Tuesday, 15 de October de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1309

Mídia é singular ou plural?

CLÓVIS ROSSI NO OI

Na edição televisiva do Observatório da Imprensa da terça-feira, 5/6/01, quando discutiu-se a influência que o ex-senador ACM exerce sobre a mídia, o jornalista Clóvis Rossi, da Folha de S.Paulo, levantou uma questão paralela que, agora, sem as premências do tempo televisivo, conviria aprofundar. Formulada conceitualmente seria assim: pode-se falar em mídia ou em imprensa, genericamente, desconsiderando os desempenhos individuais?

O jornalista obviamente tinha suas razões para levantar a questão naquele momento, demarcando-se ostensivamente daqueles profissionais que durante tanto tempo e com tanto gosto fizeram o jogo do político baiano. Sobretudo porque na reportagem que introduziu o debate foi mostrado o inédito agradecimento nominal feito por ACM a alguns jornalistas durante um programa da TV Record.

Para começar, vamos ao latim: a palavra media que nós, brasileiros, grafamos mídia, é plural de medium, meio [de comunicação]. Embora nós a usemos no singular (a mídia), o certo seria fazer como os franceses e portugueses que adotam les media e os média (o acento, no caso, é contribuição lusa).

Com imprensa dá-se o mesmo, apesar de que seja um substantivo singular. Mas tanto a imprensa como a mídia são instituições, conjuntos de diferentes veículos. Necessariamente coletivo e uníssono, embora o regime democrático tudo faça para diversificá-la.

Mais uma vez os franceses deram sua decisiva contribuição semântica pluralizando ainda mais o conceito ao designar um sistema mediático (ou midiático) que engloba outros agentes ativos ou passivos (institutos aferidores de audiência, as próprias audiências, agências de publicidade, anunciantes, comunicadores, grupos empresariais, corporações e associações de classe etc.).

Inescapável: a comunicação de massa é um processo múltiplo, coletivizante e homogeneizador cuja razão de ser consiste justamente em aplastar as individualidades tanto numa como na outra ponta do processo. Isto é, tanto na esfera dos comunicadores como na dos comunicados. Foi em função deste rolo compressor despersonalizante que na Folha de S.Paulo, nos longínquos anos 70, procurou-se trazer para a conjuntura brasileira os conceitos de grande imprensa e imprensa alternativa ? numa tentativa de estabelecer um mínimo de nuances e diferenças.

A pluralização do processo midiático é de tal força que momentos depois da sua premissa o jornalista Rossi mencionou a espetacularização da notícia como uma tendência à qual devemos nos resignar. Capitulou diante da mesma generalização que minutos antes argüiu.

A grande verdade é que fenômenos sociais ? e estamos falando do mais importante fenômeno social do mundo contemporâneo ? só podem ser examinados como manifestações coletivas tomadas medianamente, descartando-se as eventuais exceções.

Para que um veículo ou um profissional se destaquem do bolo indiferenciado é imperioso que a individuação seja visualizada, enfatizada e reiterada para converter-se em parâmetro digno de registro. Posições sutis e/ou ocasionais não conseguem escapar das regras avassaladoras. Este Observatório vai na contracorrente porque este é o seu compromisso identificador, assim como o dos diferentes ouvidores da Folha. Raras são na grande imprensa as dissonâncias sistemáticas e a contestação firme ao "espírito de rebanho" (ou de matilha) adotado pela mídia. Uma das mais destacadas e regulares é vocalizada pelo jornalista Luís Nassif ? do mesmo jornal de Clóvis Rossi ?, fato que pode ser comprovado pelo número de vezes em que Nassif foi incluído na seção Aspas, ao contrário do ilustre colega [para conferir, basta uma rápida pesquisa, por nome, no canal Busca disponível nesta página e na homepage do OI].

Abandonando o terreno conceitual e baixando ao nível das rudezas da realidade jornalística, convém examinar os seguintes episódios:

** O "jornalismo fiteiro" (baseado exclusivamente em fitas e grampos) que este Observatório tanto critica desenvolveu-se ao longo dos últimos anos porque explora e depende exclusivamente deste espírito de matilha (ou de rebanho) assumido pela mídia. Todos saem numa corrida desabalada atrás do mesmo naco sem deter-se para fazer os mais simples questionamentos e investigações. Raros são aqueles veículos e profissionais que condenam esta prática de forma explícita e pública. Ao contrário, todos embolam-se na corrida. Com diferenças insignificantes na forma.

** A bola de neve armada nos últimos dias para envolver o senador petista José Eduardo Dutra na violação do painel do Senado ? Oscar de torpeza ? é outro exemplo de um comportamento indiferenciado e equalizado. Até o momento, a mídia, ou a imprensa, ou aqueles que desejam vê-la diversificada ainda não conseguiram exibir e vocalizar qualquer tipo de discordância ou discrepância. As consciências ou brios individuais, até o momento, não ofereceram sinal de que existem [veja Circo da Notícia, nesta edição].

** O Dossiê Cayman, agora considerado falso pela mídia, foi intensamente badalado pela mesma mídia durante quase três anos ininterruptos como se fosse rigorosamente verdadeiro. Posturas cautelosas com o uso do adjetivo "suposto" foram logo abandonadas e os autores da infração tratados com a mesma leniência com que têm sido tratadas as respeitáveis "fontes" que usam o denuncismo em proveito próprio. Esta depravação dos padrões éticos do jornalismo brasileiro ? salvo as raras exceções que não conseguem encorpar-se como fenômeno ? passa sem reparos tanto pela grande imprensa como pela imprensa alternativa.

A questão levantada pelo opinionista da Folha no Observatório da Imprensa é animadora. Dá indícios, num futuro não muito distante, senão de uma mídia pelo menos de um medium assumidamente divergente e singularizado. [Em 11/6/01]

    
    
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