Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Lilian Fernandes

MEMÓRIA / SALOMÃO MALINA

“Morre o último secretário-geral do ?partidão?”, copyright O Globo, 1/09/02

“O presidente nacional de honra do PPS, Salomão Malina, morreu na madrugada deste sábado. O corpo está sendo velado na Assembléia Legislativa de São Paulo e será enterrado hoje, às 10h, no Cemitério Israelita de São Paulo. Ele tinha 80 anos e sofria de câncer no sistema linfático há mais de duas décadas.

Amanhã, Malina seria agraciado com a Medalha Anchieta e o Diploma de Gratidão da Cidade de São Paulo pelo presidente da Câmara Municipal, vereador José Eduardo Cardozo. Mesmo com a saúde debilitada, ele vinha participando de eventos importantes, como o lançamento da candidatura de Ciro Gomes à presidência da República, no início do ano.

Em maio, Malina lançou com sucesso o livro ?O último secretário?, em que relata sua experiência como último secretário-geral do antigo Partido Comunista Brasileiro, o PCB, agremiação em que ele militava desde a juventude e que em 1992 adotou o nome de Partido Popular Socialista, PPS. Ele havia assumido o posto no lugar de Giocondo Dias, que faleceu em 1987.

Livro revelou que PCB planejava dar golpe em 1964

Malina confirma no livro que o ?partidão?, com o apoio de Luiz Carlos Prestes, chegou a planejar um golpe em 1964, antes da tomada do poder pelos militares. ?O último secretário? dá conta ainda de que havia uma organização militar clandestina dentro do PCB desde a Revolução de 30 e também traz informações biográficas, como a origem judaica do autor e seus tempos de aluno do colégio Pedro II.

Como oficial da FEB, tornou-se herói da Segunda Guerra

Descendente de imigrantes poloneses que vieram para o Brasil no início do século passado, Malina entrou para o PCB no início dos anos 40, disposto a lutar contra o fascismo. Por causa da militância comunista, passou dois anos na cadeia e 35 na clandestinidade.

Por sua participação na Segunda Guerra Mundial, como oficial da Força Expedicionária Brasileira (FEB), recebeu a Cruz de Combate de Primeira Classe, a maior condecoração de guerra do Exército brasileiro. Ganhou também as medalhas de Campanha e de Guerra.

– Ele era um dos últimos grandes heróis brasileiros: foi condecorado por vários exércitos, inclusive o americano – diz o historiador Ivan Alves Filho, que escreveu um livro sobre Giocondo Dias e conhece a fundo a história do PCB. – Nos últimos 20 anos, também lutou com bravura contra o câncer.

Diz-se que durante o conflito Malina comandou na Itália um batalhão encarregado de desativar minas e perdeu alguns dedos da mão direita. Mas outra versão afirma que ele se acidentou no Brasil, ao tentar fabricar uma bomba caseira. Ele não gostava de comentar o assunto.

As medalhas de guerra lhe foram de grande valia quando quis estudar ciências sociais na Faculdade Nacional de Filosofia, no Rio, no início dos anos 60, antes de ter seus direitos políticos cassados. Quando foi se matricular, Malina descobriu que entre os documentos exigidos estava o certificado de reservista, que ele perdera há anos. A saída foi apresentar as condecorações.

A jornalista Antonieta Vieira Santos, membro do PPS, foi colega de Malina na faculdade.

– Além de ser representante da classe operária, ele teve uma atuação intensa como dirigente da imprensa comunista. Muitas vezes ele enfrentou a polícia a bala para defender os jornais que escrevia – relembra, emocionada.

Em 1947, numa das fases de ilegalidade do PCB, Malina, então um dos diretores do jornal ?Imprensa Popular?, resistiu à uma invasão e passou dois anos e meio preso. Novas prisões ocorreram em 1952 e 1954, período em que se mudou para São Paulo. Três anos depois, voltou ao Rio.

Nos últimos anos, Malina recebeu diversas homenagens. Em 1999, foi agraciado com a medalha Tiradentes, da Assembléia Legislativa do Rio e homenageado pela Assembléia paulista. Este ano, conquistou a Medalha do Mérito Legislativo, concedida pela Câmara Federal.

Malina teve oito filhos: Léo, Mateus (já falecido), Maurício, Luiz Carlos, Jaques e André, do primeiro casamento; e Pedro e Léa, do segundo. Deixa 16 netos.”

