Sunday, 28 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Lula, o bin Laden do reverendo Moon

BESTEIROL À AMERICANA

Joel Conrado (*)

Como se não bastasse o terrorismo econômico e político que o mundo enfrenta, o Washington Times, jornal ultraconservador do reverendo Moon, publicou em 7/8 um exemplo antológico do terrorismo midiático: um artigo de Constantine C. Menges, ex- integrante do Conselho de Segurança Nacional dos Estados Unidos, pau-mandado dos interesses econômicos conservadores americanos e do governo Bush, que está conduzindo seu país à paranóia do perigo terrorista.

O autor do texto só falta chamar Lula, tratado como “Mr. da Silva” no artigo, de o novo bin Laden da América Latina. Não sou de esquerda, não pertenço ao PT. Mas causa surpresa e revolta ver como o Washington Times se permite a ousadia de publicar um artigo eivado de suposições fantasiosas, falácias e mentiras. Leiam:


“Bloqueando um novo Eixo do Mal

Uma nova ameaça terrorista com armas nucleares e míssil-balísticas pode vir de um eixo incluindo Fidel Castro de Cuba, o regime de Chávez na Venezuela e a eleição de um radical como presidente do Brasil, todos com ligações com o Iraque, Irã e China. No ano passado, visitando o Irã, o Sr. Castro disse: “Irã e Cuba podem pôr a América de joelhos”, enquanto Chávez expressava sua admiração por Saddam Hussein numa visita ao Iraque.

O novo eixo ainda pode ser evitado, mas se o candidato pró-Castro é eleito presidente do Brasil os resultados poderiam incluir um regime radical no país, restabelecendo seus programas nuclear e míssil-balístico, estreitando ligações com Estados patrocinadores do terrorismo, como Cuba, Iraque e Irã, e participando da desestabilização das frágeis democracias vizinhas. Isto poderia deixar 300 milhões de pessoas em seis países sob o controle de regimes radicais e anti-EUA e possibilitar que milhares de recém-doutrinados terroristas tentem atacar os Estados Unidos a partir da América Latina. Por ora, Washington parece pouco se preocupar.”

“Os brasileiros realizarão eleições presidenciais em outubro, e se as pesquisas atuais são um guia o vencedor poderia ser um radical pró-Castro com amplas ligações com o terrorismo internacional. Seu nome é Luiz Inacio da Silva, presidente do Partido dos Trabalhadores e candidato com 40% das intenções de voto.. O candidato comunista (!!!) é segundo, com 25%, e o concorrente pró-democracia está com cerca de 14%.”


Quanta desinformação. Se o segundo candidato brasileiro é “comunista”, com 25% nas pesquisas, os candidatos “antidemocracia” teriam 65% nas pesquisas.


“O Sr. da Silva não faz segredo das suas simpatias. Ele tem sido um aliado do Sr. Castro por mais de 25 anos. Com o apoio do Sr. Castro, o Sr. da Silva fundou o Fórum São Paulo em 1990, uma reunião anual de comunistas e outras organizações políticas radicais da América Latina, da Europa e do Oriente Médio. Isso tem sido usado para coordenar e planejar atividades terroristas e políticas em todo o mundo e contra os Estados Unidos. O último encontro teve lugar em Havana, em dezembro de 2001. Envolveu terroristas da América Latina, da Europa e do Oriente Médio e condenou duramente o governo Bush e suas ações contra o terrorismo internacional.”


Num país como os EUA, onde se pode facilmente ser processado por calúnia, essa afirmação ? “coordenar e planejar atividades terroristas e políticas em todo o mundo e contra os Estados Unidos” ?, por não ser verdadeira, expõe o jornal e o autor do texto a processo que custaria muito caro.

“Como o Sr. Castro, o Sr. da Silva acusa os Estados Unidos e o neoliberalismo por todos os problemas sociais e econômicos que o Brasil e a América Latina enfrentam.” Mal-informado, o articulista não acrescenta que, mais do que o neoliberalismo, a roubalheira, a corrupção dos últimos governos é que afundaram o Brasil.

Nada de política exterior

“O Sr. da Silva classificou a Alca como uma conspiração dos Estados Unidos para “anexar” o Brasil, e tem dito que os banqueiros internacionais que desejam a devolução dos US$ 250 bilhões que emprestaram “são terroristas econômicos”. Ele tem dito também que aqueles que estão retirando seu dinheiro do Brasil, porque têm medo de seu regime, são igualmente “terroristas econômicos”. Isso dá uma idéia do tipo de ?guerra ao terrorismo? que seu governos conduzirá.” O autor do texto não menciona que Lula vai também combater o terrorismo do tipo contido no artigo…

Mais adiante o autor afirma: “(…) O Brasil poderia brevemente tornar-se também uma das nações detentoras de força nuclear. Entre 1965 e 1994, os militares ativamente trabalharam para desenvolver armamento nuclear, e com sucesso desenharam duas bombas atômicas, e estavam prontos a testar um artefato nuclear quando o governo democrático eleito e uma investigação do Congresso obrigaram o desmantelamento do projeto.” Entre desenhar e fabricar há um longo caminho…

“A investigação revelou, entretanto, que os militares haviam vendido oito toneladas de urânio ao Iraque em 1981. Também foi revelado que após esse projeto de sucesso ter sido interrompido, um general e 24 cientistas que lá trabalhavam foram para o Iraque. Relatórios revelam que, com financiamento do Iraque, a capacidade nuclear foi mantida em segredo, contrariando a política dos líderes democráticos civis.”

