Friday, 11 de October de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1309

Max Rodenbeck

ORIENTE MÉDIO EM GUERRA

"Árabes aprendem a usar o poder da mídia", copyright O Estado de S. Paulo / The New York Times, 19/04/02

"Nunca, em meio século de conflito no Oriente Médio, os árabes comuns se identificaram tanto com a tragédia palestina como agora. Da mesma forma como a cobertura do Vietnã pelas redes de TV chocou os americanos com a proximidade de uma guerra distante, as imagens da TV, insistentes e vívidas, da intifada levaram seu drama sangrento para milhões de lares árabes.

Antes da reinvasão israelense da Cisjordânia, nem os próprios líderes israelenses nem os dos Estados Unidos parecem ter avaliado como o novo poder e alcance da mídia árabe pode atuar contra Israel. As imagens de violência aumentam o interesse pessoal pelo conflito. Quando meio milhão de marroquinos marcharam num recente protesto contra Israel, muitos levavam cartazes que diziam: ?Somos todos palestinos?.

Árabes vêem o conflito atual com olhos ?vietnamitas? – como a história de um povo parente deles que luta para livrar sua terra de um exército de ocupação brutal. O drama não cria desgosto com a guerra, mas sede de justiça, sacrifício e vingança.

Alguns podem considerar tais emoções produto de propaganda, e é verdade que a mídia noticiosa da região não está propriamente acima de críticas. O Hezbollah opera um canal via satélite, tecnicamente impressionante e visualmente envolvente, que transmite incitações ininterruptas para que se ataque ?o inimigo sionista?. Até a Al-Jazira, editorialmente o mais sofisticado calnal árabe via satélite, se inclina ao emprego hiperbólico de termos como ?genocídio? para descrever os métodos férreos de Israel. Com muita freqüência, as perdas israelenses são mostradas de passagem.

Contrastando com isso, informações sobre palestinos mortos estão repletas de lembranças. Alguns se tornaram nomes familiares, do Marrocos a Mascate, capital de Omã: Muhammad al-Dura, o menino de 12 anos natural de Gaza cujo pai não conseguiu protegê-lo contra uma saraivada de disparos israelenses; ou Wafa Idris e Ayat al-Akhras, as primeiras mulheres-bomba suicidas, que foram homenageadas por astros de cinema egípcios durante um evento beneficente no Cairo.

Ainda assim, a cobertura do conflito feita pelos árabes não é realmente muito mais tendenciosa do que, digamos, a cobertura da Guerra do Golfo Pérsico pelos americanos (ou, a propósito, as reportagens dos israelenses sobre a intifada: na maioria, os editores em Tel-Aviv parecem aceitar a opinião do primeiro-ministro Ariel Sharon de que a imprensa tem por tarefa ?proporcionar orgulho e esperança à nação?). O fato é que as emissoras de TV, rádios, jornais e revistas árabes avançaram muito nos últimos anos. Foi-se o tempo em que árabes precisavam buscar a verdade na BBC, como ocorreu na Guerra dos Seis Dias, em 1967, quando egípcios ouviram, de Londres, a notícia de uma derrota calamitosa, mesmo quando o governo do Cairo alardeava vitória.

No auge do nacionalismo árabe, na década de 60, dizia-se que o som da batalha devia sufocar todas as vozes – que não devia haver discordância. Agora que canais privados via satélite disputam com radiodifusores estatais, e diários publicados em árabe em Londres concorrem com os jornais locais, as vozes são múltiplas. Algumas, como a Al-Jazira, rivalizam e às vezes superam modelos ocidentais, pela qualidade e rapidez de seu noticiário. Foi a al-Jazira que deu o furo sobre a emboscada de 7 de abril em Jenin, na qual Israel perdeu 14 homens."

 

"Os escritores e a consciência do mundo", copyright O Estado de S. Paulo / The Guardian, 21/04/02

"Grandes escritores podem às vezes dizer coisas notavelmente estúpidas. O romancista português José Saramago, ganhador do Prêmio Nobel de Literatura, visitou recentemente a Cisjordânia sitiada como membro de um grupo de escritores famosos, chamado, de forma meio grandiloqüente, Parlamento Internacional de Escritores. Em Ramallah, ele declarou que ?o que está acontecendo aqui é um crime que pode ser comparado com Auschwitz?.

Com toda a certeza, ele estava se referindo à campanha militar israelense, que, sem dúvida, é uma coisa brutal. Mas somente um tolo ou totalmente ignorante poderia comparar isso a Auschwitz. Saramago não é nem tolo nem ignorante. Ele é de fato um maravilhoso romancista. O mesmo se pode dizer, nesta questão, de Günter Grass, que disse em 1989 que Auschwitz deveria impedir a reunificação da Alemanha dividida. Gore Vidal é também um excelente literato e um homem inteligente. Contudo, durante a Guerra do Golfo, foi ele quem afirmou que Saddam Hussein não era pior do que o departamento de polícia de Los Angeles. E há também Arundhati Roy, uma maravilha literária da Índia, que comparou a construção de uma represa hidrelétrica na Índia e o conseqüente deslocamento dos moradores ao Holocausto.

