Sunday, 28 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Luz no fim do túnel

TV E LIVROS

Luiz Gonzaga Motta, de Barcelona (*)

Há algumas semanas realizou-se em Barcelona a Festa de Sant Jordi, nome catalão do nosso São Jorge, padroeiro desta cidade mediterrânea. Essa festa é uma espécie de dia dos namorados, que no Brasil se celebra na próxima semana. Mas, na Festa de Sant Jordi, não há ostentação na troca dos presentes: cada homem presenteia sua namorada, esposa ou amante com uma rosa, só uma, nada de faustos buquês. Em troca, cada mulher presenteia ao homem um livro, só um, certamente bem escolhido para a ocasião. Para facilitar as compras, todas as livrarias da cidade colocam balcões improvisados nas calçadas e dão descontos razoáveis, enquanto os vendedores de rosas se espalham pelas praças e esquinas. Não é feriado, obviamente, mas as pessoas saem mais cedo do trabalho para comprar o regalo do(a) companheiro(a) e a cidade ganha um clima festivo.

Este ano, as livrarias bateram todos os recordes de venda de livros, superando em mais de 10% as vendas do ano passado. O aumento na venda dos livros é um dado promissor, significa que as pessoas estão lendo mais. Mesmo dando-se o desconto por ser dia de presentear namorados, o crescimento das vendas indica um interesse maior pela leitura. Aliás, se alguém reparar vai verificar que, nos metrôs da cidade, em cada 10 pessoas pelo menos quatro estão lendo algum livro durante a viagem e outros tantos certamente tém livros em bolsas e pastas. É evidente o interesse maior pela leitura entre os europeus do que entre os brasileiros.

O dado é ainda mais significativo se confrontado com a queda no consumo de televisão na Espanha. Em todo o mundo, ver televisão continua sendo a terceira atividade à qual mais dedicamos nosso tempo, depois de dormir e trabalhar. A queda é pequena, mas indicativa de uma tendência. No ano de 2000, cada espanhol assistiu a 210 minutos diários de TV. No ano de 2001, este número baixou para 208 minutos (três horas e 28 minutos por dia). O pequeno decréscimo é importante porque essa tendência está ocorrendo em todo o mundo e a queda de exposição à TV aconteceu no ano em que ocorreu o espetacular atentado contra o World Trade Center, que ligou todo mundo nas fantásticas imagens de televisão, transmitidas ao vivo e repetidas à exaustão.

A média mundial de exposição à TV é de três horas e 23 minutos por dia por pessoa, maior do que a espanhola, mas também caiu em cinco minutos em relação ao ano anterior. Nos Estados Unidos, líder mundial de exposição à TV por pessoa, até o ano de 2001a média caiu de quatro horas e 26 minutos para quatro horas e 15 minutos, 11 minutos a menos. A Bósnia é o líder mundial de consumo de televisão, com 287 minutos por dia por pessoa, seguida pelo México, com 265 minutos, e os Estados Unidos, agora em terceiro lugar, com 255 minutos. O estudo é da Eurodata TV, que o apresentou no encontro do Mercado Internacional de Produções de TV, realizado mês passado em Cannes, logo antes do famoso festival de cinema. Nos dados de que disponho, infelizmente, o Brasil não aparece.

Comparando-se os continentes, a América do Norte aparece em primeiro lugar, com 250 minutos, seguida da América Latina, com 220 minutos, a Europa, com 203 minutos, o Oriente Próximo, com 179 minutos, a África, com 176 minutos e, por último, a Ásia, com 157 minutos. Em termos de conteúdo, a ficção aparece em primeiro lugar, com 42% do tempo de exibição, seguida por entretenimento não-ficcional, com 33%, noticiários, com 18%, esportes, com 6%, e outros tipos de programação com 1%. Definitivamente, a televisão é um veículo de entretenimento, pois somando-se a programação de entretenimento ficcional com o não-ficcional, temos um total de 75% do tempo de exibição da TV mundial dedicados à diversão.

Só nos resta torcer para que a população mundial se enfarte de tanta porcaria exibida pela televisão e se dê conta de que há coisas mais interessantes na vida do que ver televisão. Pode até nem se voltar para a leitura de livros, pode preferir fazer sexo, caminhar, praticar esporte, tomar chope, ouvir música, jogar conversa fora, qualquer coisa serve em lugar de simplesmente se sentar na poltrona e assistir passivamente a tanta imbecilidade que o mercado nos impõe.

O estudo citado revelou que entre os programas de maior audiência em cada país, estão os grandes shows de pop-music ou música de mercado, em geral rock da pior qualidade, como o Eurovisão, os jogos de futebol, os reality shows agora em moda na televisão brasileira e, pasmem, os arcaicos concursos de Miss Mundo, o programa individual de maior público na Bósnia (campeã mundial em número de horas por habitante). Os números são ainda muito tímidos para indicar se a tendência de queda no consumo de TV continuará nos próximos anos, mas algo indica que podemos manter as esperanças. Quem sabe, algum dia, alguns séculos adiante, algum espírito baixará e as pessoas vão finalmente se dar conta da bestialidade a que foram reduzidas, pelo menos em parte, por culpa dessa engenhoca tão arrebatadora inventada pelo homo idioticus do Século 20?

(*) Jornalista, professor e ex-diretor do Curso de Comunicação da UnB, atualmente em Barcelona para pós-doutorado