Saturday, 27 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Marketing de novela

Beth Klock

 

H

á algo de podre e não é no reino da Dinamarca. É aqui mesmo, na imprensa da capital paulistana.

Sob o comando do PPB de Paulo Maluf há dois mandatos, São Paulo, descobre-se só agora, chafurda na lama mesmo quando do céu não cai nem uma gota sequer. Assunto diário há mais de 100 dias (o que, por si só, já é digno de nota), a máfia da propina nas Administrações Regionais da capital desvendou fiscais endinheirados, vereadores milionários, empresas corruptas. No início de tudo o sr. Paulo Maluf passeava pela Europa e, é claro, não teria nenhuma pressa em voltar. Mas desde que voltou, parece ter sido poupado pelo noticiário, até que retornou à berlinda com o caso da suposta filha nascida de uma relação extraconjugal. No caso das propinas, manifestou-se apenas por meio de notas, atendeu a um ou outro telefonema. Na TV nunca deu as caras (se está mais gordo ou mais magro, se mudou a armação dos óculos, não sabemos; talvez nem o seu eleitor mais fiel o reconheça na rua, tanto tempo faz que não o vê). Do seu ilustre afilhado, o prefeito Celso Pitta, que ao menos lhe deu o sossego de já ter saído do PPB, Maluf quer a maior distância e não estranhará o eleitor se o vir afirmar, na próxima campanha eleitoral, que nunca ouviu falar dele.

Difícil acreditar que o sr. Paulo Maluf não tenha nenhuma relação com o que se descobre agora na Prefeitura paulistana.

Em sua coluna na Folha de S.Paulo de 25/3/99, Luis Nassif relembrou a licitação malcheirosa do lixo que denunciara em 16 e 23 de dezembro de 1993, quando o sr. Maluf era prefeito da capital. Para estranheza dos leitores daquele jornal, tal registro ficou restrito à coluna de Nassif, não merecendo nenhuma linha no caderno São Paulo [que circula em outras praças com a denominação Cotidiano] daqueles dias, o que me faz desconfiar que as colunas são lidas pelos editores daquele jornal somente quando estão impressas. Ou, na melhor das hipóteses, que os editores não conversam sobre o trabalho da equipe. E, se conversam, tratam “marqueteiramente” de deixar o assunto para a edição do dia seguinte, como faz o bom escritor de novelas ao encerrar cada capítulo. Será?

Onde o vereador?

Leio jornais desde pequena. Aprendi com minha mãe, que lia até mesmo jornais velhos, que embrulhavam as bananas que comprava na feira. Não jogava uma folha sequer sem antes ler o que estava escrito. Sou daquelas pessoas esquisitas que lêem as colunas de Falências e Concordatas e de Obituário. Pois pode acreditar: as falências e concordatas de grandes empresas, noticiadas com estardalhaço nos jornalões, constavam sempre nas colunas específicas, em corpinho miúdo, da edição do dia anterior!

Por que ninguém vai atrás de Luiza Erundina? Será que a ex-prefeita não tem nenhuma contribuição a dar nesta limpeza que se pretende fazer na prefeitura de São Paulo? Afinal de contas, foi no seu mandato que a Splice – uma empresa de Sorocaba – conquistou, com preço bem abaixo das demais, o direito – depois cassado inexplicavelmente pelo Tribunal de Contas do Município – de recolher o lixo em algumas regiões da cidade. No mandato seguinte, do sr. Maluf, apesar de atender a todas as exigências esdrúxulas de uma nova lei de licitações, a Splice foi desqualificada sob a alegação de apresentar um preço baixo demais, impossível de ser praticado. O mesmo que ela já havia provado ser o justo, ao prestar serviços na gestão do PT.

E por que será que ninguém vai atrás do sr. Maluf? Talvez porque, como noticiou outra coluna da mesma Folha de S.Paulo, o sr. Maluf prefira tratar deste e de outros assuntos com o seu amigo Roberto Marinho, lá em Angra dos Reis, bem longe destas mixórdias malcheirosas.

Há pouco mais de um ano das eleições, talvez não interesse a ninguém comparar as administrações municipais do PT e do PPB. E “onde estará o vereador Viscome?” é entretenimento tão bom quanto “quem matou Odete Roitman?”.

 

Paulo Lotufo, de Boston.

 

O Jornal da Tarde (30 e 31/3/99) divulgou em manchete mais um escândalo envolvendo a administração Celso Pitta: o chamado “golpe do cotonete”. Em resumo, um procedimento adotado em uma maternidade municipal, que usava um cotonete para evitar troca de bebês que onerou a Prefeitura em 1,5 milhão de reais. O caso continua sob investigação. As sociedades médicas já tinham denunciado o exame por não ter base científica e nenhuma outra maternidade da cidade, estatal ou privada, interessou-se em adotar este método.

Quinze dias antes, a revista Época (nº 43, 15/3/99) apresentou reportagem sobre o médico envolvido, apresentado como o “pioneiro mundial em identificação de bebês pelo DNA” – leia-se venda de cotonetes superfaturados para uma única regional da prefeitura. A reportagem incluía entrevista e uma biografia do médico envolvido. O tema era outro: o reconhecimento de um estuprador pelos resíduos fetais, que estava sendo feito na clínica do médico, algo bizarro e certamente ilegal. O conteúdo da reportagem era “quase” todo destinado a mostrar o quão destemido e desinteressado era o protagonista, o mesmo altruísmo que o levou a ser “pioneiro mundial”, tão pioneiro que a comunidade médica internacional desconhece qualquer publicação científica sobre o assunto. O “quase” da reportagem de Época vai por conta do texto do professor de ética médica, Marcos Segre, que de forma elegante classifica o procedimento da guarda de restos fetais como antiético e ilegal.

Quem tiver paciência, com certeza descobrirá nos arquivos da imprensa paulista reportagens de alguns anos atrás com o mesmo teor da apresentada por Época, mostrando a “importância” do exame do cotonete para troca de bebês. O interessante é que o escândalo do cotonete vem à tona devido a uma rixa entre deputados malufistas, e não pela investigação da imprensa. Esta prefere a atitude contemplativa frente a qualquer pretenso avanço médico. Aliás, avanço houve mesmo foi no erário paulistano.