Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Manchete errada, bovinos e Pedro Bial


Lira Neto, ombudsman de O Povo (*)

“Se você diz que há elefantes voando no céu, as pessoas não vão
acreditar em você. Mas se você disser que há quatrocentos e vinte e cinco
elefantes no céu, as pessoas provavelmente acreditarão”

Gabriel Garcia Marquez, escritor e jornalista

 

N

a terça-feira da semana passada, um despacho do ministro da Justiça, Renan Calheiros, confundiu O Povo. E O Povo, por conseqüência, confundiu os leitores. “Caem os juros do cartão de crédito”, dizia a manchete do jornal, no dia seguinte ao despacho do ministro. Vinte e quatro horas depois, na quinta-feira, O Povo tentava explicar, meio acanhado, que a história não era bem assim. A manchete não estava correta. As taxas de juros dos cartões não haviam caído. O que o governo havia feito era limitar, em 2%, as multas em caso de atraso no pagamento do cartão de crédito. As taxas de juros cobradas dos consumidores no crédito rotativo e nas compras parceladas com o cartão continuavam exatamente as mesmas. A manchete do O Povo desinformara o leitor. “Informação de ministro confunde usuários”, tentava emendar O Povo na quinta-feira, em página interna, sem nenhuma menção na primeira página à imprecisão do dia anterior. Mais confuso parecia o próprio jornal, que agora tentava se explicar: “Ontem, durante anúncio da redução da multa, o ministro Calheiros informou erroneamente que os ?juros de mora? estariam sendo reduzidos. Na verdade, o que caiu foi a alíquota da multa de mora que incide sobre o pagamento da fatura paga com atraso”, dizia a matéria. “A informação equivocada induziu O Povo ao erro”, argumentava o jornal.

O argumento de que a “informação equivocada induziu O Povo ao erro” era facilmente desmontado quando comparávamos nossa manchete com a de outros jornais. No mesmo dia em que anunciávamos a “queda” dos juros em manchete, O Globo, por exemplo, trazia a informação correta em sua chamada principal de primeira página: “Governo limita a 2% multas por atraso no pagamento de cartões”.

A farra do boi

Leitores procuraram o ombudsman, na segunda-feira passada, para protestar contra a primeira página do O Povo daquele dia. Uma imensa placa de trânsito ocupava praticamente a metade de nossa página principal. Os leitores argumentavam que entendiam a importância e a oportunidade da reportagem: era feriado e a matéria falava sobre o
perigo de animais soltos nas rodovias. Mas indagavam se o ombudsman não via um exagero nas dimensões da ilustração. Tamanha “criatividade” gráfica assustara os leitores. O assinante Fernando Pereira Viana mandou um e-mail contundente a respeito: “Fiquei desconcertado ao me deparar com a edição de 12/10. Não é que o jornal teve a sem-cerimônia de utilizar mais de 50% do espaço da primeira página para a reprodução de uma placa de sinalização do trânsito enfocando o desenho de um bovino?”, escreveu o leitor indignado. “Francamente, é muita falta de senso jornalístico. Ou seria falta de consideração para com os leitores? Que pobreza!”, exclamava Viana.

O ombudsman considera a crítica procedente. Estampar uma enorme placa de trânsito na primeira página de um jornal, tomando quase a metade do espaço disponível, não significa criatividade alguma, mas denuncia exatamente a ausência dela. Uma indigência semântica. No mínimo, como afirmaram os leitores que procuraram o ombudsman, tal firula gráfica não passava de um imperdoável desperdício de espaço.

Bial e o nosso provincianismo

Impressionante a deselegância e a arrogância contidas na carta assinada por Pedro Bial no O Povo de 5 de outubro. Sem qualquer noção de civilidade, o jornalista chamava o repórter Emerson Maranhão de “pulha” e “energúmeno”. Como se não bastasse, ameaçava o jornalista do O Povo de agressão física: “que se cuide: é bom não cruzar comigo e se identificar, pois pode muito bem levar uns piparotes na cabeça ? essa parte do corpo onde ele carrega os intestinos”, dizia a carta, num estilo que beirava o impublicável.

A ira de Bial se deu por conta de uma nota publicada pelo O Povo, na cobertura da Feira do Livro de Fortaleza. A nota questionava uma pergunta da entrevista-espetáculo de Bial com Rachel de Queiroz, no palco do Centro de Convenções: “Rachel, você sabe o que é internet?”, perguntou Bial à escritora cearense. Bial não disse, mas referia-se a entrevista anterior dada por Rachel, que, sempre bem humorada, então afirmara não saber “o que era internet”. Mas a pergunta, descontextualizada, provocou incômodos na platéia cearense. A carta grosseira de Bial foi desproporcional ao conteúdo da nota escrita por Emerson Maranhão. Mas bem que pode servir de lição para nosso incorrigível provincianismo. Poucos dias antes da publicação daquela carta, O Povo havia dado uma matéria de página inteira sobre Pedro Bial. Há uma grave inversão na hora em que o jornalista passa a ser a própria notícia. Quando repórteres e colunistas da grande imprensa paulista ou carioca aportam por estas bandas, os jornais locais costumam tratá-los como estrelas. No caso, estrela global. Chegamos ao extremo de entrevistar Bial para indagá-lo sobre o que ele iria perguntar, no dia seguinte, na entrevista que faria com Rachel de Queiroz. Era o paroxismo da subserviência.

Ainda sobre os gazeteiros

Recebo documento assinado por José Raimundo Cruz, diretor da Aguanambi Distribuidora, responsável pela circulação do O Povo. Ele responde à coluna do ombudsman da semana passada, que criticava a incoerência de o jornal publicar matérias e editoriais contra o trabalho infantil, enquanto o próprio O Povo mantém crianças trabalhando como jornaleiros. Segundo o documento enviado ao ombudsman, O Povo possui atualmente 300 gazeteiros: “200 têm idade igual ou superior a 18 anos e 100 estão na faixa de no mínimo 16 a 18 anos”.

José Raimundo Cruz afirma que circular interna proibiu o trabalho de jornaleiros menores de 16 anos a partir de junho de 98 ? ou seja, três meses após a primeira manifestação pública do Ombudsman a respeito. “A despeito dos nossos esforços, no sentido de evitar menores de 16 anos dentro do processo, sabemos que por razões alheias a nossa vontade e conhecimento, fatos podem acontecer que contrariem nosso trabalho, razão pela qual ficamos a sua disposição para que nos informe sempre que do contrário você tiver notícia”, diz Cruz. O Ombudsman continuará atento. Os leitores devem fazer o mesmo. Pesquisa da socióloga cearenses Glória Diógenes constatou que os pequenos gazeteiros, por conta dos horários e das condições de insalubridade do trabalho na rua, encontram uma porta escancarada para a marginalidade e a prostituição infantil.

(*) Copyright O Povo, 19/10/98.

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