“A China já vendeu urânio enriquecido e tem investido na indústria espacial brasileira num projeto de satélite de reconhecimento.” Certamente isso é tão perigoso e terrorista como vender aviões militares e tanques e enviar militares instrutores ao Kuwait e às Filipinas. “(…) Ao mesmo tempo, ajudando as guerrilhas comunistas a assumirem o poder na convulsionada democracia da Colômbia, o regime de da Silva no Brasil estaria em posição favorável para ajudar comunistas, narcoterroristas e outros grupos antidemocráticos para desestabilizar as frágeis democracias da Bolívia, do Equador e do Peru, como também se aproveitar da profunda crise econômica na Argentina e do Paraguai.” Quem diria! Lula um segundo bin Laden… Isso é dose para americano nenhum dormir sossegado!

“Mais, o regime de da Silva provavelmente recusará pagar as dívidas, causando um profundo agravamento da economia em toda a América Latina, e conseqüentemente aumentando a vulnerabilidade de suas democracias. Isto poderia causar uma segunda fase de diminuição nas exportações dos Estados Unidos. Um eixo Castro-Chávez-da Silva significaria a ligação de 43 anos da guerra política de Fidel Castro contra os Estados Unidos à rica em petróleo Venezuela e ao armamento nuclear/míssil-balístico e o potencial econômico do Brasil.” Esse parágrafo daria uma fantástica novela das oito na Globo. Só falta FHC dizer que graças aos seus oito anos de governo o Brasil comandaria um complô econômico e militar contra os Estados Unidos…

“Com eleições em novembro em 2004, os americanos podem perguntar: “Quem perdeu a América do Sul?” (…) “Os Estados Unidos foram politicamente passivos no governo Clinton, quando ignoraram os pedidos dos democratas da Venezuela para ajudar no combate às atividades anticonstitucionais do Sr. Chávez e também ignorou suas públicas alianças com Estados patrocinadores do terrorismo. Oportuno acompanhamento político e ações por parte dos Estados Unidos e outras democracias deveriam incluir incentivo aos partidos democráticos no Brasil a se unirem em torno de um líder político honesto e capaz, que represente as esperanças da maioria dos brasileiros numa democracia genuína com recursos para montar uma efetiva campanha nacional.”

Com essa afirmação ? “que represente as esperanças da maioria dos brasileiros numa democracia genuína” ? o autor se contradiz. Se as pesquisas apontam preferência de 40% pela candidatura de Lula, é a maioria que o prefere. Mais ainda, faz tácito e vergonhoso apelo ao poder econômico para que desestabilize as eleições brasileiras. De política exterior Constantine C. Menges não manja nada.

 

M. C.

Ninguém deve levar o Dr. Constantine Menges (muito) a sério. Ele tem sido, por 25 anos, um (mau) relações públicas da linha-dura do Partido Republicano. Suas tão freqüentes quanto catastróficas previsões de política externa vêm sendo desmontadas uma a uma pelos acontecimentos, mas ele está sempre lá, nos jornais americanos conservadores, prevendo perigos inimagináveis para a “democracia americana”. Não previu, é claro, o 11 de setembro, mas isso não tem a menor importância. Há ameaças de sobra para prever e manter o Dr. Menges ganhando dinheiro com sua atividade.

Mas de onde vem o Dr. Menges? Segundo o site da Casa Branca <www.whitehouse.gov>, ele nasceu em Ancara, na Turquia, e tem 62 anos. Era, em 1983 ? portanto, nomeado pelo governo Reagan ?, diretor para assuntos latino-americanos do Conselho de Segurança Nacional. Anteriormente, entre 1981-1983, era nada mais nada menos que analista de informações da Central Intelligence Agency, a boa e velha CIA, para a América Latina. Desde esta época já pertencia ao Hudson Institute, think tank sediado em Washington que reúne a fina flor do conservadorismo americano.

Tem doutorado em Ciência Política pela Columbia University, dá aulas em várias universidades, mas seus pares não o levam (muito) a sério. Um deles, Thomas Risse-Kappen, especialista em Europa da Universidade de Konstanz, na Alemanha, comentando as avaliações do antigo agente sobre o “perigo alemão”, disse que Menges não consegue parar de “ver em vermelho”: representa uma geração inteira do establishment de segurança nacional que se concentrou na Guerra Fria por tempo demais, “e sua percepção, é claro, nada tem a ver con os verdadeiros problemas atuais de segurança”. Quando Menges escreveu sobre a ameaça de uma aliança russo-chinesa, William D. Shingleton, da National Defense Council Foundation, outro think tank, de Alexandria, perto de Washington, afirmou no Washington Post que Menges julga mal a realidade, e fica “hiperventilado” ao analisar eventuais alianças que considera estratégicas, “o que em nada aumenta a segurança americana”.

