Monday, 06 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1286

Máfia do grampo e cumplicidade da mídia

ACABOU A FITA, VAI ACABAR O OFF

Alberto Dines

As transcrições de escutas telefônicas ? legais
ou ilegais ? ganharam tanta importância na cena política
brasileira por uma única razão: encontraram uma freguesia
ávida para publicá-las. Os fornecedores de grampos
descobriram um

"mercado" receptivo aos seus produtos. Fita virou release
e os políticos que as distribuíram converteram-se em assessores
de imprensa que negociam sua "mercadoria" em troca de destaque
ou exclusividade.

Se houvesse mais cuidado, mais responsabilidade e mais atenção no tocante ao aproveitamento jornalístico dessas fraudes e dessas ilegalidades, os políticos inescrupulosos não se serviriam com tamanha sem-cerimônia de repórteres ditos "investigativos" e da imprensa dita "independente".

É impressionante o depoimento dos jornalistas Luiz Cláudio Cunha e Weiller Diniz, da IstoÉ (edição n? 1.743, datada de 26/2/03, pág. 26-28). Não apenas pela escancarada confissão do senador-grampeador ACM mas pela extensão da grampofilia na imprensa brasiliense.

Diz a matéria que ACM distribuiu "relatórios confidenciais" sobre 126 conversas do deputado Geddel Vieira Lima para jornalistas de dois grandes veículos de circulação nacional (Folha de S.Paulo e Veja). Há pelo menos mais um veículo na lista dos agraciados pela generosidade informativa de ACM: a própria IstoÉ, que publicou trechos de conversas do deputado Geddel em sua edição de 12/2 (págs. 29-33) com anotações manuscritas do senador ? e posteriormente xerocou o mesmo dossiê que o senador distribuiu aos outros veículos.

O fato de que dois dos três veículos recusaram-se a divulgar o material ilícito é um dado bastante positivo. Sinal de que os preciosos grampos, até há pouco disputados com tanta sem-cerimônia no submundo da arapongagem federal, estão desvalorizados, irremediavelmente em baixa.

Esta queda livre nas cotações das fitas deve-se, em parte, ao fato de que o maior fornecedor da praça ficou manjado. E a grampofilia exige uma encenação com altas doses de secretismo e clandestinidade. Grampos que não demandam "enorme esforço de reportagem", "árduos sacrifícios", "dias e noites sob sol e chuva" etc. etc. não têm apelo, não "vendem".

Decoro resgatado

Os veículos que nos últimos anos divulgaram ilegalmente transcrições de conversas telefônicas serviram-se do "clima Watergate" porque o leitor precisava ser persuadido de que os fins justificam os meios. A ilegalidade da ação precisava ser neutralizada pelo serviço prestado ao "bem comum".

O senador ACM agora tenta desqualificar a última denúncia da IstoÉ acusando-a de mentirosa. Não há razão alguma para desconfiar de uma matéria dessa importância e tão rica em detalhes. Por outro lado, há todas as razões para desconfiar do amor à verdade professado por ACM ao longo de sua vida.

A matéria em questão tem outro mérito: liquidou o vício do off.

Políticos brasileiros usaram e abusaram das informações confidenciais sem atribuição da fonte. Acostumaram-se a emprenhar os ouvidos dos jornalistas com as piores intrigas desde que seus nomes fossem preservados. Graças a isso, o jornalismo político brasileiro ? que já estava atrelado ao "declaracionismo" ? submeteu-se ao off-ismo. Perdeu a capacidade apurar e a coragem de afirmar sem as muletas do "segundo fontes fidedignas". Claro que também aqui há as honrosas exceções, mas o que importa é a regra.

O senador ACM admitiu com todas as letras que foi o mandante do crime, certo de que os repórteres não publicariam sua confissão. A infração era grave demais para ser enrustida: publicaram.

Prestaram um grande serviço à política e ao jornalismo. Com uma matéria de modestas três páginas e discreta chamada na capa, IstoÉ desvendou uma promiscuidade que a ambos enxovalhava. Resgata-se o decoro e os leitores, penhorados, agradecem.

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