Thursday, 02 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Marcelo Migliaccio e Rodrigo Rainho

TV / DESENHOS ORIENTAIS

“Febre oriental”, copyright Folha de S. Paulo, 20/10/02

“Para que se tenha uma idéia da penetração dos desenhos animados japoneses no planeta, a expressão ?Dragon Ball? foi a mais procurada no site de busca Lycos no ano passado, deixando para trás Britney Spears, Napster, Osama bin Laden e World Trade Center. Neste mês, os fãs brasileiros do gênero foram presenteados com mais três estréias, todas no canal pago Fox Kids, que já está exibindo ?Beyblade? (18h), ?Shaman King? (19h) e ?Medabots? (22h), no bloco ?Invasão Anime?. Mas qual a razão de tanta popularidade? ?Diferentemente do desenho tradicional, nos ?animes? [abreviação de ?animations? todos os episódios são amarrados, como uma novelinha. Os personagens são desenvolvidos a fundo. Esse elo que o telespectador cria com a história pode ser uma explicação?, diz Flávio Rocha, diretor responsável pela programação infantil da Globo. A emissora exibe atualmente a terceira temporada de ?Digimon Tamers? e ?Dragon Ball? na faixa ?TV Globinho?, e ?Dragon Ball Z? na ?Sessão de Desenhos?. ?Em alguns poucos casos, torna-se necessário suavizar o conteúdo de alguma cena para adequá-lo à faixa etária do programa?, diz Rocha. ?Os ?animes? têm forte conteúdo moral e dão uma clara distinção entre o bem e o mal?, afirma Herbert Greco, diretor responsável pela programação do Fox Kids. Para Cindy Kerr, vice-presidente de programação e aquisições do Cartoon, ?sendo você jovem ou velho, um roteiro é capaz de conquistar a sua fidelidade.? A direção ágil, a animação limitada (12 quadros por segundo contra 24 dos desenhos clássicos) e as cores contrastantes também contribuem para o interesse despertado por essas produções, segundo Cristiane Sato, presidente da Abrademi (Associação Brasileira de Desenhistas de Mangá e Ilustrações). ?Comecei a ver ?animes? aos 10 anos. Olhamos nos olhos dos personagens e vemos as emoções. Alguns deles crescem com os telespectadores, como acontece em ?Dragon Ball?, diz Lilian Maruyama, 23, ativista da Orcad (Organização Cultural de Animação e Desenho), que reúne fãs em São Paulo.

Violência

Mas há os que enxergam uma dose excessiva de violência nos ?animes?, assim como ocorre nos desenhos americanos, nos quais levar uma bigorna na cabeça é rotina. Para Maria Angela Barbato Carneiro, professora da Faculdade de Educação da PUC-SP, o desenho japonês violento pode estimular a agressividade nas crianças. ?O mundo da criança está perdendo o encanto?, afirma. O diretor de programação do SBT, Mauro Lissoni, concorda: ?Em função do teor agressivo desses desenhos, e em respeito ao público, resolvemos não incluir tais produções em nossa grade de programação?. ?Temos cautela, equipes do Fox Kids e da Disney [proprietária do canal? avaliam e cortam cenas agressivas?, diz Flávio Medeiros, diretor do grupo Disney. Claudemir Edson Viana, pesquisador do Lapic (Laboratório de Pesquisa sobre Criança, Imaginário e Televisão), concorda que o desenho é capaz de influenciar crianças com problemas emocionais cuja separação de fantasia e realidade não esteja clara. ?Mas a maior influência vem do meio em que a criança vive. Por isso, o papel dos pais na formação moral e social é fundamental?, diz. Viana, porém, afirma que a violência dos desenhos japoneses não é gratuita, mas parte do desafio do personagem dentro de um contexto narrativo. Ele considera os ?animes? mais sutis que as produções dos EUA, onde as lutas envolvem quase sempre disputas individuais por bens materiais. ?Não há oposição tão estereotipada e mecânica. Jovens lutam pelo bem da humanidade.?

Público alvo

Aí entra outra questão: muitos desenhos japoneses consumidos no Brasil por crianças não foram concebidos para o público infantil. ?Os ?animes? exibidos aqui geralmente são os lançados para adolescentes ou adultos no Japão?, diz Cristiane Sato, que, no entanto, considera noticiários e ?talk shows? mais nocivos às crianças.”