O impulso para usar a própria fama para ajudar outras pessoas é um sentimento nobre, Émile Zola iniciou a moderna tradição dos escritores que fazem campanha em favor de outros com seu furioso panfleto contra o Exército francês por ter enquadrado criminalmente Alfred Dreyfus. J?Accuse (Eu Acuso) – a denúncia do anti-semitismo oficial, feita por Zola, tornou-se desde então um modelo para os escritores engajados em altas denúncias e protestos.

Equívocos – Mas existem problemas nessa louvável tradição. Como observou Hannah Arendt em um brilhante ensaio sobre Bertolt Brecht, ?nem sempre os poetas são cidadãos bons e confiáveis?. Em certo sentido, ser perverso é um privilégio deles enquanto isso produz uma boa arte.

Arendt mostra, porém, que a poesia de Brecht foi negativamente afetada por sua perversidade política. Suas odes elogiando Stalin não são apenas politicamente odiosas, mas também poeticamente ruins. No caso de Brecht, a política envenenou sua arte.

Arendt é amável para com Brecht e encontra uma explicação caritativa para sua política desorientada. Na sua opinião, a aliança de Brecht com o Partido Comunista tem raiz em sua compaixão pelos pobres e humilhados. Isso pode ter sido verdade no caso de Brecht. Mas eu acho que o engajamento de escritores em outros casos tem sua origem em algo mais sinistro, em sua atração pelo poder – ou pelo seu oposto, ou seja, numa frustração e até mesmo uma sensação de mal-estar por se sentirem excluídos do poder. Em regimes democráticos, escritores bem-sucedidos podem ganhar muito dinheiro, conseguir prêmios grandiosos e receber mesas decentes em restaurantes elegantes, mas raramente são levados muito a sério como personalidades políticas. Nem deveriam sê-lo.

Eles não representam ninguém. A análise política não é o tema principal da maioria das obras literárias imaginativas. Mas, apesar disso, os Zolas de nossos dias continuam escrevendo pomposas cartas abertas a dirigentes políticos como se seu talento literário emprestasse um peso moral particular às suas opiniões. Daí surgiu o Parlamento Internacional de Escritores.

O outro papel adotado pelos escritores numa era secularizada é o de um clero literário: Grass, Soyinka, Rushdie ou Breytenbach, como a consciência pública, como os árbitros do que é bom e do que é mau no mundo. Os ganhadores do Prêmio Nobel são especialmente propensos a esse tipo de posição. Isso também me choca como algo profundamente suspeito, especialmente em situações em que o bem e o mal estão longe de serem coisas bem definidas. A guerra atual entre Israel e os palestinos é uma situação desse tipo.

Mãos sujas – A história que levou à atual violência está saturada de má-fé em todos os lados. Sharon tem muito sangue em suas mãos. Mas Arafat também tem. Depois, vêm os ditadores das nações árabes que se beneficiam desse impasse selvagem. A humilhação e opressão dos palestinos é muito real, mas essa estratégia – apoiada por um Estado – de enviar adolescentes a um restaurante lotado para cometer um assassinato em massa não pode ser desculpada como um comportamento compreensível ditado pelo desespero. Um homem tão sofisticado como José Saramago deve estar consciente disso.

Mas se a gente colocar Saramago e outros romancistas bem-intencionados num lugar infernal, eles farão aquilo que os escritores imaginativos melhor sabem fazer: descreverão o que vêem e expressarão seus sentimentos. Seria preciso ter um coração de pedra para não ferver de indignação perante as cenas, os gritos, os cheiros desses homens, mulheres e crianças que estão morrendo. Mas o Parlamento Internacional de Escritores não esteve na Cisjordânia simplesmente para descrever. Não era um punhado de repórteres.

Foi convidado para promover a causa palestina, para demonstrar solidariedade, para tornar-se partidário dessa causa. Para ver o bem e o mal.

Foi por isso, suponho eu, que Saramago recorreu à comparação com Auschwitz, símbolo do mal, um símbolo absoluto, comprovado, universal – agora, irremediavelmente depreciado.

O fato de que um grande escritor tenha sentido necessidade de meter-se nessa perigosa esparrela atesta o caráter tenebroso do que ele viu realmente ao seu redor. O resultado não é apenas má política, mas também má literatura."

 

"Judeus de LA boicotam jornal", copyright O Estado de S. Paulo, 19/04/02

"Membros da comunidade judaica de Los Angeles iniciaram ontem uma campanha de boicote ao jornal Los Angeles Times, argumentando que a cobertura do conflito no Oriente Médio vem mostrando uma ?tendência pró-palestinos?. Foram canceladas cerca de mil assinaturas do jornal, cuja tiragem diária é superior a 1 milhão de exemplares. O editor do jornal, John Carroll, assegurou que a cobertura do conflito é imparcial."