“Presidente de honra do PPS morre em SP”, copyright Folha de S. Paulo, 1/09/02

“Morreu ontem de madrugada, em São Paulo, o presidente nacional de honra do PPS (Partido Popular Socialista) e ex-secretário geral do PCB (Partido Comunista Brasileiro), Salomão Malina. Ele estava com 80 anos e tinha câncer linfático.

Malina foi militante do PCB -antecessor do PPS- desde a década de 40. Neste ano, lançou o livro de memórias ?O Último Secretário?. O candidato à Presidência pela Frente Trabalhista (PDT-PTB-PPS), Ciro Gomes, prestigiou o lançamento do livro, no Rio de Janeiro.

Malina seria homenageado amanhã na Câmara Municipal de São Paulo. Antes de entrar para o PCB, Malina combateu na 2? Guerra Mundial e recebeu, por causa de sua participação nela, a Cruz de Combate de Primeira Classe, maior condecoração de guerra do Exército.

O enterro está previsto para hoje, às 12h, no Cemitério Israelita de São Paulo. Pela manhã, são esperados no velório Ciro e o presidente do PPS, Roberto Freire.”

 

JORNALISTA vs. MILOSEVIC

“Testemunho de repórter contra Milosevic provoca polêmica”, copyright O Estado de S. Paulo, 30/08/02

Uma repórter da BBC se apresentou quarta-feira como testemunha de acusação no julgamento do ex-presidente iugoslavo Slobodan Milosevic, em Haia, o que intensificou o debate sobre se jornalistas devem depor em tribunais de crimes de guerra e, especificamente, perante o recém-criado Tribunal Penal Internacional.

O pedido para que jornalistas testemunhem fez com que algumas pessoas começassem a se perguntar se isso não poderia atrapalhar sua independência e pôr a vida deles em risco. Mas, para outros, jornalistas não estão acima dos deveres morais e éticos das demais pessoas.

Jacky Rowland, de 37 anos, ex-correspondente da BBC em Belgrado, é a primeira jornalista a depor nesse julgamento. Ela disse que se apresentou voluntariamente com a aprovação da BBC. Em julgamentos anteriores, jornalistas testemunharam, enquanto outros se negaram a depor.

Mas uma ordem judicial convocando um ex-jornalista do Washington Post para testemunhar num julgamento por genocídio (que está ocorrendo aqui), intensificou o debate sobre a relação entre jornalistas e tribunais internacionais. Este mês, 30 órgãos de notícias, entre os quais The New York Times, e grupos de repórteres enviaram apelo ao tribunal para que se estabeleça um ?privilégio com ressalva? para os jornalistas.

?Não concordo com a idéia de que testemunhar tornará nosso trabalho mais perigoso ou mais difícil do que já é?, disse Jacky. ?Não somos seres superiores, não estamos isentos dos deveres morais de outros cidadãos.? A correspondente disse que em seu caso não há fontes a serem protegidas e todas as informações que tinha já eram de domínio público. Ela foi solicitada a testemunhar sobre o que viu na prisão de Dubrava, em Kosovo, em 1999, onde escontrou dezenas de detentos mortos.

Segundo o depoimento de um preso, as forças sérvias mataram mais de cem detentos na prisão depois que o edifício foi atingido por ataques aéreos da Otan. O bombardeio, de acordo com a testemunha, matou 19.

Na quarta-feira, Jacky e Milosevic discutiram por quase uma hora – um debate explosivo considerado inédito naquela sala de audiência. Milosevic, que se defende pessoalmente, questionou a jornalista e os dois mantiveram um duelo verbal sobre as condições de trabalho dos repórteres em Kosovo, a natureza da reportagem da BBC e a questão central da quarta-feira: por que tantos prisioneiros foram mortos em uma prisão administrada pelos sérvios em Kosovo durante vários dias em maio de 1999.

Milosevic insistiu em que todos os presos haviam sido mortos pela aviação da Otan. Mas Jacky retrucou, assegurando que algumas das fileiras de corpos que viu num prédio pouco danificado não pareciam ser de vítimas de bombardeios.

Milosevic exigiu argumentos sólidos.

?Se eu olhar para o senhor agora, posso ver que têm ambos os braços?, disse Jacky, voltando-se para Milosevic. ?Posso ver suas feições. Posso ver que seu corpo está intacto. Se, porém, o senhor tivesse sido atingido por uma bomba, que Deus não permita, creio que, ao olhar para o seu corpo, conseguiria dizer se de fato foi essa a causa da sua morte.?

O ex-presidente iugoslavo pareceu um pouco abalado e cruzou os braços.”