“Primeiro desenho é de 1963”, copyright Folha de S. Paulo, 20/10/02

“Muitos desenhos animados japoneses têm origem nos quadrinhos produzidos no país (mangás), que servem de teste para futuras séries de TV. Talvez o mais ilustre fã do gênero no Ocidente seja Gendy Tartakoviski, criador de ?Laboratório de Dexter? e ?Meninas Superpoderosas?, séries repletas de referências ao pop nipônico. A influência encontrou seu expoente máximo na nova série de Tartakoviski, ?Samurai Jack?, tributo estético aos maneirismos e clichês do gênero. Mas é fato que muito do que de melhor é produzido no Oriente não chega a nós. Obras de autores como Miyazaki estão restritas aos fã-clubes que importam ?animes?. Filtrando as séries comercialóides (Pokémons, Digimons e afins) que infestam a TV atualmente, restam bons desenhos que valem ser lembrados. Quem abriu o caminho foi ?Astro Boy? (?Tetsuwan Atom?), criação do quadrinista Osamu Tesuka. Em 1963, foi a primeira série animada produzida no Japão e teve 193 episódios. Tesuka criou também outros dois ?animes? populares no Brasil: ?A Princesa e o Cavaleiro? e o leãozinho ?Kimba?. Outra série de sucesso foi ?Speed Racer? (?Mach Go Go Go?, no original), sobre as aventuras de um piloto e seu carro de corrida. A série, de 1967, é cultuada e já passou até na MTV. A extinta Rede Manchete teve papel importante na popularização dos ?animes? no país. De todas as séries que exibiu, talvez a mais célebre seja ?Patrulha Estelar? produzida em 1974 e mostrada 11 anos mais tarde no primeiro programa infantil de Xuxa Meneghel. Nela, o encouraçado Yamato, afundado na Segunda Guerra Mundial, era restaurado e transformado numa espaçonave de batalha que defendia a Terra de invasores. Depois disso, os ?animes? sofreram do descaso total das emissoras. Incapazes de compatibilizar seu formato (de histórias longas, quase como novelas), os canais exibiam episódios fora de ordem e muitas vezes nem sequer mostravam o final. Foi assim com ?Zillion?, que marcou as manhãs de domingo da Globo nos anos 80, e ?Macross?, que só foi exibida decentemente na CNT. Nos anos 90, novamente a Manchete voltaria a dar atenção a esses desenhos. Tanto que um de seus últimos trunfos foi o fenômeno ?Cavaleiros do Zodíaco?, um ?anime? mediano, mas que caiu como uma bomba num público sedento de novidades. ?Cavaleiros? abriu caminho para sagas como ?Dragon Ball? e ?Gundam?, entre outras. Resta esperar que as emissoras escolham melhor as séries que vão exibir. Afinal, nem todo ?anime? limita-se apenas a ser uma propaganda de brinquedos diária. O melhor do gênero ainda permanece desconhecido do público brasileiro.”

 

REDE TV! SEM ARMA

“Procurador quer vetar arma na Rede TV!”, copyright Folha de S. Paulo, 19/10/02

“O Ministério Público Federal de Minas Gerais entrou anteontem com ação civil pública pedindo em liminar o veto à exibição nos programas ?Repórter Cidadão? e ?Canal Aberto?, da Rede TV!, de ?cenas de violência, armas de fogo, sangue, assassinatos, estupros, troca de tiros, crimes passionais e a exploração de sexualidade, dramas familiares, aberrações físicas, crianças e adolescentes?.

A ação, do procurador da República Fernando de Almeida Martins, 35, pai de uma menina de 11 meses, foi proposta no mesmo dia em que o vespertino ?Repórter Cidadão? mostrou um arsenal de armas pesadas e que o ?Canal Aberto? apresentou imagens de um bebê que nasceu com duas cabeças em Minas Gerais.

As imagens do bebê, também exibidas à tarde por outras emissoras, como o SBT, devem gerar outra ação. Ontem, o promotor Motauri Ciocchetti de Souza, do Ministério Público paulista, iria requisitar fitas dos programas.

A direção da Rede TV! afirma que o ?Canal Aberto? ?se propõe a ser um palco para as pessoas que queiram expor, sem se degradarem, seus dramas, seus problemas e tentar achar as soluções para eles?. Diz também que o programa está cumprindo ajustes acertados com o Ministério da Justiça. ?Já o ?Repórter Cidadão? é um programa jornalístico. Adoraríamos viver em uma sociedade que só tivesse notícias boas?, disse a TV, por meio de assessoria.”