Tuesday, 15 de October de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1309

Matthew Brzezinski

RÚSSIA

"Um Boris americano na mídia russa", copyright The New York Times / Jornal do Brasil, 5/8/01

"Quando o presidente da Rússia, Vladimir Putin, comemorou recentemente seu primeiro ano no cargo, adolescentes de Moscou organizaram uma festa para ele. Naturalmente, a festa foi realizada na Praça Vermelha, com o comparecimento de cerca de 10 mil secundaristas. Todo mundo se divertiu muito. Havia bandas e balões e refrigerantes grátis. Alguns garotos até levaram skates, embora o calçamento de pedras perto do Kremlim não se preste a esse tipo de esporte.

Uma equipe de cinegrafistas da televisão estatal também estava à mão e captou zelosamente a multidão de admiradores vestindo camisetas em vermelho, branco e azul, as cores nacionais da Rússia, e a expressão sorridente do presidente. Para acompanhar as imagens, não faltaram entrevistas e declarações entusiásticas sobre o excelente trabalho que o novo dirigente da Rússia vem fazendo para reerguer o país.

Mas um detalhe escapou à embevecida cobertura da televisão estatal: só depois se viria a saber que participantes do comício de jovens tinham recebido toca-CDs portáteis e certificados para férias grátis na Criméia, e que em alguns casos o comparecimento fora obrigatório. A revelação levou os redatores de manchetes do diário comercial de Moscou, Kommersant, a observar perfidamente que ?a geração Putin leva tudo de graça?.

Era o tipo de história sob medida para a NTV, a combativa cadeia privada de televisão que até recentemente tinha sido uma maldição na vida de Putin. Mas, estranhamente, a estaç&atildatilde;o a sepultou no fundo de sua transmissão. ?A antiga NTV teria feito uma festa com essa história?, diz Masha Lipman, conhecido jornalista de Moscou.

Não é a mesma – Para muitos russos, a NTV não é a mesma desde que um jovem banqueiro de investimentos chamado Boris Jordan começou a dirigi-la. Talvez seja porque Jordan não é do ramo de jornalismo, mas administrador de dinheiro. Ou porque se reporta à Gazprom, a gigante estatal da energia. Ou porque é americano, nascido e criado em Nova Iorque.

A Gazprom e Jordan entraram no negócio de televisão numa madrugada das férias de Páscoa, quando advogados de Jordan – agindo em nome de credores apoiados pelo Kremlin – apossaram-se da NTV, a única cadeia nacional da Rússia que ainda não estava sob controle do governo. Dependendo de quem conta a história – o novo chefe americano da NTV ou seu fundador exilado -, a investida noturna pelo controle da empresa ou bem foi apenas um negócio ao estilo russo, ou o começo do fim da liberdade de expressão na Rússia de Putin.

Para chegar ao escritório de Jordan na torre Ostankino de televisão, nos arredores de Moscou, é preciso passar por um carrancudo guarda do Ministério do Interior armado de metralhadora e entrar numa lúgubre sala de espera onde fumantes se agrupam em torno de potes de conserva usados, despejando cinza nos recipientes manchados de nicotina. Um velho elevador desconjuntado conduz o visitante, passando pelos estúdios das maiores emissoras da Rússia. Na subida, as portas do elevador se abrem para revelar escritórios com linóleo se descascando e tetos de telhas amareladas, arquivos de filme empoeirados e um enfumaçado recinto onde produtores de várias cadeias bebem vodca, como se todos trabalhassem para o mesmo patrão – o que acontece cada vez mais.

No oitava andar ficam os estúdios da NTV. Faltam poucos minutos para as 16h, e a cena é de um verdadeiro pandemônio. O noticiário da tarde vai ao ar em 90 segundos, e as luzes do estúdio principal se apagaram.


Frenesi – Fora do escritório de Jordan, o ritmo não é menos frenético. Contadores entram e saem, contornando seu corpulento guarda-costas, enquanto alguns produtores suplicam às duas secretárias uma audiência com o grande homem. No canto deste turbilhão, Jordan calmamente dispara instruções e fala ao telefone, mudando sem esforço do inglês para o russo com leve sotaque, aprendido com seus pais emigrados.

Tudo nele é convincente: a altura imponente que todo mundo observa, o firme aperto de mão, o cabelo que vai rareando e o torna tranqüilamente mais maduro – ele tem 35 anos. Até o rosto parece estudadamente maduro, o garoto prodígio do mundo bancário agora se esforçando para imitar a sisudez da meia idade.

No momento, ele tenta me convencer de que sua última aventura não é para abafar a crítica mais ruidosa da mídia contra Putin e de que os boatos de que a polícia secreta se envolveu na tomada da NTV às 4h da madrugada de uma noite de Páscoa não têm fundamento.

?Não foi diferente de qualquer oferta pública e hostil de aquisição empresarial em qualquer outra parte do mundo?, diz ele, exibindo a sinceridade que o tornou um vendedor de alto coturno e um homem muito rico – apelidado por alguns de o Grande Gatsby de Moscou.


Gusinski – Conversa fiada, naturalmente, considerando-se a determinação com que os promotores russos têm perseguido o fundador da NTV, o magnata da mídia Vladimir Gusinski. Gusinski era um dos oligarcas da corte de Boris Yeltsin, mas nunca acertou o passo com Putin. Primeiro, apoiou o candidato presidencial errado na eleição de 2000. Depois, usou a NTV para apresentar a guerra na Chechênia como uma brutal campanha, um bode expiatório destinado desviar a atenção do povo dos fracassos econômicos do país.

