Tuesday, 07 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1286

Mapa das relações entre mídia e política

RESENHA

Vera Chaia (*)

Midia: Teoria e Politica, de Venicio A. de Lima, Editora Fundação Perseu Abramo, 336 pp., São Paulo, 2001. Tel. (55) 5571-4299; <www.fpabramo.org.br>; e-mail <fpabramo@fpabramo.org.br>

Venício A. de Lima foi um pioneiro, um dos primeiros pesquisadores a trabalhar com a relação mídia e política no Brasil, introduzindo novas questões e abordagens para uma análise multidisciplinar dessa temática e avançando mais ainda ao elaborar conceitos como CR-P (Cenário de Representação da Política) ? auxiliando, portanto, na elucidação da realidade midiática. Por isso tudo, o autor tornou-se uma referência em termos teóricos e metodológicos na intersecção daquelas duas áreas.

O livro Mídia: teoria e política reúne artigos escritos em diferentes momentos da vida acadêmica do autor e apresenta a produção de textos tratando de teorias da comunicação, economia das comunicações, mídia e política e ainda reflexões recentes sobre o telejornalismo local e nacional.

Na primeira parte do livro, o autor trabalha com a(s) teoria(s) da(s) comunicação(ções) (parênteses utilizados pelo autor), recuperando vertentes teóricas e metodológicas e sistematizando-as para obter uma melhor compreensão do significado que elas possuem. Nesta parte do livro, Venício aprofunda a reflexão da importância da comunicação na obra de Paulo Freire.

Na segunda parte, o autor produz uma reflexão sobre as comunicações no Brasil. Preocupado com liberdade de expressão e democratização dos meios de comunicação, Venício reconstrói o papel das comunicações enquanto um poder exercido por famílias, por políticos e, agora, após o período de privatizações das telecomunicações, por grandes empresas estrangeiras que estão assumindo parcerias com as brasileiras.

Venício é um profundo conhecedor das mudanças ocorridas nesta área das comunicações e nos seus escritos mostra a importância cada vez maior desses setor na vida política brasileira.

A terceira parte do livro é dedicada ao estudo da mídia e da política, através da análise do papel exercido pela Rede Globo nos anos da transição política brasileira, de 1982 a 1985. Seu objetivo é compreender o significado político desempenhado por essa emissora em momentos cruciais da recente história brasileira. Nesta linha, retoma o caso da manipulação feita pela Globo por ocasião das eleições para o governo do Estado no Rio de Janeiro, em 1982, quando Leonel Brizola venceu as eleições, apesar da Globo. Outro fato marcante também assinalado foi a cobertura tendenciosa realizada pela emissora quando do movimento pelas eleições diretas para a presidência da República, em 1984. Enquanto as manifestações a favor das diretas aconteciam em várias cidades brasileiras, e recebia a cobertura jornalística das outras emissoras, a Globo as ignorava intencionalmente como parte de sua estratégia de noticiários e de sua identificação com o regime militar.

Um dos pontos alto do livro se dá quando o autor esclarece o significado do CR-P (Cenário de Representação da Política), conceito amplamente utilizado por pesquisadores que realizam análises dos pleitos eleitorais. Na sua avaliação, não se compreende um processo eleitoral que envolva eleições para cargos majoritários sem analisar o CR da Política daquele período.

O autor parte do pressuposto de que os meios de comunicação ocupam um papel central na construção da hegemonia (sentido gramsciano), decorrente da crise dos partidos políticos. A representação que os media fazem da realidade passa a constituir a própria realidade. Neste sentido o CR-P é construído no e pelos media, que definem e delimitam o espaço da realidade política no mundo contemporâneo. Os media também são responsáveis pelas mudanças ocorridas no processo político. Este conceito retomado e analisado em vários artigos e a síntese presente neste livro indicam sua operacionalidade para a análise das eleições.

Em termos operacionais, o autor considera que o ideal seria que o pesquisador começasse sua análise do cenário político a partir do período de oficialização das candidaturas em eleições majoritárias (seis meses antes). E para se compreender este cenário deve-se estudar os seus elementos constitutivos: telejornais, novelas, publicidade; programas de grande audiência; campanhas eleitorais; produção de mensagens; e eventos conjunturais que podem desestabilizar temporariamente o CR-P.

A hipótese não ignora outras dimensões do processo político, como o sistema eleitoral, o sistema partidário, surveys e pesquisas para analisar a percepção que o cidadão comum tem do CR-P. A candidatura que não se ajustar ao cenário dinâmico de representação da política dificilmente vencerá em eleições nacionais e majoritárias.

Para exemplificar a construção do conceito, o autor se reporta às eleições presidenciais de 1989, com duas candidaturas antagônicas, Fernando Collor de Mello (PRN) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Neste artigo, as aplicações do conceito estão explícitas e auxiliam o leitor a vislumbrar, com maior facilidade, o período estudado e as categorias trabalhadas para melhor compreender a vitória de Collor naquelas eleições.

Os artigos mais recentes dizem respeito à análise do telejornalismo no Brasil, nos quais Venício analisa o caso dos telejornais locais, enfocando o DF-TV, da Globo, e, em artigo escrito com Liziane Guazina, privilegia uma análise comparativa da cobertura da política entre o Jornal Nacional e Jornal da Record, este ancorado por Boris Casoy. Com a preocupação de fornecer instrumentos analíticos, entre estes textos encontra-se a construção de um tipo de planilha para analisar o noticiário, o que auxilia a que futuros estudos possam ser realizados a partir desta metodologia adotada pelos autores.

Por este e demais motivos, trata-se de um livro fundamental para pesquisadores ou interessados que trabalham com o tema da mídia e política, cada vez de maior significação para compreender as mudanças ocorridas na nossa sociedade.

(*) Professora de Política e coordenadora do NEAMP (Núcleo de Estudos em Arte, Mídia e Política) da PUC-São Paulo