Tuesday, 30 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Leila Reis

ROLETA RUSSA

"Buraco da Record é divertido", copyright O Estado de S. Paulo, 17/11/02

"Programas de competição valendo prêmios é uma tradição na TV que, de tempos em tempos, tornam-se a onda do momento. A proliferação do chamado game show nesta temporada tornou o Show do Milhão um clássico pela longevidade, de… três anos.

Se o público adora ver semelhantes em disputa por alguma coisa, por que então alguns programas de competição são descartados logo depois do nascimento? É que não basta competir, tem de saber produzir. A Globo, por exemplo, excelente em vários departamentos, não sabe. Em sua lista de desastres estão vários game shows. Ponto a Ponto, Sufoco e O Jogo da Radical são alguns exemplos que ilustram a tese.

O SBT sabe porque tem vocação, afinal seu rei e mentor, Silvio Santos, passou sua existência nesse métier. O telespectador mais maduro deve lembrar de quando ele comandava um jogo de forca, na Globo antiga, no qual os membros do boneco enforcado valiam geladeira, televisão, aspirador de pó e outras maravilhas que povoavam o sonho de consumo da dona de casa nos anos 60.

O desejo de consumo do telespectador mudou e hoje as competições valem casas e dinheiro, coisa que SS sabe de velho.

Esse público ávido por prêmios – ou pela batalha de outros por eles – é o alvo das estréias desta temporada. A Record acaba de lançar o Jogo da Família, comandado por Otaviano Costa, em que duas famílias disputam uma bolada, animadas por uma platéia de vizinhos. É uma disputa baseada em conhecimentos tão básicos que denunciam a falta de confiança do programa na capacidade dos concorrentes.

Como a situação está difícil, a Record promete um programa em que os competidores vitoriosos terão suas dívidas pagas, enquanto a Rede TV! fala em um game show no qual o lorde João Kleber vai dar empregos como recompensa, copiando um programa argentino. É a realidade alimentando a fome de audiência.

É nesse cenário também que surge Roleta Russa, um programa da Record em associação com a Sony, animado por Milton Neves, pinçado na praia do esporte.

A Roleta Russa é bem produzida. Seis pessoas disputam dinheiro escolhendo responder ou repassar perguntas para quem acha mais despreparado. Se o participante errar, ele enfrenta a roleta russa. Ou seja, move uma alavanca que – como o tambor de um revólver – decide sua sobrevivência. Ele pode permanecer no palco ou despencar por um buraco. O sujeito não desaparece do palco simplesmente, uma câmera pega de cima e de baixo a queda, mostrando ao telespectador todas as expressões de pânico do condenado.

O personagem de Milton Neves, assim como deve ser no original em que o programa é inspirado, não demonstra a menor compaixão. Faz questão de deixar claro que não ?perderia a queda de perto por nada desse mundo?, insistindo no bordão.

É engraçado. E bem feito. Ao contrário de outros, o cardápio de perguntas do Roleta não é tão primário, denotando uma certa confiança na base de informação dos concorrentes. Milton Neves não é um Silvio Santos, mas consegue levar uma conversa arrumada com seus convidados para situá-los e levar o pessoal de casa a escolher um deles para torcer.

O cenário é bem acabado e um jogo de luzes ajuda a imprimir a tensão que o apresentador quer passar. Aí pode estar a razão da boa receptividade do público. O programa estreou com 8 pontos de média no Ibope (na Grande São Paulo) e não deixou a peteca cair no seguinte."

 

"Ele quer mais", copyright Veja, 20/11/02

"Quase tão antiga quanto a própria TV, a fórmula dos programas de perguntas e respostas ganhou pimenta no Roleta Russa, exibido pela Rede Record nas noites de quinta-feira. Ao contrário do que acontece em outras atrações do gênero, é quase impossível não torcer para que os participantes errem. O programa desperta o pequeno marquês de Sade que existe dentro de cada espectador graças a seu método de eliminação: quem perde vai literalmente para o buraco, caindo num alçapão. E o apresentador Milton Neves, que comanda o jogo, se esmera para incrementar o efeito com seu jeitão carrancudo e tom de voz ameaçador. No episódio gravado na semana retrasada, um concorrente resistiu quase até o fim, na disputa pelo prêmio de 500.000 reais. No momento crucial, Milton Neves anunciou: ?Se sua sorte falhar, você cairá sobre lanças e jacarés!?. Eliminado, o competidor despencou de uma altura de 1,80 metro, sobre um colchão que amortece a queda.

?O buraco é o charme do programa?, diz Flávia da Matta, diretora de produção da Sony, que produz o Roleta Russa em parceria com a Record. É uma constatação com que até mesmo o vaidoso Milton Neves se vê obrigado a concordar. ?Tenho de admitir que, nesse caso, o cenário é a vedete?, diz ele. O apresentador está em ascensão na emissora dos bispos da Igreja Universal. Entre salário e merchandising, fatura cerca de 350.000 reais por mês. Além do Roleta Russa, Neves apresenta atualmente as mesas-redondas de futebol Terceiro Tempo, aos domingos, e Debate Bola, diariamente. Como tem o hábito de passar a noite na Record uma ou duas vezes por semana, quando as gravações se prolongam até muito tarde, ele mantém uma cama em seu camarim.