Por não seguir a nova linha partidária, Gusinski foi jogado na prisão e forçado a fugir para o exterior. Sua nau capitânia, o diário Sevodnya, foi fechada e, três dias depois que Jordan começou a comandar o espetáculo na NTV, toda a equipe da Itogi, revista semanal que Gusinski publicava numa joint venture com a Newsweek, foi demitida.

Tudo isso torna a argumentação de Jordan menos convincente. De repente, ele muda de rumo. ?Tenho de ser honesto?, diz em tom confidencial. Talvez houvesse ?motivações políticas? na tomada da NTV, mas isto nada tem a ver com ele.

Novamente, seus olhos azuis avaliam minha reação. Seu sorriso é determinado. O mesmo sorriso otimista dos trepidantes anos 90 da Rússia, quando Jordan fez carreira – e fortuna – vendendo a Wall Street a idéia de que a Rússia pós-comunista se tornaria o paraíso dos capitalistas."

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"Apóstolo e anjo caído dos negócios, copyright Jornal do Brasil, 5/8/01

"Quando se fala de Boris Jordan, é quase religiosamente. Há Boris Jordan A.C., o apóstolo, e Boris Jordan D.C., o anjo caído. O primeiro é o de ?antes do crash?, anterior a 17 de agosto de 1998, o dia que a bolha explodiu no recém-nascido mercado financeiro russo, um dos colapsos mais espetaculares da história das finanças internacionais.

Boris Jordan A.C. era reverenciado na comunidade financeira como o jovem de 26 anos nascido em Long Island que praticamente sozinho construiu o mercado russo de ações; que em um ano ganhou metade dos lucros dos seus patrões do Crédit Suisse First Boston; que recusou US$ 4 milhões de bônus porque era insultante de tão pouco e fundou o primeiro banco de investimentos do país, batizando-o, otimista, de Renaissance Capital (Capital do Ressurgimento).

Arrogante, inteligente e sobretudo ambicioso, Jordan mais que ninguém pôs a Rússia no mapa financeiro nos anos 90. O ?czar Boris?, como foi apelidado por repórteres, foi dono do arranha-céu mais caro de Moscou, enquanto 800 operadores movimentavam bilhões de dólares de investidores como George Soros e o fundo de pensão da Universidade de Harvard. O queridinho de Davos, a cidade suíça onde se encontra todo ano a nata do mercado financeiro mundial, Jordan estava, em suas próprias palavras, no topo do mundo.


Irregularidades – Mas a história de Boris Jordan D.C. é diferente. É uma história de processos e acusações de irregularidade, investidores indignados e falências. Este Boris Jordan foi acusado de raspar fundos de investimentos e ter chegado ?muito perto do precipício?. Hoje, quando surge em alguma conferência de negócios, Jordan é ?aquele que fica no canto e com quem ninguém quer falar?, como disse um participante.

?Jordan perdeu completamente a credibilidade na comunidade ocidental de investidores?, diz Anders Aslund, que há muito tempo acompanha a Rússia na Fundação Carnegie para a Paz Internacional, em Washington. ?Agora ele está tentando se reinventar?, como um estranho no ninho do Kremlin. ?É um oportunista cínico?.

?Mantive-me quieto nesses últimos anos?, diz Jordan. ?O crash mudou minha vida. Foi muito humilhante.? Um mês se passou até que Jordan assumisse o cargo na Ostankino, como representante da Gazprom, e tem sido difícil. Cerca de 200 empregados da NTV, entre eles os jornalistas mais famosos, pediram demissão no dia em que ele assumiu. Ele foi tema de dezenas de editoriais ofensivos em todo o mundo.


Liberdades – ?O que dói mais?, diz ele, são as acusações da mídia ocidental sobre restrições à liberdade de imprensa para fins pessoais. ?Eu e minha família deixamos a Rússia como refugiados políticos, e sabemos o que é ter nossa liberdade restringida. Vou renunciar ao cargo?, completa, ?se houver alguma interferência do Kremlin. Minha reputação está em jogo?.

?Que reputação??, retruca um ex-apresentador da NTV, Ievgueni Kiseliov. Kiseliov deixou a emissora no mesmo dia em que Jordan começou a trabalhar, chamando o novo chefe de marionete do presidente. Ele agora trabalha em uma emissora local de Moscou que de repente apareceu com problemas na Justiça.

?Veremos se ainda estarei no ar dentro de poucos meses?, diz Kiseliov. ?Putin está tentando recriar o sistema soviético, mas livre da ideologia comunista.? Para o jornalista, Jordan ?recebe tratamento de empresário favorecido em troca de serviços ao Estado?.

Os ?serviços? começaram no início deste ano. Na época, Gusinski estava em prisão domiciliar na Espanha, brigando contra a extradição requisitada por Moscou, com problemas financeiros graves e negociando com Ted Turner uma ajuda de emergência que pudesse manter a NTV longe das mãos dos credores apoiados pelo Kremlin. Até então, a Gazprom tinha 46% da NTV, insuficiente para destronar o fundador. Jordan, que vinha acompanhando a situação de perto, viu uma ?incrível oportunidade?. Aproximou-se da Gazprom e propôs uma solução ao impasse com uma negociação com outro sócio minoritário, um banco de investimento de Los Angeles."

    
    

                  

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