Friday, 13 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Luiz Antonio Magalhães

ACORDO BRASIL-FMI

“Comemorando a UTI”, copyright Correio da Cidadania, 10/8/02

“Parcela expressiva da grande imprensa nacional e quase a totalidade dos colunistas comemoraram com grande entusiasmo o acordo fechado na semana passada pelo governo brasileiro com o Fundo Monetário Internacional. O montante que será liberado para o País – US$ 30 bilhões -, de acordo com as análises correntes, superou as expectativas. Tanto dinheiro foi motivo de jubilo ainda maior do que o do final feliz das negociações com o FMI.

Não deixa de ser irônico. O que a imprensa comemorou, fazendo uma analogia grosseira, foi a ida de um enfermo para a UTI – o equivalente médico do FMI. Quando um país tem sua economia sadia, em ordem, não precisa recorrer ao tratamento intensivo que é o monitoramento de suas contas pelos tecnocratas do Fundo. Mais do que a chegada à UTI, porém, espanta o alarde em torno do remédio ali obtido. Trinta bilhões de dólares é algo semelhante ao implante de cinco pontes de safena e duas mamárias no pobre enfermo. Para ser claro, é o reconhecimento de um coração destroçado.

Com um pouco de cinismo, um defensor da nossa eufórica imprensa poderia contra-argumentar: a UTI realmente mete medo, o remédio foi dos mais amargos, mas e daí? Estamos vivos, certo?

Sim, felizmente continuamos respirando, mas a morte cerebral da grande imprensa pode ser decretada desde já. Afinal, há oito anos ela reza a cartilha do atual governo, nos vende, dia a dia, a idéia de que estamos fazendo tudo certo. Precisava privatizar? Pois privatizamos quase tudo. Precisava abrir o País, liberar as importações? Pois escancaramos as nossas portas e passamos a comprar até água de coco da Tailândia. Precisava de responsabilidade fiscal? Pois fizemos uma bela lei engessando União, estados e municípios. Precisava flexibilizar a legislação trabalhista? Pois oito anos depois que FHC começou a trabalhar no Palácio do Planalto, a CLT é praticamente letra morta. Para não causar fastio nos leitores, vamos ficar por aqui nos exemplos, mas a verdade é que quase tudo que o Fundo Monetário poderia nos recomendar foi adotado pela diligente equipe econômica do atual presidente da República.

O caminho, nos diziam as folhas, estava sendo trilhado. Rumávamos para o ?primeiro mundo? a passos largos. Os brilhantes intelectuais de nossas redações arrotavam verdades e desdenhavam, ano a ano, os intrigantes números de estudos que uns chatos da Organizações das Nações Unidas insistiam em divulgar. Esses números mostravam que a despeito das reformas fernandinas, os indicadores sociais do Brasil permaneciam sofríveis – em muitos casos, como o da distribuição de renda, a situação piorava a cada novo levantamento.

Um ou outro grande intelectual das nossas redações se dava ao trabalho de argumentar que ?o peso de 500 anos de subdesenvolvimento? não seria resolvido em quatro ou oito anos (depois que os quatro primeiros de governo FHC se revelaram insuficientes), mas que estávamos no caminho certo, pois com a serena e sábia condução de nossa economia, o país estava se desenvolvendo, fazendo a ?inserção na globalização? e garantindo dias melhores a todos os cidadãos brasileiros.

Pois bem, chegou a hora do acerto de contas. Oito anos depois, um País que era a 8a economia do mundo, hoje é a 11a, com a 4a pior distribuição de renda do planeta. Para ser mais claro e falar na língua dos que implantaram as reformas neoliberais no Brasil, o fato é que oito anos depois que a brincadeira começou, um País falido precisa pedir penico à comunidade financeira internacional para garantir não mais apenas uma transição para o próximo governo, mas para permitir o término da gestão que aí está. Até em ?alfonsinização? de FHC já se chegou a falar…

Mas esqueçamos o pessimismo. Além do penta, conseguimos 30 bilhões, mais do que precisávamos. Sim, estamos vivos, respirando. Não deixa de ser um belo legado, presidente…”