Sunday, 28 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Midiagate, 1º aniversário

Alberto Dines

 

C

omeçou de forma truncada e emblemática:

  • O semanário Newsweek anunciou que sua matéria de capa a respeito da estagiária Mônica Lewinsky era insuficiente e não seria publicada. Sobretudo porque seria imperdoável tirá-la do anonimato para uma fama da qual jamais se livraria sem, ao menos, tê-la entrevistado.
  • Importante registrar que a matéria resultou de vazamentos intencionais do promotor especial, Kenneth Starr.
  • E de informações obtidas de forma imprópria por Linda Tripp, ex-confidente da estagiária, através de grampo telefônico. Acrescente-se que Linda Tripp preparava secretamente um livro denunciando o romance da sua amiga e confidente com o presidente Bill Clinton. Sua “agente literária”, Lucienne Goldberg, foi uma importante fonte de informações e peça chave na promoção do caso.
  • Um profissional de fofocas, Matt Drudge, teve acesso ao material recolhido pela Newsweek e colocou-o na Internet.
  • O sistema de TV a cabo, através das emissoras de jornalismo rotativo, passou a martelá-lo continuamente.
  • Na esteira entraram os talk-shows, onde qualquer um pode dizer o que quer, a respeito do que lhe der na veneta. São programas cujos pilares são o produtor que traz os entrevistados e o entrevistador que não é necessariamente um jornalista não há reportagem, nem investigação.
  • Como os principais âncoras dos telejornais das redes abertas estavam em Havana cobrindo a visita do papa, retornaram às pressas para as respectivas sedes nos EUA. Para não perder audiência e adiantar-se, apelaram para a técnica da maximização e da saturação.

Estes foram os ingredientes iniciais de um episódio que este OBSERVATÓRIO batizou exatamente há um ano de “Midiagate” e que seis meses depois, em agosto de 1998, como “Pressgate”, serviu de plataforma para o espetacular lançamento da mais bem sucedida publicação de crítica da mídia nos EUA, a Brill’s Content.

Antes mesmo de encerrados os desdobramentos legais e políticos do caso (o julgamento do impeachment no Senado americano), já existem elementos para um balanço do desempenho da mídia:

  • Um grupo de jornalistas acredita piamente que a mídia comportou-se com correção, já que a maioria das revelações iniciais foram confirmadas.
  • Outro grupo acha que as revelações da mídia, embora certas, dizem respeito à vida privada de um homem público, portanto, impróprias para a divulgação.
  • Um terceiro grupo, formado por experimentados profissionais, jornais de prestígio mundial, como o The New York Times, diversos ombudsman, professores de universidade e entidades de observação da mídia consideram que o caso foi um dos mais escabrosos da história da imprensa americana.

Imperioso anotar que embora o episódio tenha sido imediatamente politizado e classificado como conspiração de direita para derrubar um presidente liberal, mesmo assim publicações de tendência conservadora, como o Media Studies Journal (do Freedom Forum), têm apresentado inúmeras críticas ao trabalho da mídia (edição Primavera-Verão de 1998, com o título geral “What’s Fair ?”, artigo de Ann Compton, conhecida jornalista da rede ABC).

Na noite de 26 de janeiro, no programa Nightline, da rede ABC (retransmitido na noite seguinte pela TVA, canal Mundo), o jornalista Ted Kopell no seu acompanhamento diário do caso foi taxativo: qualquer que seja o desfecho, a imprensa americana tem satisfações a dar ao povo americano.

O ângulo local: a mídia brasileira foi extremamente relutante, quase lacônica, ao relatar a onda de críticas ao desempenho jornalístico americano. Significa que foi parcial na cobertura. Os poucos correspondentes nos Estados Unidos – certamente cumprindo a orientação das respectivas sedes – preferiram concentrar-se nos aspectos escabrosos e apelativos do caso. Essa distorção ocorreu mesmo nos jornalões brasileiros que detêm os direitos de reprodução do material do New York Times.

Este OBSERVATÓRIO foi o primeiro a apontar o vexame jornalístico americano e brasileiro (edição de 5 de fevereiro de 1998 e seguintes).

Para uma avaliação do Caso Monica e do comportamento da mídia convém ler o artigo do jornalista e escritor Gabriel García Márquez.