qual era a concepção da novela?

– Para dar mais dinamismo e diversificar, queria fazer várias histórias, espécies de sitcoms, ligadas por letras de rap. Não haveria um só núcleo central, mas vários protagonistas.

– Por que você achou que isso poderia interessar o público?

– Sempre escuto falar que ninguém agüenta mais, que novela é tudo igual, que tem que mudar. Achei que com um elenco carismático os espectadores iriam prestar atenção no que aquelas pessoas estariam fazendo. Só que elas não prestaram atenção.

– Este foi o principal problema?

– Tivemos uma falta de sorte danada. A gente estreou bem, com 38 pontos. No terceiro dia, teve o seqüestro da filha do Silvio Santos. Depois, a menina foi solta. No quinto dia, Silvio Santos foi seqüestrado. Nós concorremos com os programas policiais e os jornais das outras emissoras. A audiência que precisava prestar atenção na novela acabou procurando outra coisa.

– Os atentados terroristas nos Estados Unidos também atrapalharam?

– Aconteceu na terceira semana, quando estávamos começando a recuperar a audiência. O Jorginho (o diretor Jorge Fernando) me ligou no dia 11 de setembro e disse: Explodiram o World Trade Center, nossa audiência vai despencar. Não deu outra. A novela não teve tempo de se fixar e não se recuperou mais.

– Como se tentou solucionar o problema?

– Depois dos atentados, fizemos o primeiro group discussion. E aí tomei um susto. Meu feedback até então era o de que as pessoas adoravam a novela. A imprensa elogiava. Nas pesquisas com as classes A e B isto realmente acontecia. Já as classes D e E não entendiam absolutamente nada. Fiquei com a impressão de que estava escrevendo Carnaval no fogo e elas estavam assistindo a O ano passado em Marienbad.

– O que as pessoas não entendiam?

– Nada. Não entediam o rap, as letras que passavam, os personagens, o humor. Falavam que novela não era assim. Curiosamente, o único personagem com quem não implicavam era a transexual Ramona. Mas não estavam interessados se ela era um homem ou uma mulher. Achavam que era linda e queriam que fosse feliz. Isso aconteceu principalmente por causa do carisma da Cláudia Raia.

– Que personagens eram mais aceitos?

– A Rosalva da Regina Casé era bem-recebida (uma dona de casa que migrou do Nordeste para São Paulo, ficou viúva e lutava para criar os filhos) porque estava dentro do estereótipo que eles aceitavam. Não sou ingênuo a ponto de não saber o que o público quer. Achei é que eles poderiam também querer uma coisa diferente.

– Que tipo de mudança foi imaginada?

– As classes D e E não achavam engraçado um homem namorar um transexual. Não era um problema para eles. Eu podia, por exemplo, ter botado o transexual como uma bicha louca e fazer uma caricatura. As pessoas achavam que a Fernanda Montenegro (uma mãe que deixa as filhas e volta para reencontrá-las anos depois) deveria ser desesperada, dramática. E a velhinha representada pela Cleide Yáconis tinha que ser boazinha e não safada. Acontece que a novela não era assim.

– No início de As filhas da mãe você disse que só aceitou fazer a novela porque ela era no horário das sete da noite e não no das oito. Tem alguma diferença?

– Novela das oito tem um comprometimento com a audiência muito grande, é o alicerce da programação. Imaginei que uma novela das sete teria um compromisso menor. Poderia inventar mais, trabalhar com um elenco diferenciado, fazer personagens inusitados.

– E o compromisso é menor?

– Não, a cobrança é a mesma.

– Em algum momento foi pressionado pela Globo por causa da baixa audiência?

– A empresa gostaria que a novela tivesse mudanças que atendessem ao público das classes D e E. Eu não quis fazer. Achei que estaria comprometendo o projeto, traindo as pessoas que assistiam e gostavam do produto. Poderia ganhar mais cinco pontos, mas também perder os 29 que já tinha.

– Isto causou constrangimento?

– Não. Simplesmente a novela vai ser mais curta. Vai acabar antes do carnaval porque eles acham que a próxima novela pode pegar a audiência baixa. Acho que estão certos, faz parte da estratégia deles.

– Você ficou chateado?

– Não. Acho que 125 capítulos de novela é maravilhoso. Consegui contar tudo o que queria, ficou sem barriga, dinâmica. Foi positivo até para os atores, que não se cansaram. Terminou em clima de ?que pena? e não de ?pague para entrar e reze para sair?. Esta semana o elenco fez uma festa surpresa para mim, todos estavam lá, agradeceram, me abraçaram, deram presentes. Considero As filhas da mãe um sucesso. Não deu ibope, mas não é uma novela fracassada. Tenho certeza de que muita gente vai copiar depois.

– Por que não fez as mudanças pedidas pela emissora?

– Cheguei a fazer algumas. Expliquei melhor, juntei histórias, mas não adiantou. O que eu não podia era trair um gênero.

– Na época da novela Torre de Babel, em 1998, você recebeu muitas críticas, da Igreja, dos grupos homossexuais, da imprensa, e acabou mudando algumas coisas.

– Foi diferente. Em Torre de Babel fui chamado pelo Boni para fazer uma novela para sacudir a audiência. Fiz com tudo a que tinha direito: homossexualismo, droga, violência. Só que ele saiu uma semana antes da estréia e a nova diretoria não queria escândalo. Quando começou a reação da Igreja, dos homossexuais, tive que contemporizar. Transformei um drama realista em folhetim. Foi muito frustrante.