Roleta Russa é a primeira oportunidade que Milton Neves tem para escapar das mesas-redondas de futebol. Foi nesse mundo que o apresentador fez seu nome. Neves gosta de dizer que a contratação de Luiz Felipe Scolari para técnico da seleção se deveu a uma conversa entre ele e o presidente da CBF, Ricardo Teixeira. Graças ao temperamento esquentado, o apresentador também fez várias inimizades. Há quatro meses, ele protagonizou uma cena lastimável nos corredores da Record, acertando um chute no locutor Silvio Luiz, de 68 anos. ?Raul Gil foi testemunha?, diz Silvio Luiz. Neves se justifica dizendo que é perseguido. ?Tanto é assim que, além de Silvio Luiz, estou processando José Trajano e Jorge Kajuru, comentaristas que vivem me atacando?, afirma. O episódio mais célebre em torno dele, contudo, aconteceu em 1997. Depois de ser criticado no futebolístico Mesa Redonda, da TV Gazeta, Neves, que era radialista, exigiu direito de resposta. Quando compareceu ao programa, comandado por Roberto Avallone, causou quarenta minutos de confusão e arrematou com uma bomba. ?Vou fazer uma revelação: existe um homossexual nesta mesa?, disse ele, enquanto os demais caíam em silêncio. Depois dos comerciais, ele desconversou. Ainda hoje o apresentador faz silêncio quando relembram esse bafafá. Neves jura que nunca falará sobre isso – nem que um alçapão se abra sob seus pés."

 

MÍDIA PARA CRIANÇAS

"Começa discussão sobre mídia para criança e jovem", copyright Folha de S. Paulo, 17/11/02

"Violência, consumismo, erotização precoce, incentivo ao consumo de álcool e tabaco. Esses deverão ser alguns dos temas debatidos na 4? Cúpula Mundial de Mídia para Crianças e Adolescentes, que acontecerá na cidade em 2004 e será lançada oficialmente amanhã, no Rio de Janeiro.

Realizada a cada três anos, a cúpula é uma iniciativa da World Summit on Midia for Children Foundation e, pela primeira vez, terá sede na América Latina. Durante toda esta semana, 70 delegados mundiais estarão reunidos no Rio para discutir as diretrizes do evento, que terá a programação televisiva no centro de suas atenções. Para Claudio Ceccon, do Centro Brasileiro de Mídia para Criança, parceiro da Cúpula, o objetivo não é instituir censura, mas zelar para que os produtores de mídia infantil estejam cientes de que seu espectador é um indivíduo ainda em formação. Ele afirma que as últimas cúpulas produziram documentos que influenciaram legislações nacionais e são aceitos internacionalmente. ?Ninguém é abertamente contra algo que fale em qualidade e que se dirija à criança e ao adolescente. É que nem sempre a qualidade é clara para todos?, afirma. Regina Assis, presidente da Empresa Municipal de Multimeios, do Rio, outra das organizadoras do encontro, diz que será uma oportunidade de reavaliar o resultado das últimas cúpulas sob o ponto de vista de países em desenvolvimento. ?Queremos criar uma rede interamericana de pesquisadores que possa ter voz e voto nas decisões que digam respeito à produção de mídia para criança e adolescente?, afirma. Segundo Regina Assis, a produção infantil no Brasil ainda é mínima para o consumo do país e deveria ser vista, trocada e co-produzida com outras partes do mundo. ?Há programas infantis que têm só dez minutos de gracinha; o resto é tudo enlatado. Não precisamos que os americanos ou europeus nos representem?, afirma.

Agressividade

O representante da Unesco no Brasil, Jorge Werthein, acredita que o elemento mais preocupante hoje na TV é a exacerbação da violência, que tem um impacto muito negativo sobre crianças e jovens.

Segundo ele, os mais afetados por esse bombardeio são aqueles que possuem estruturas familiares fracas. ?Muitas crianças e adolescentes no Brasil são praticamente excluídos de alternativas culturais ou de lazer, o único veículo que têm é a TV. Em outros países, elas ficam menos tempo diante da televisão?, afirma.

Para Werthein, o controle de conteúdo também é mais eficaz em países desenvolvidos, onde os produtores seguem um código de ética, o que não tem funcionado para a América Latina.

Regina Assis cita como exemplo o crime do Brooklin, em que o casal Richthofen teria sido assassinado a mando da filha. ?Aquele crime não foi praticado por uma pessoa despreparada, mas por alguém que assistiu a muitas horas de televisão desde pequena. É esta visão de estar acima do bem e do mal que a mídia veicula. Programas onde vale tudo, onde as pessoas ficam famosas da noite para o dia, passam essa imagem de impunidade?, diz.

Segundo ela, os crimes praticados por crianças e adolescentes nos EUA e na Inglaterra também não são gratuitos. ?Eles foram praticados por pessoas que aprenderam isso e que tiveram uma babá eletrônica poderosa desde pequenas?, completa."

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"Álcool liberado na TV preocupa especialista", copyright Folha de S. Paulo, 17/11/02

"A última pesquisa da Uesco, realizada com 50 mil jovens estudantes, apontou que, deste universo, 10% admitem beber com regularidade, enquanto 3,3% afirmam fumar diariamente.

Atualmente, a propaganda de bebidas consideradas leves, como cerveja e vinho, é permitida na TV em qualquer horário. A sugestão da Unesco é que esse tipo de publicidade seja restringido pelo menos nos períodos de maior audiência infantil. O Conar (Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária) proíbe apenas a propaganda de bebidas destiladas antes das 21h30.

Para Beth Carmona, presidente do Centro Brasileiro de Mídia para Crianças e Adolescentes, a TV causa impacto a toda hora, e sempre fornece comportamentos imitáveis pelos grupos, como nas novelas.

Carmona afirma que em outros países existem legislações que restringem alguns comportamentos na TV em determinados horários, mas segundo ela, no Brasil a discussão nem começou. ?A Cúpula vai ser um momento importante de chamar a atenção para isso?, diz ela."