Explosiva receita de bolo

O New York Times até fez pequena penitência no ano passado, em matéria de Tim Weiner, por ter o jornalão publicado em 1980 artigo de “um escritor conservador chamado Constantine C. Menges, alertando que os avanços comunistas na América Central ameaçam transformar o México no ?Irã ali ao lado?: um estado revolucionário . movido a terror de esquerda, desestabilizado por uma coalizão de grupos reformistas, radicais e comunistas”. Conta Weiner que William J. Casey, diretor da CIA no governo Reagan, “acreditou em tudo e contratou o homem, e juntos promoveram aquela visão política de forma muito, muito dura”. Só que nada daquilo aconteceu. “A Guerra Frita foi uma máscara que nos cegou para a realidade do mundo”, disse ao Times em 1992 o poeta e Nobel Octavio Paz, conforme cita Weiner.

Assim é o Dr. Menges. Em 28 de abril ele já tinha destilado seu veneno no próprio Washington Times contra ? principalmente ? Hugo Chávez e Lula. No último parágrafo do artigo, disse: “Se Chávez consolidar seu controle nos próximos meses, suas ações ameaçarão a democracia na Colômbia, na Bolívia, no Equador, no Peru e no Brasil, onde o Sr. Chávez e Fidel Castro esperam ver repetido seu padrão de golpe pseudo- constitucional com a eleição do radical Inacio da Silva como presidente, em outubro. Isso poria 300 milhões de pessoas sob o controle de regimes radicais pró-Castro-Iraque antes de 2004 ? um enorme ganho para o terrorismo anti-EUA e uma enorme derrota para as populações locais e para o governo Bush.”

Segundo Risse-Kappen, os ensaios de Menges nada acrescentam em pesquisa e reflexão sobre as questões internacionais: suas fontes são as matérias do New York Times, do Washington Post e do Economist, que ele não se envergonha de citar. Para escrever sobre o novo eixo do mal latino-americano, o Dr. Menges, que fala quatro línguas, provavelmente teve acesso às resenhas ? de repercussão internacional ? do livro da jornalista Tânia Malheiros sobre o programa nuclear brasileiro e o nunca esclarecido embarque de urânio para o Iraque; soube dos experimentos da Marinha em enriquecimento de urânio em Iperó; ouviu falar dos testes de lançamento na base de Alcântara; leu que líderes do PT, como milhares de outros brasileiros, visitaram Havana. Bateu tudo, botou no forno e pronto: Lula no poder se aliará aos militares e ao narcotráfico, invadirá os países vizinhos e criará um enclave nuclear terrorista.

O dever de casa é fácil

Tais sandices estão em sintonia com a linha do Washington Times, criado pelo coreano Sun Myung Moon para ajudar na guerra ao comunismo liderada pelo então presidente Ronald Reagan e como alternativa conservadora ao Washington Post. O jornal tem pequena circulação e já deu US$ 1 bilhão de prejuízo ao grupo News World, de Moon. Mas não falta dinheiro ao “reverendo”, dono de vastas extensões de terras no Brasil: ele recentemente comprou a United Press International (UPI), uma agência de notícias americana de quase 100 anos, cuja atual correspondente em São Paulo manda matérias regularmente ao Washington Times sobre a crise e as eleições.

Para não dizer que não persegue os padrões americanos de “liberdade de expressão”, o Washinton Times publicou na terça, dia 19/8, duas cartas de protesto contra o artigo do Dr. Menges, uma de Pedro Giglio, do Rio de Janeiro, e outra de Mark Andrews, estudante de Relações Internacionais e Estudos do Pacífico da Universidade da Califórnia em San Diego, ambas sob o título “Próxima parada da guerra ao terror: Brasil?”. A primeira, cujo autor afirma não ser eleitor de Lula, rebate uma a uma as afirmações do articulista e diz que o texto é uma afronta ao povo brasileiro. A segunda lamenta que, não bastando a punição que a comunidade financeira internacional inflige aos brasileiros por expressarem sua insatisfação nas pesquisas, “neocombatentes da Guerra Fria como Menges jogam a carta do terrorismo para desacreditar um dos maiores campeões da democracia na América Latina, Luiz Inacio Lula da Silva”. E termina: “As pessoas que devemos temer no Brasil são os inimigos do Sr. da Silva: armados da ideologia do medo, podem derrubar o governo e remilitarizar o Brasil.”

Quer dizer, até um estudante americano de graduação, quando quer, faz seu dever de casa bonitinho sobre o Brasil. Imagine-se do que seria capaz, se quisesse, a poderosa mídia americana. Mesmo não levando (muito) a sério pasquins como o Washington Times e dinossauros como o Dr. Menges, a imprensa tem obrigação de ficar de olho (bem) aberto com essa gente. Afinal, é ela que mantém azeitado, com sua propaganda do perigo externo, o complexo industrial-militar americano, fagueiramente ativo nesta era de tantos eixos do mal.