– Por isso resolveu não mudar As filhas da mãe?

– Foi. Desta vez não cedi e me sinto melhor.

– Você acha que errou?

– De certa maneira sim. Devia ter me preocupado com as classes D e E. Achei que alguns personagens mais populares acabariam compensando outros mais sofisticados.

– Com 35 anos de carreira, dá para abrir mão da experimentação?

– Acho difícil. Esta foi minha 12? novela. Não me satisfaz fazer trabalhos convencionais.

– Então não pretende mais fazer novelas?

– Não quero repetir este chavão. Mas dentro deste universo de ter que fazer sempre a mesma coisa, de concorrência acirrada, vai ser difícil as emissoras apostarem em experiências nos principais horários.

– E pretende fazer o quê?

– Minissérie, seriado, sitcom, teatro, cinema. Abandonei minha carreira como diretor de cinema, em 1981, com Mulher objeto, em pleno sucesso. No mesmo ano, na televisão, estreei Jogo da vida, que se saiu muito bem. Como no cinema só recebia propostas para fazer Mulher objeto 1, 2, 3, 4, 5, 6 e já tinha feito tudo de sexo que sabia, acabei optando pela televisão (risos).

– Acredita que o público que vê novela hoje é diferente do da década de 80?

– Completamente. Naquela época, o povo não tinha o poder aquisitivo de hoje. Isto é positivo. O problema é que culturalmente esse povo não evoluiu nada. Porque o ensino no país é ruim e a cultura não é mais um valor. Na década de 80, as pessoas tinham a formação que vinha dos anos 60 e 70, mais intelectualizada. Hoje em dia as pessoas não querem se informar, querem saber de fofoca.

– E as novelas acompanharam esta mudança?

– O que me deixa chateado como autor é que as novelas são vistas como uma coisa descartável, às quais as pessoas assistem sem prestar muita atenção. Isso me ofende como profissional. Não gosto de imaginar que estou fazendo um trabalho que, no meio, a pessoa levanta para fritar um ovo. Por isso, a novela acaba apenas lançando modismos, o que só é bom para merchandising.

– Como é a concorrência no horário nobre?

– Acirrada. A gente fica pensando o que tem que fazer para que a pessoa não use o controle remoto. Senti isto em Torre de Babel, que coincidiu com o estouro do Ratinho. A novela pegou, mas no começo foi difícil. Eu botava o drama existencial da personagem de Glória Menezes e concorria com um burro transando com um cavalo homossexual.

– O que acha destes programas populares?

– São produtos que só se preocupam com a audiência. E as pessoas vêem para dizer: olha como aquele que está lá é cafona.

– E Casa dos artistas, do SBT?

– Um fenômeno. Que atinge qualquer público.

– Por que este tipo de programa fascina tanto o telespectador?

– Acho que o público acredita que aquilo é de verdade, quando não é. Você vê que o Supla e a menina saíram da casa e foi cada um para um lado. É ficção, mas é vendido como verdade, o que não é nem honesto. Vende gato por lebre.

– Seria mais um modismo?

– Sem dúvida. Quando o público perceber que é de mentira, vai procurar ficção melhor. A grande jogada do Silvio Santos foi botar artista. Quer dizer, esse pessoal de segunda classe, de mídia, que se diz artista, mas não é porque não faz nada artístico. Eles vão em festas, dançam, fazem escândalos, namoram. São o que os americanos chamam de celebrities.

– Então estamos mesmo na era das celebridades instantâneas?

– No Brasil e no mundo todo. O melhor exemplo disso é a Adriane Galisteu. Quando a casa dela é assaltada, primeiro ela chama a revista Caras e depois a polícia. Como autor, essa gente não me interessa. Não sabe fazer.

– O que acha das novelas méxico-brasileiras produzidas pelo SBT?

– Um retrocesso. A gente faz melhor do que aquilo.

– É possível fazer novela para concorrer com as da Globo?

– Fiz Éramos seis no SBT e deu certo. Mas é difícil porque a Globo tem o monopólio dos autores. Ela investiu nisto, é seu produto de maior audiência. Como é o Silvio Santos com programas de auditório. Ele produz isso com o pé nas costas, mas a Globo não sabe fazer.

– É possível fazer novela fora da Globo?

– É complicado. Não há garantias e condições de trabalho. Agora, se o Boni (José Bonifácio de Oliveira Sobrinho) fosse para o SBT, seria uma revolução. Representaria uma garantia. Todos respeitam, admiram e confiam nele. Se ele convidar alguém, a pessoa vai.

– Você foi o primeiro autor de novelas a abordar o lesbianismo de forma mais explícita. O que acha do imbróglio em torno da guarda do filho da cantora Cássia Eller?

– Ele tem que ficar com a namorada dela. São novas formas de viver que a sociedade tem que aceitar. Não é porque o filho da Cássia Eller vai ser criado por uma homossexual que ele vai ser homossexual.

– Você sempre fala de preconceito em suas novelas…

– Sou casado há 27 anos, caretíssimo, tenho uma filha, não levanto bandeira. Falo porque preconceito é a coisa que mais me incomoda.

– E como é a reação do público?

– Já fui xingado no cinema por causa da Ramona e já recebi carta de um pai que fez as pazes com o filho gay por causa de A próxima vítima. Acho que este tipo de mudança é micro e não macro. E a novela pode ser um agente. Pelo menos para fazer as pessoas discutirem determinados assuntos."